Neste artigo publicado originalmente na revista Casas, sua autora nos conta a história da arquiteta e desenhista irlandesa Eileen Gray. Desconhecida para muitos, Gray foi a fonte de inspiração para milhares de arquitetos e desenhistas ao redor do mundo. É fato que Le Corbusier foi seu maior admirador e também seu maior inimigo.
Eileen era uma alma vanguardista para sua época, uma mulher de pegar em armas, que, para muitos, foi uma das grandes mentes irlandesas do século XX; muitos, inclusive, a colocam à altura de seus conterrâneos James Joyce e William Yeats. Gray nasceu na Irlanda dentro de uma família aristocrata e de posição confortável. De seu pai, o pintor James Maclaren Smith, herdou o espirito aventureiro, enquanto o bom gosto e sua paixão pela estética vieram de sua mãe, Lady Gray.
Estudou na Slade School of Fine Art de Londres entre 1898 e 1902 e, paralelamente, aprendia a arte do laqueamento na oficina de móveis de D. Charles, na rua Dean. Esta era uma técnica que adorava e que, anos mais tarde - em 1907, quando instalou-se definitivamente em Paris, em um apartamento na Rue Bonaparte - a levaria a conhecer seu verdadeiro professor no lacado, o japonês Seizo Sougarawa. Foi assim que, em 1910, começou a desenhar telas e biombos decorativos que começaram a ficar muito famosos, e a levaram então, em 1913, a expor no Salón dês Artistes Décorateurs, atraindo a atenção do estilista e colecionador de arte Jacques Doucet, que se tornaria seu melhor cliente e para quem fabricou a famosa obra de quatro telas “Le destin” e a mesa “Lotus”.
Gray era uma criativa incansável que adorava a engenharia e a tecnologia, o que a levava a integrar estes conhecimentos aos seus desenhos modernos e rupturistas. Através de seus trabalhos, evitava a pretensão a todo custo, e o que mais queria era alcançar o belo, elegante e útil. Com estas obras começou a se fazer famosa e sua primeira grande encomenda chegou em 1917, quando Madame Mathieu Lévy pediu que desenhasse seu apartamento da Rue Lota. Este trabalho a lançou à fama, e assim começou a receber uma série de novas encomendas, o que se fez com que, em 1922, ela abrisse sua própria loja, chamada Galerie Jean Désert, onde expunha seus móveis, telas e tapetes. Nesse mesmo ano, Eileen expôs sua obra em Amsterdão junto ao arquiteto De Stijl, Jan Wils. A vanguarda holandesa recebeu com admiração seu projeto de uma “penteadeira de dormitório para Monte Carlo”. Desde então, sua obra passou a refletir uma clara influência geométrica do De Stijl.
Apesar disso, a criatividade de Gray era enorme, o que a levou em 1926 pelas mãos do arquiteto romeno Jean Badovici a começar a aprender arquitetura, transformando-se na ajudante e parceira de Badovici. Embora Gray fosse bissexual e tivesse estado ligada a várias mulheres, o arquiteto foi um de seus companheiros mais estáveis e conhecidos. Apenas nove das obras de Gray foram executadas e, no entanto, quatro delas foram atribuídas a Badovici, dada a semelhança de estilos. Atualmente, o trabalho de Gray continua inspirando arquitetos e designers. Apesar de seu legado arquitetônico não ser muito amplo, ela conseguiu construir uma das residências mais emblemáticas da arquitetura moderna, a E-1027. O nome desta construção refere-se ao código numérico resultante da combinação de suas iniciais segundo a ordem das letras do alfabeto: “E” de Eileen, “10” da letra “J” de Jean, “2” da letra “B” de Badovici e “7” da letra “G” de Gray. Neste projeto ela utiliza uma série de conceitos de Le Corbusier, que era um grande amigo de Badovici e admirava profundamente a Gray, o que inclusive leva muitos a dizer que ele era secretamente apaixonado por ela.
O problema entre esse renomado arquiteto e Gray começou quanto este tentou comprar a E-1027, tentativa negada redondamente por Gray. Esta casa, localizada na Costa Azul francesa era o refúgio de Badovici e Gray, lugar criado sob medida para o casal e onde o mobiliário foi feito de forma ideal para o local, com armários modernos embutidos aproveitando os espaços residuais. Destacava-se a grande sala aberta que, por sua vez, poderia se transformar em dormitório. Era um espaço onde os próprios móveis eram parte da arquitetura da casa. Gray projetou até o último detalhe da casa, dando ao projeto como um todo uma grande coerência de uma forma nunca antes feita.
Em um dos momentos de ausência de Gray, Le Corbusier decidiu deixar sua marca na casa que não podia obter, e decidiu dar um toque de “cor”, pintando vários murais na propriedade. Tal foi o choque de Gray ao vê-los que fechou a casa para sempre. Le Corbusier não conseguiu fazer com que ela vendesse e morreu nadando bem abaixo da casa de seus sonhos. Eileen demonstrou nesta obra que a pretensão não estava em seus planos. Na verdade, como ela mesma disse “A arquitetura exterior parece haver absorvido aos arquitetos avant garde aos ambientes do espaço interno. Como se uma casa devesse ser conhecia pelos prazeres da visão mais do que pelo bem-estar de seus habitantes.”.