Após a entrevista exclusiva de Alejandro Aravena realizada por AOA, apresentamos uma interessante e refinada perspectiva do professor Pablo Allard sobre a Bienal de Veneza 2016. Publicada originalmente no número 32 da Revista AOA, Allard interpreta e comprova o êxito da tese proposta por Aravena, respaldada por todos os participantes, de devolver à arquitetura seu real valor no desenvolvimento do habitar humano junto a seu compromisso político pelo bem estar das pessoas.
No final de maio foi inaugurada a esperada décima quinta Bienal de Arquitetura de Veneza. Esperada pois seu curador é nada menos que o arquiteto chileno e prêmio Pritzker 2016 Alejandro Aravena. Além da atenção pós prêmio, o interesse radicava em que sua proposta curatorial propunha uma manobra arriscada de mudar o foco da bienal desde a reflexão estética e autorreferente própria das mostras de arquitetura.
Utilizando como inspiração a fotografia da arqueóloga Maria Reiche de pé sobre uma simples escada de alumínio em meio ao deserto do Atacama - de maneira a "ampliar sua visão" e compreender as frágeis linhas de Nazca sem destrui-las ou pisá-las -, Aravena reconhece na modesta escada a prova de que "não devemos usar as dificuldades ou restrições materiais como desculpa para não fazermos bem nosso trabalho... Contra a escassez: inteligência. Para Aravena, fazer bem o trabalho na bienal consiste em abrir uma discussão a respeito daquelas práticas que, desde a "frente de combate" estão respondendo com inovação e coerência aos desafios críticos de nossa sociedade. Esses desafios Aravena propôs na chave da equação, ilustrados por um diagrama em que temas como Desigualdade, Sustentabilidade, Tráfico, Resíduos, Crime, Poluição, Comunidades, Imigração, Segregação, Desastres Naturais, Informalidade, Periferias, Habitação e Qualidade de Vida foram apresentados como satélites orbitando em torno da pergunta X=? E insistindo na ideia tão defendida por ele de que a resposta mais adequada surge ao formular a pergunta correta ou mais pertinente.
Aravena havia levantado o tema da bienal meses antes de receber o Pritzker, e uma parte importante da comoção que causou o prêmio - tradicionalmente reservado para arquitetos consagrados e de ampla trajetória -, radicou precisamente que se tratava de um jovem arquiteto, com poucas obras de envergadura e cuja busca junto a seus sócios do Elemental não havia sido centrada em criar uma arquitetura do espetáculo, de grandes massas de vidro e de alta tecnologia. A arquitetura do Elemental é o oposto, com uma linguagem formal monolítica austera, por vezes rústica, mas profundamente sensível. Aravena exigiu na sua arquitetura uma capacidade de síntese que respondesse de forma eficiente, pertinente e adequada às necessidades de seus clientes, sejam eles famílias acampamentos, comunidades em conflito com a mineração, cidades devastadas por desastres naturais, um centro universitário de inovação tecnológica ou um laboratório para curar o câncer.
Para muitos críticos, Aravena ter sido reconhecido com o Pritzker significou uma mudança de paradigma na história do prêmio. Comentavam que seria difícil encontrar uma escola de pensamento ou uma massa crítica de arquitetos assim comprometida com o devido equilíbrio entre os aspectos estéticos e os políticos ou procedimentais da arquitetura. Por isso que devemos celebrar o que aconteceu em Veneza. Aravena tomou o risco de convocar mais de 80 arquitetos e profissionais de outras disciplinas, junto aos pavilhões de 30 países a reportar deste o fronte e compartilhar o que estão fazendo nessa linha. O risco era altíssimo: por um lado a bienal poderia se encher de casas feitas com garrafas plásticas recicladas para supostas vítimas de desastres, ou perder-se em discursos retóricos a respeito às falhas e injustiças da globalização e do sistema de mercado.
Qualidade, não caridade
É central deter-se nesse ponto deter-se para entender a agenda de Aravena. Uma primeira leitura, bem superficial, poderia mal interpretar seu discurso e o trabalho de Elemental com uma reivindicação da arquitetura como uma disciplina humanitária, uma espécie de vocação pelos pobres enraizada em valores como a caridade ou a compaixão. Nada poderia estar mais longe da origem e visão de Aravena. Se assim for, obviamente, não se entenderia que o Elemental seja um do-tank com fins lucrativos no lugar de uma ONG, e que em seu portfólio convivam habitações sociais com mansões de luxo. Por outro lado, tenta-se interpretar a convocatória da Bienal como uma emancipação da arquitetura contra grandes corporações e o capitalismo global, como uma espécie de manifesto ocupa e reflete a demanda exacerbada da mimada e super estimulada Geração X, certamente a frustração e desorientação será maior. Mais uma vez, nada perto do interesse de Aravena, cujo pragmatismo ante o sentido de urgência que apresentam os desafios no fronte de batalha não tem tempo a perder em discursos teóricos ou ideologias do salão que se afastam do âmbito da arquitetura.
O fato de que a bienal e a obra de Aravena tratem de tomar distância da arquitetura humanitária ou os manifestos progressistas radicais não significa que estamos ante uma arquitetura neutra ou carente de posição política. Ao contrário, essa bienal provavelmente é a mais política de todas. Nesse jogo Aravena não é o único responsável, e seu principal aliado esteve no coração mesmo da organização: o presidente da Biennale Paolo Baratta, político italiano três vezes ministro da Economia, Trabalho e Meio Ambiente. Em seu segundo período como presidente comenta: "Não estamos interessados somente em exibir resultados concretos para sua avaliação crítica. Queremos também adentrar na fenomenologia de como esses exemplos positivos foram forjados. Em outras palavras: o que gera a demanda por arquitetura, como nossas necessidades e desejos são identificados e expressados; que são os processos lógicos, institucionais, legais, políticos e administrativos que demandam hoje à arquitetura e como eles permitem à arquitetura apresentar soluções que vão além do banal ou do auto-flagelante".
A obsessão de Aravena por validar a relevância e pertinência da arquitetura como fenômeno político surge de sua convicção de que além do aporte estético que a disciplina tem realizado nos momentos estelares da civilização, é mais importante sua sincronia com os aspectos procedimentais e fundamentais que dão forma à tomada de decisões nas mais altas esferas do público. Sua admiração pela perfeita imperfeição da arquitetura clássica não era somente por sua beleza, mas pela transcendência do discurso arquitetônico na cultura de seu tempo. O que busca em sua curadoria é precisamente isso, voltar a situar a arquitetura como parte de um fenômeno cultural na esfera do público. O mais relevante do pensamento de Aravena radica em seu convencimento do papel transformador da disciplina e a responsabilidade pública do arquiteto, sem por isso abdicar da beleza como valor fundamental. O que fica de manifesto em seu trabalho como pesquisador, teórico, docente e em sua prática profissional no Elemental.
Desde os primeiros dias de Elemental insistia que o verdadeiro compromisso social da arquitetura estava em enfrentar a desigualdade como desafio profissional e não desde a caridade: "Necessitamos qualidade profissional, não caridade profissional. Necessitamos as melhores mentes para resolver esse tipo de perguntas". E seu sentido de urgência indicava que não devemos esperar como meros espectadores que algumas autoridades liderem as grandes reformas, mas podemos influir "desde a arquitetura" melhorando as políticas públicas e, finalmente, que nossa disciplina cobrará relevância quando sua discussão se amplie das seções de cultura dos jornais aos corpos de reportagens e editoriais. Em outras palavras, que a arquitetura fosse um tema de igual relevância que a economia, a educação, a saúde e parte permanente no debate de temas de desenvolvimento social e políticas públicas. O mérito de Aravena radica na consistência desses princípios sem esquecer da busca de uma linguagem própria, pertinente e bela.
É precisamente desde a convicção no potencial da arquitetura que Aravena atreveu-se incursionar em âmbitos complexos de grandes incertezas. Assim como irrompeu primeiro no projeto de habitações sociais, reconhecendo sua total ignorância nas políticas habitacionais da época, mas disposto a enriquecê-las desde o projeto. O mesmo levou a Elemental, com muito pouca experiência em planos urbanos, a liderar o Plano de Reconstrução da Cidade de Constitución após o terremoto e tsunami de 2010. Com esse mesmo espírito Alejandro assumiu essa Bienal.
Arquitetura “legal” e qualidade de vida
Consultado a respeito da enorme responsabilidade de ser curador do maior evento de arquitetura global sem ter experiência em bienais, sua resposta foi categórica: "Estou seguro de que fazendo uso de minha total ignorância serei capaz de pensar mais simples, às vezes aparentemente com perguntas 'estúpidas' , que esse fato por si só pode penetrar até a raiz do problema. Esta é a liberdade de poder aproximar-se ao problema com uma mente despojada, e portanto, aberta, e um olhar claro e puro que não tenha sido filtrado por pré-julgamentos ou preconceitos ... Ser de certa forma um outsider me permitiu interpretar esta honra e meu envolvimento com a Bienal como uma oportunidade para desfrutar de uma gama mais ampla de liberdade de pensamento e ação, uma vantagem que eu espero fazer aparente na seleção que fiz".
Essa convergência entre pertinência, liberdade e ignorância, a capacidade de resposta por parte dos expositores ao chamado de Aravena pode considerar-se um golpe à cátedra não somente pela qualidade e diversidade de participantes, mas também porque pela primeira vez na história do encontro, o primeiro ministro italiano Matteo Renzi solicitou dar o discurso de fechamento na cerimônia de premiação, comprometendo repassar 500 milhões de euros para a pesquisa e busca de soluções arquitetônicas para as periferias urbanas.
Nesse contexto a diversidade, amplitude e profundidade das propostas dos participantes é avassaladora. É assim que poderíamos separar as mostras dos convocados em quatro grupos:
O primeiro é o de quem opera desde a arquitetura para enfrentar situações complexas para outras disciplinas. Tal é o caso da "arquitetura legal" de Eyal Weizman, que utiliza a análise espacial e estrutural para comprovar crimes de guerra contra civis no Oriente Médio. A arquitetura aqui emerge como evidência em cenários de conflito, e o espaço é projetado como testemunho a favor da dignidade humana. Na mesma linha destaca-se o trabalho do historiador e arqueólogo Robert Jan Van Pelt, como testemunho no juízo dos que negaram o holocausto em Auschwitz. Ante a destruição de toda evidência impressa ou planimétrica por parte dos nazistas, Van Pelt teve que realizar um projeto de projeto arquitetônico em reverso, ou seja, desde o levantamento das ruínas para entender seu desenho, decifrar os detalhes formais e construtivos que delataram a função original das câmaras de gases. Em ambos os casos a arquitetura põe-se, dramaticamente, a serviço da justiça ante crimes de lesa humanidade.
O segundo grupo, e mais numeroso, é o daquelas entidades ou escritórios que operam em frente ao público, ou tratam de enfrentar desde a arquitetura as demandas de maior equidade ou qualidade de vida. Nessa linha destaca-se a Empresa Pública de Medellín, as mesmas dos teleféricos e bibliotecas e que agora exibem com orgulho seu plano de reconversão do entorno dos tanques de água em parques para as comunidades periféricas. Na frente de reciclar ou revitalizar infraestruturas em desuso, cobra também relevância a obra de Andrew Makin e Design Workshop em um mercado popular vibrante e ativo, que não só potencializa a economia informal do bairro, mas também reverte as condições de insegurança e violência reinantes.
Outra frente que comove esse grupo é o estudo das cidades efêmeras apresentado por Rahul Mehrotra e o chileno Felipe Vera, que estudaram o fenômeno da cidade instantânea de Kumbh Mela, onde a cada 12 anos mais de sete milhões de peregrinos instalam-se nas margens do Ganges articulando um assentamento temporário com todas as condições de infraestrutura, segurança, saneamento e funcionais baseadas em um sofisticado modelo de gestão e técnicas construtivas baseadas em simples bambus e lonas. Assim revelam e tiram lições para orientar o trabalho em acampamentos de emergência em outras localidades. Nessa linha, ainda que muitas das propostas tenham tentado dar conta do problema dos refugiados e migrantes, lamentavelmente a contingência e o discurso politicamente correto debilitou a potência e aporte de grande parte daqueles que tentaram reportar desse fronte.
Menção especial tem o trabalho de Kunlé Adeyemi e seu escritório NLE, na Nigéria, que apresentou uma reprodução em escala real da escola flutuante para crianças do acampamento Makoko em Lagos, localizada em uma zona úmida onde a água torna-se apoio e não em ameaça para esta infraestrutura temporária. O aspecto mais dramático da proposta é a controvérsia que surgiu alguns dias após o início da bienal, quando a escola original em Lagos entrou em colapso por falta de manutenção e negligência das autoridades, destacando o contexto de precariedade e risco que se trabalha com esta arquitetura. Neste grupo vale a pena comentar sobre o trabalho do chileno Elton Léniz para a fundação educacional Caserta. Sua montagem, finamente projetado em conjunto com Gonzalo Puga, consegue mergulhar os visitantes na experiência da paisagem que dá vida ao trabalho da fundação, que busca resgatar crianças vulneráveis em contextos urbanos e expô-los de forma segura com a natureza e paisagem da cordilheira como uma experiência de alívio e fuga da violência que vivem diariamente, protegido por uma série de sombreadores, salas de aulas abertas e instalações sutilmente concebidas de modo a pôr em relevância a paisagem e torná-la parte do processo de educação e cura das crianças.
Explorações tectônicas e beleza pertinente
O terceiro grupo de convidados poderia ser denominado como os de cuja exploração tectônica leva à forma os limites de sua condição material. Aquela arquitetura que, como as pirâmides, "...é a máquina de sua própria construção. O plano inclinado", parafraseando Paulo Mendes da Rocha, premiado nessa Bienal com o Leão de Ouro por sua trajetória. A abordagem tem várias leituras na mostra, partindo da instalação da própria equipe do Elemental no Saguão da Corderie e o pavilhão principal do Giardini, onde como modo de denúncia, mas também reivindicação da vida útil do material, reciclam as chapas de gesso acartonado e os perfis de aço que viram da demolição da Bienal de Arte do ano anterior, dispondo-os como um novo revestimento e forro e gerando um ambiente de recolhimento que imprime um certo tom de solenidade e peso ao iniciar o trajeto. A síntese do uso dos materiais bordeia também o sublime nas "paisagens de luz" de Transsolar, onde uma série de furos e espelhos "constroem" o espaço tangibilizando feixes de luz em contraste dialético com a escuridão e colunata infinito do Corderie.
A uma escala mais doméstica e humilde, mas não menos importante, o Grupo Talca, composto por Rodrigo Sheward e Martín del Solar, expõe em escala real sua plataforma de observação desenvolvida para a reserva Pinohuacho em Villarrica. Neste caso, a rusticidade do material - troncos roliços feitos de resíduos da floresta -, a escassez de recursos e o isolamento fundem-se com o artesanato e a capacidade local para desenvolver um pequeno pavilhão que não só tem a potência de marcar e por em relevância a paisagem dos vulcões do sul, mas que, inclusive, transportar e deslocar em um lugar tão oposto como as lagunas de Veneza é capaz de manter seu significado e relevância. Entre os representantes chilenos que também exploraram essa vertente tectônica destaca-se o trabalho da paisagista Teresa Moller, quem logo descobrir os resíduos de uma pedreira de travertino no deserto de Atacama, decide dar nova vida e mover-se para Veneza para fundir-se com o excesso de mármore e pedras nobres, organizando-as como bancos, mesas ou simplesmente espaçadores em espaços públicos, chamando a atenção para pouco cuidado que damos nobreza no Chile para o nosso ambiente urbano e perdeu por considerar o assunto como oportunidades de resíduos.
Outros exemplos notáveis de explorações tectônicas podem ser vistas na pesquisa aplicada do Block Research Group junto a John Ochsendorf. Apoiados pela capacidade tecnológica do MIT e da ETH de Zurique, engenharia e software de última geração e sistemas de pré-fabricação robótica tem conseguido desenvolver estruturas autoportantes monomateriais que funcionam somente à compressão, cobrem grandes vãos e minimizam os custos e tempos de construção. Em outras palavras, utilizam a mais avançada tecnologia para fazer que os materiais trabalhem ao máximo de sua elementaridade e simplicidade. O mesmo grupo colabora com a exposição de Sir Norman Foster, talvez um dos consagrados que melhor leu o convite de Aravena. No caso de Foster e sua fundação, trata-se do uso do ladrilho comum mas seguindo um projeto de parabolóides hiperbólicos de fácil construção e que permitem gerar abóbadas de grande resistência e baixo custo. As abóbadas formaram parte de uma estratégia regional de aeroportos para drones para serem implantados nas aldeias africanas mais remotas. A tese de Foster é que ante a carência de infraestrutura de caminhos e conectividade, o único atalho para que essas localidades isoladas tenham acesso a medicamentos urgentes ou pequenas peças de reposição será por meio de um sistema de correio baseado nos drones. Cada povoado contará com seu aeroporto de drones, uma infraestrutura básica para receber, descarregar e proteger esses mecanismos. Durante o resto do ano, o "droneporto" abrigará feiras, mercados e outras atividades da comunidade.
Se Foster recorreu ao ladrilho como elemento fundamental, sem dúvidas não esperava encontrar-se com o delírio virtuoso de Solano Benítez e seu Gabinete de Arquitectura, que desde Paraguai vem desafiando os limites da geometria e a engenharia estrutural, seguindo a tradição de Dieste, mas recuperando o rigor da mão de obra artesanal. Solano surpreende as audiências com uma nave monumental construída no salão central do pavilhão principal, feita em base de um filigrana de ladrilhos e aço estressados ao ponto que muitos duvidam que não colapse até o final da bienal. Sua aposta é tão arriscada como bela, ainda mais quando em suas costas se expõe o processo de projeto e até a concretagem com que se articulou. Esse equilíbrio entre loucura, arrojo e confiança na matéria levada ao máximo de suas capacidades com os mínimos recursos é o que valeu o Leão de Ouro a essa instalação.
O quarto e último grupo é aquele que respondeu desde a pertinência da beleza como o trabalho exaustivo de levantamento e representação de edifícios e entornos clássicos de Renato Rizzi, o quarto escuro de Aires Mateus, os frágeis viadutos de Carrilho da Graça ou a arquitetura insular de Paulo David, os três últimos portugueses herdeiros da escola de Siza. Este grupo é fechado com grande elegância os modelos de barro que expressam a arquitetura monolítica de Cecilia Puga, o labirinto circular de Pezo+Von Ellrichshausen - traído pela precariedade material do seu faturamento e trabalho incrível e encenação da austríaca Marte.Marte.
Pavilhões nacionais
Quanto aos pavilhões nacionais minha leitura é mais superficial, em parte pelo excesso de informação e a negativa de vários países de aceitar o desafio. Alguns, como os Países Baixos ou a Finlândia, fazendo uso politicamente correto do problema dos refugiados e imigrantes. Outros simplesmentes mostraram qualquer coisa, como a Argentina. Nesse contexto, o Leão de Ouro da Espanha com a exposição "Unfinished", acusando as ruínas da arquitetura de excessos do boom econômico e posterior crise, e como desde a precariedade da recuperação emergem novas práticas mais conscientes e responsáveis da realidade social e econômica da península. Também impacta o Pavilhão Peruano, curado por Barclay e Crousse, que de forma elegante e estremecedora denuncia a precariedade do sistema educacional na Amazônia e propõe uma estratégia de recuperação desde a arquitetura.
Finalmente, a presença chilena é destacada com honra no sofisticado trabalho curatorial de David Basulto para o pavilhão dos países nórdicos, onde no lugar de expor projetos, expressa-se a potência do edifício de Sverre Fehn contrastando-a com uma instalação sobre a psique de arquitetos e sociedade escandinava.
O Pavilhão Chileno - de Juan Roman e José Luis Uribe (+ equipe) - embora atinja dignamente compilar o notável trabalho da escola de Talca, cujo programa educacional em si é apropriado para a chamada da bienal, não avança em apresentar nova desafios, o que se evidencia ao localizar-se justamente frente ao trabalho de seus ex alunos Sheward e Del Solar. Apesar do exposto, é um conjunto elegante e sóbrio, o que reforça a robustez da presença nacional e do trabalho do Comissário Christopher Palma, Leão de Prata na bienal anterior.
Complementam uma série de exposições e eventos paralelos, onde destaca-se a Biennale Sessions, instância onde estudantes de mais de quarenta universidades participaram da mostra oficial com workshops, instalações e palestras. As universidades chilenas mobilizaram em massa, com mais de uma centena de estudantes da PUC, cinquenta da UDD e de outras escolas nacionais que se juntaram no evento.
Em suma, a bienal congrega uma série de iniciativas e projetos que comprovam a a tese de Aravena: devolver à arquitetura sua relevância e demonstrar que é a mais política de todas as profissões, em termos de valor e impacto público, sempre e quando se associe o discurso com a obra. O triunfo de Aravena em Veneza não é só confirmar esta tese. Seu triunfo, e de todos nós, é que esta bienal mostre que não estamos sozinhos e que existe um universo de arquitetos, profissionais, políticos e estudantes empenhados em continuar a relatar a partir da frente.
(*) Paul Allard é decano da Faculdade de Arquitetura e Arte da Universidade de Desenvolvimento em Santiago e Concepción. Arquiteto e magistério em Arquitetura na PUC (1997), Mestrado em Arquitetura em Urban Design (1999) e Doutor em Estudos de Projeto (2003) pela Universidade de Harvard. Foi membro fundador do "Do Tank" Elemental, e participou no processo de reconstrução pós-terremoto de 2010, como coordenador nacional de reconstrução urbana do Minvu. Junto com seu trabalho acadêmico e profissional, é colunista do jornal La Tercera e diretor do Conselho de Políticas de Infaestrutura CPI. Entre outros cargos públicos, foi diretor do Conselho Nacional da Cultura e das Artes CNCA.
Agradecemos ao Comitê Editorial AOA, Carlos Alberto Urzúa, Yves Besançon, Francisca Pulido e Tomás Swett, por compartilhar este artigo conosco, uma importante reflexão do que foi a Bienal de Veneza 2016.