Hoje, muitos espaços públicos são vistos como locais não tão seguros em milhares de cidades ao redor do mundo. A noção de segurança é perdida no momento em que uma localidade se torna vazia, não recebe iluminação, uso ou até mesmo a atenção adequada. Conectar os espaços entre o que é público e o que é privado pode ser um trunfo para evitar isso. Esses espaços são chamados deplinth. O conceito é amplamente explorado em A Cidade Ao Nível dos Olhos, livro que compila projetos que transformaram locais no mundo inteiro.
A publicação foi escrita por mais de 80 colaboradores, editada pela consultoria Stipo e montado em parceria com o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), Future of Places, Gehl Architects, PPS Project for Public Spaces, Copenhagenize e pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). O conteúdo se propõe a ajudar as cidades e os seus parceiros a desenvolverem estratégias para melhorar as cidades ao nível dos olhos.
Um dos grandes desafios das cidades atualmente é acomodar diferentes modais de transporte e devolver o protagonismo aos meios mais sustentáveis e seus agentes, os pedestres e ciclistas. Entre essa necessidade e as redes de vias com intenso fluxo de veículos estão as calçadas e os prédios. Plinths são os andares térreos dos prédios, onde ocorrem as interações, as pessoas se cruzam, onde o público, a rua, se conecta com o privado. “Bons plinths e bom espaço público compõem os dois lados de uma mesma moeda. Juntos, eles produzem a experiência da cidade ao nível dos olhos”, escrevem os autores Emiel Arends e Gábor Everraert em trecho do livro.
Um artigo de 2013, desenvolvido pela ONU-Habitat, apresentou a noção de cidades prósperas. Para se adequar ao termo, as cidades atuais devem apresentar um bom padrão de desenho urbano e, principalmente, reconhecer a relevância de espaços públicos bem planejados. Parques e praças ganham uma importância cada vez maior em cidades que desejam oferecer qualidade de vida para seus habitantes. Onde há essa preocupação, espaços verdes podem ser revitalizados e mantidos através de parcerias. Porém, manter as ruas e calçadas vivas é o que traz segurança a elas.
As pessoas se afastam intuitivamente de lugares vazios e sem interações. Elas procuram conexões. No bairro de Pendrecht, em Roterdã, o projeto Vissenkommen (Aquários) reformou o andar térreo de um prédio, dando mais luminosidade e segurança para os arredores. As edificações já eram caracterizadas por espaços abertos no térreo, planejados para serem locais para as crianças brincarem. Porém, devido à diminuição do número de famílias, as entradas tornaram-se mais vazias e passaram a apresentar problemas e perturbações. A renovação dos plinths, em 2000, se focou na preservação das conexões e da transparência do andar térreo. “Ao mesmo tempo, a introdução de novos materiais fez com que os limites entre público e privado estivessem claros como vidro, literalmente.”
Plinths são desenvolvidos em áreas heterogêneas, especialmente em pontos centrais das cidades e distritos próximos. Diferente do que se pode pensar, não são apenas os estabelecimentos comerciais que desempenham esse papel. Os autores apresentam o plano implantado em Roterdã, na Holanda, em 2008. Para transformar a paisagem composta por prédios pós-guerra, que ocupavam espaços longitudinais, com fachadas inexpressivas, a prefeitura da cidade introduziu o projeto “Para um Lounge da Cidade”. Plinths foram definidos como a combinação do espaço público, o andar térreo e os primeiros andares dos edifícios. Inserido no plano, muitos projetos de melhoria das ruas foram iniciados e, em 2011, foi lançada a estratégia de plinths: “Roterdã ao nível dos olhos”.
“Os proprietários (e as ações) em relação à melhoria de ruas e plinths podem ser divididos em três grupos distintos: espaço público, o programa e o prédio. Na nossa experiência, essa divisão permite a mistura adequada de intervenções e atores para uma revitalização do plinth bem-sucedida”, destacam.
Os autores também usam o conceito de espaços semipúblicos ou híbridos, que são justamente as calçadas em frente aos prédios, que podem chamar as pessoas a interagirem com o interior. Muitas vezes podem ser bancos, pequenas mesas, vasos com plantas ou até bicicletários. Elementos que fornecem beleza, luz ou que interagem com quem transita naquele espaço acabam por trazer mais movimento ao local.
Quantas ruas e avenidas conhecemos que são repletas de pedestres durante o dia, mas à noite tornam-se locais desertos, onde evita-se passar? O livro usa um exemplo de intervenção feita em Nairóbi, onde, em 2001, foi realizado um levantamento da vitimização no centro da cidade, mostrando que nos 12 meses anteriores, 37% dos cidadãos da cidade tinham sido vítimas de roubo. De todos os habitantes de Nairóbi que transitavam no centro urbano, 54% se sentiam inseguros durante o dia e 94% durante a noite. Para mudar esses números, as autoridades, mesmo com recursos limitados, decidiram tornar mão única uma das ruas mais movimentadas do local.
A Mama Ngina Street teve as calçadas alargadas, a iluminação urbana foi qualificada para criar mais segurança, entre outras medidas. “Vários novos bares foram abertos, enriquecendo o programa noturno na rua, cuja vitalidade melhorou drasticamente. Mais pessoas se encontram, sentam e desfrutam da rua. Hoje é comum ver as pessoas se aglomerarem em uma das esquinas para discutir vários acontecimentos e assuntos atuais, particularmente sócio-políticos”, exalta o texto de Elijah Agevi, Cecilia Andersson e Laura Petrella.
Placemaking
Tornar ruas, praças e áreas em lugares que convidam pessoas a ficar é a atividade chamada de placemaking. “Com os modelos de desenvolvimento modernos, perdemos a habilidade de criar espaços ou nós de atividades ao longo da rua. Temos que ter um engajamento maior em compreender melhor a vida na rua e a vida nas calçadas”, escrevem os autores Fred Kent e Kathy Madden. A prática serve para dar significado às coisas e aos espaços, com ações que não dependem tanto de recursos financeiros, mas dependem da resposta das pessoas. “É o melhor e o mais seguro para-choques (um para-choques mais suave e adequado) que a humanidade encontrou depois de séculos construindo lugares.”
Espaços podem contribuir socialmente em todas as cidades ao se transformaram em lugares. Se isso parece difícil, o psicólogo social Francisco Pailliè Pérez apresenta três princípios para a criação de “ótimos lugares”:
Imaginação: Em alguns casos, o desempenho de uma rua poderia ser melhor se ela funcionasse como um mercado, um estacionamento pode funcionar como cinema ao ar aberto, ou uma viela abandonada como uma galeria.
Construção coletiva: Há uma grande diferença entre desenhar para pessoas e desenhar com as pessoas. No final, lugares são para isso, reunir-se e compartilhar as visões da vida com outros.
Escala Humana: Temos de lembrar que tudo que criamos deve ser baseado nas escalas naturais, humanas, porque terá impacto direto na maneira com que as pessoas usam o espaço.
Publicado originalmente em 12 de setembro de 2016, atualizado em 27 de março de 2020.