Na busca de uma palavra para definir o canteiro de obras, talvez nenhuma satisfaça tanto quanto “tensão”. Lugar e momento em que são colocados à prova aspectos do projeto, a obra literalmente tensiona a relação entre o pensar e o fazer arquitetônico, colocando em cheque certezas do projeto que, quando contrapostas a questões técnicas, econômicas e políticas, podem perder solidez e mesmo cair por terra.
Nesse sentido, e em função das escolhas e limitações das técnicas construtivas empregadas e disponíveis, o canteiro é um lugar e momento que exige uma comunicação eficiente entre projeto e obra; flexibilidade e ponderação se tornam palavras de ordem para o arquiteto e demais profissionais envolvidos na construção. É através da obra, também, que aquilo que antes habitava a mente de apenas alguns poucos envolvidos se torna concreto e passa, enfim, a fazer parte da coleção de imagens que compõe a paisagem urbana (ou rural).
Com cada canteiro constituindo um pequeno universo particular de tensões, contradições e superações, só conseguimos mesmo imaginar a dimensão (como se fosse possível mensurá-la) da complexidade de uma cidade, pontuada por uma miríade de canteiros que, um dia, serão obras prontas que abrigarão outras tensões, contradições e superações, numa trajetória hiperbólica – embora mais ou menos cíclica – que conduz o desenvolvimento das cidades.
Visto como parte de um sistema econômico, político e social, o canteiro de obras está sujeito a pressões e forças externas. Não raro vemos ou ouvimos falar de alguma obra pública ou privada que foi embargada ou atrasada devido a alguma questão de ordem política (por exemplo, mudança de governo), econômica (até hoje a crise mundial de 2008 vem atrasando ou cancelando projetos) ou social (comunidades podem reivindicar, frente às autoridades, a alteração ou congelamento de obras).
Portanto, qualquer análise que pretenda abordar a temática do canteiro de obra como entidade isolada e destacada desses sistemas corre risco de miopia, já que, deliberadamente, escolhe ignorar forças subjacentes capazes de alterar profundamente o funcionamento do canteiro.
Todavia, observar um canteiro de obras isoladamente também pode oferecer prospectos interessantes no que diz respeito à disciplina da arquitetura. O lugar/momento do canteiro é onde se vê, com mais clareza em todo o processo de concepção, desenho e construção, a importância da organização do tempo e dos recursos. À diferença das etapas anteriores do projeto, em que os recursos envolvidos são basicamente humanos, o canteiro é onde são acrescentados massivos recursos materiais, e, com isso, o investimento financeiro envolvido se multiplica.
No canteiro, “o trabalho dos arquitetos serve de ferramenta para contrabalançar a ansiedade do cliente perante muitos fatores, ou a necessidade de conjugar prazos de construção e optimização de custos com padrões de qualidade.”[1] Numa obra, muitos interesses necessitam negociação e o papel da arquitetura desenrola-se transformando projetos imaginários em edifícios concretos.
Nesse sentido, cabe a pergunta: até que ponto as recentes transformações na indústria da construção e na organização da obra transformam a prática da arquitetura?
A retomada de estruturas de madeira para edificações em altura pode ser considerada um exemplo de “avanço” técnico que deforma os contornos da prática tradicional da arquitetura. Nesse sentido, a conclusão da torre de madeira de 53 metros de altura em Vancouver, Canadá, projetada pelo escritório Acton Ostry Architects, poderá se tornar um marco paradigmático na construção civil, ampliando o espectro de opções de sistemas estruturais para a tipologia em altura.
Podemos esperar que em um futuro próximo, as relações dentro do canteiro serão transformadas a partir de tecnologias digitais como BIM e Realidade Aumentada (A.R.). O sistema BIM traz diversas vantagens na organização, planejamento e comunicação do projeto mas ainda é pouco utilizado durante a produção dos edifícios. Com isso, pesquisadores estão trabalhando na integração deste sistema digital e sua interface com o ambiente físico.
Por sua vez, a introdução da Realidade Aumentada vem como facilitador nas trocas de informações entre os envolvidos no processo (arquitetos, clientes, construtores e especialidades), e ajuda na avaliação de erros e omissões, aprimorando assim as tomadas de decisões durante a construção. A tecnologia de ponta vem ganhando espaço em muitos ofícios e áreas do conhecimento, e o canteiro de obras não escapa ao alcance dos avanços tecnológicos.
Tensionar, ponderar e articular fazem parte da prática arquitetônica. Não apenas entre os arquitetos e arquitetas que trabalham diariamente nos canteiros de obra, mas sobretudo entre eles. Numa espécie de jogo de forças ou cabo de guerra em que objetivo não é derrubar o oponente, mas encontrar um equilíbrio, a figura do arquiteto se apresenta como mediadora de vetores, flexionando-os de acordo com as circunstâncias e com base na experiência para, ao cabo, todos os esforços resultarem no edifício.
Numa tentativa de relativizar e analisar estes aspectos que compõem o que chamamos de canteiro de obra, a Trienal de Arquitetura de Lisboa promove, como parte de suas atividades, a exposição Obra, com curadoria do arquiteto André Tavares. Partindo de casos de estudo inusitados para tratar a questão – como o arquivo profissional de Cedric Price e a estrutura empresarial de François Hennebique – a exposição pretende oferecer “leituras cruzadas sobre as problemáticas que os estaleiros [canteiros] de obra levantam”.
Evitando deliberadamente algumas regiões insólitas da física contemporânea, se atirarmos ao alto uma maçã, ela retorna ao solo. O mesmo na arquitetura: uma parede, se mal construída, rui e se desfaz em tijolos e uma estrutura de concreto, se mal calculada pode colapsar resultando em desastre. A materialidade ainda tem um peso muito grande na arquitetura (entendida como edificação), assim, permanece a questão: estaria a arquitetura, para sempre, limitada à técnica e ao canteiro?