A cidade como sala de aula / Helena Napoleon Degreas, Adriana Valli Mendonça, Cidomar Biancardi Filho e Lilian Regina Machado de Oliveira

Com o objetivo de formar cidadãos e futuros profissionais autônomos e participativos nos processos de produção de nossas cidades, laboratórios experimentais e escritórios-modelo vem acolhendo práticas pedagógicas experimentais que tornam o aprendizado mais significativo para os alunos ao propor a valorização da prática e da experimentação. É nesse contexto que surge o projeto acadêmico “Arte à Vista: um presente dos alunos do Instituto de Cegos Padre Chico e do FIAM-FAAM para a cidade!

Utilizando como ponto de partida do processo ensino-aprendizagem o ABP – Aprendizagem Baseada em Projetos, professores e alunos de diversos cursos foram convidados a participar da proposta de trabalho que consistia em colaborar na criação de um ambiente urbano em homenagem à Sra. Dorina Nowill. O bairro em que se realizou o trabalho é a Vila Mariana, cidade de São Paulo, local onde encontram-se diversos serviços de saúde, clínicas, hospitais e ONGs especializadas no atendimento de pessoas com deficiências funcionais distintas. Dentre elas, encontra-se a Fundação Dorina Nowill, referência mundial no atendimento e orientação de pessoas cegas e com baixa visão.

Por se tratar de prática pedagógica complexa que envolve ações na cidade, os professores vincularam às técnicas do ABP, processos de planejamento, projeto e construção de espaços públicos de forma coletiva e colaborativa inspirado nos conceitos Placemaking e Urbanismo tático. Os objetivos pedagógicos da ação pretendem estimular o trabalho em equipes multiprofissionais (e com ela a vontade de explorar novos territórios de conhecimento), a colaboração, a criatividade, a busca por soluções inovadoras e o “fazer” como experiência transformadora.

 Desafio proposto: criar um “lugar” urbano a partir das necessidades dos usuários da região (moradores, alunos e visitantes) e, ao mesmo tempo, homenagear Dorina Nowill colaborando na indicação de seu nome para uma praça ainda sem designação em frente à escola.

 As ações propostas para resolver o desafio:

  • Redigir a proposta de trabalho, definir os objetivos, as ações, os envolvidos, as etapas de trabalho, os meios e o cronograma.

 Foram selecionadas algumas das principais etapas percorridas entre os meses de setembro e outubro de 2016 por todos os envolvidos no projeto e que ilustram parte da trajetória que gerou o resultado apresentado.

 As etapas:

Os desenhos elaborados pelos alunos do IPC foram desenvolvidos nas disciplinas de Artes e foram realizados com materiais que permitiram resultados em alto-relevo, condição essa fundamental para a execução das placas cerâmicas em baixo-relevo. . Image © Lilian Regina Machado de Oliveira

  • Elaboração da arte tátil: Alunos do curso fundamental do Instituto Padre Chico - Colégio Vicentino Padre Chico utilizaram as aulas de Educação Artística para criar desenhos tridimensionais inspirados pelas Paralimpíadas que ocorreram no Rio de Janeiro em 2016. Com tampinhas de garrafa e palitos de sorvete, as crianças e adolescentes que todos os anos produziram mais de uma centena de desenhos em alto relevo com o tema proposto sabendo que o material faria parte de um painel gráfico.
  • Preparo das cerâmicas: No ritmo de uma maratona, dezenas de alunos universitários prepararam a argila – amassaram e formataram em moldes de 15cm x 15cm para receber e estampar a arte das crianças do IPC, agora, em baixo relevo.
  • A queima: cerca de duas centenas de placas cerâmicas foram enviadas para queima nas oficinas da universidade. Embaladas uma a uma, todas foram reencaminhadas para o local onde seriam fixadas pelos alunos.
  • A fixação das cerâmicas no muro: tanto o período de chuvas quanto o conhecimento das técnicas de colocação de azulejos, não foram previstos no projeto. Para resolver os problemas, os alunos improvisaram uma oficina de azulejaria com colaboradores externos à instituição. Um azulejista foi contatado para colaborar na orientação da fixação e problema foi resolvido com a colocação das plaquinhas no muro. Quanto às chuvas... os alunos aguardaram os períodos de estiagem para dar andamento aos trabalhos.
  • Arte Gráfica: a criação do projeto do mural pelos professores e alunos do curso de Design Gráfico que cobriu as empenas cegas dos muros do campus foi elaborada incorporando as plaquinhas com a arte das crianças do IPC.

Espaço de Estar Urbano – inspirando-se nos princípios de ação do DIY & tactical urbanism, foi organizada a “Sala na Cidade” – proposta que pretende disseminar a criação de lounges urbanos espalhados pela cidade, ou ainda, lugares de estar públicos construídos em sobras de sistemas viários. Para resolver o problema da aglomeração na entrada e saída da faculdade, foi desenvolvido o layout de um ambiente leve e descontraído para acolher não só os moradores da região bem como os alunos redirecionando-os para uma sala de estar localizada numa área ao lado e que apresentava as dimensões adequadas para acolher a todos com mais conforto e segurança. Por se tratar de intervenção DIY, o processo durou cerca de 4 horas para a instalação. A sala recebeu mesas, bancos em concreto, vasos e tapetes pintados no chão. Tintas, cerâmicas, concreto e alegria contagiante impactaram positivamente o lugar antes inexpressivo. Durante o processo de construção do local, a vizinhança observava curiosamente, as ações. Plantando flores nos vasos espalhados nas calçadas ou sentando-se nos bancos recém instalados, moradores dos prédios vizinhos começaram a utilizar a sala de estar e a observar a arte dos muros como algo aconchegante e familiar.

Diante do imprevisto – os alunos não haviam previsto a fixação das cerâmicas no muro, professores e técnicos (azulejistas) foram acionados. Em aula prática, alunos aprenderam e solucionaram o problema.. Image © Lilian Regina Machado de Oliveira

A utilização de recursos advindos do ABP e a possibilidade de ação direta na realizada vivida pelos alunos por meio do urbanismo tático fornecem um contexto real para o aprendizado, pois as situações apresentadas geram uma “necessidade real de saber”, ou ainda, tem a “relevância necessária”, motivando-os a gerar as soluções com o objetivo de atender a demanda ou ainda resolver a situação-problema apresentada. Como os projetos são “abertos”, os alunos devem fazer escolhas, encontrar soluções, explicá-las de forma personalizada. Associado ao ABP, foram adotados instrumentos de avaliação local inspirados nos conceitos de Placemaking e Tatctical Urbanism com o objetivo de compreender o perfil do futuro usuário, seus desejos e intervenção local em curto espaço de tempo. Os instrumentos aplicados foram entrevistas abertas, questionários, painéis interativos, medições físicas e medições comportamentais (contagens que avaliam as atividades do local ao logo do dia -manhã, tarde e noite por meio do mapeamento de fluxos e permanências) além da análise dos sete critérios desenvolvidos pela equipe do arquiteto Jan Gehl e Active Design Guidelines ( orientados pela ONG Cidade Ativa),  a saber: segurança, proteção, acessibilidade, diversidade/versatilidade, atratividade, conectividade, resiliência e sustentabilidade.

‘Para compor o projeto gráfico, alunos e professores utilizaram a palicação do stêncil para conseguir os efeitos desejados. ’. Image © Lilian Regina Machado de Oliveira

Para a construção real dos projetos, é necessária a realização de planejamento de ações a curto e médio prazo com estratégias de transformação de ambientes urbanos rápidas e de baixo custo, materializando ideias para estimular o exercício de uma cidadania ativa que gere impacto positivo na qualidade de vida das pessoas. Por se tratar de metodologia pedagógica que avalia o processo de criação e solução de problemas de alunos, é possível desenvolver ações transformadoras com diversos atores sociais para além do campus universitário, intervindo por meio de ações concretas, na solução dos desafios cotidianos de nossas grandes cidades.

Todas as atividades descritas envolvem habilidades elevadas de raciocínio que requerem o domínio de tecnologia e desenvolvimento de pensamento crítico. A abordagem de temas complexos para a resolução de problemas em comunidades locais, demanda pensamentos inovadores e, para tanto, os cursos superiores precisam desenvolver habilidades profissionais para o exercício do trabalho colaborativo, para a administração de diversas fontes de informação, disciplinas, recursos disponíveis, como tempo e materiais, competências e estratégias nos campos de atuação pessoal, emocional, profissional, social e técnica.

A aplicação dos desenhos no chão levou os alunos participantes a solucionar as questões de adequação da geometria original prevista à colocação nada usual dos bancos e floreiras para atender ás irregularidades dos pisos existentes. Mais uma vez, a flexibilidade dos alunos diante das dificuldades que a realidade criou foi testada. A solução adotada foi consenso e os resultados agradaram a todos os envolvidos. . Image © Lilian Regina Machado de Oliveira

A realização dos trabalhos só foi possível graças ao trabalho de inúmeras pessoas, instituições e empresas que colaboraram ativamente na execução das diversas etapas do projeto. São elas: Instituto Padre Chico - Colégio Vicentino Padre Chico, Fundação Dorina Nowill para Cegos, Sub-prefeitura Vila Mariana, Lukscolor e moradores da região. Além de todos os alunos e professores dos cursos de Design de Interiores, Design, Design Gráfico, Fotografia, Arquitetura e Urbanismo.

A sala da cidade finalizada com o uso previsto para o local.’. Image © Lilian Regina Machado de Oliveira

Referências

Alfredo Brillembourg e Hubert Klumpner. A evolução do urbanismo radical: O que o futuro reserva para nossas cidades? Traduzido por Gabriel Pedrotti. [link]
Constanza Martínez Gaete. 5 conselhos de desenho urbano, por Jan Gehl. Traduzido por Julia Brant. Setembro de 2016.[link]
John Larmer e John Mergendoller. Why We Changed Our Model of the “8 Essential Elements of PBL”. Buck Institute for Education, May 2015> [link]
NYC Department of Design and Construction. Active Design Guidelines. [link]
Paula Tanscheit. Conexões entre pessoas e lugares podem ser a chave para a segurança dos espaços públicos. Setembro de 2016. [link]

Helena Napoleon Degreas é professora titular do Programa de Mestrado Profissional em Projeto, Produção e Gestão do Espaço Urbano pelo FIAM-FAAM Centro Universitário, pesquisadora e escreve sobre arquitetura da paisagem.
Adriana Valli Mendonça é arquiteta e urbanista, doutoranda pelo PPGDesign UAM e coordena os cursos de Design de Interiores e Fotografia do FIAMFAAM Centro Universitário.
Cidomar Biancardi Filho é arquiteto pela UFPR, Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Mackenzie e Doutorando pelo PPGDesign UAM. Docente de Graduação e Pós-Graduação do FIAMFAAM Centro Universitário, nos cursos de Arquitetura e Urbanismo e Design de Interiores.
Lilian Regina Machado de Oliveira é arquiteta, mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Mackenzie. É docente em cursos de graduação e pós-graduação em Arquitetura e de Design de Interiores no IED - Instituto Europeo di Design e no FIAM-FAAM, onde coordena o DLab! – Laboratório de criatividade inovação e design.

Sobre este autor
Cita: Helena Napoleon Degreas, Adriana Valli Mendonça, Cidomar Biancardi Filho e Lilian Regina Machado de Oliveira. "A cidade como sala de aula / Helena Napoleon Degreas, Adriana Valli Mendonça, Cidomar Biancardi Filho e Lilian Regina Machado de Oliveira" 27 Dez 2016. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/802181/a-cidade-como-sala-de-aula-helena-napoleon-degreas-adriana-valli-mendonca-cidomar-biancardi-filho-e-lilian-regina-machado-de-oliveira> ISSN 0719-8906

¡Você seguiu sua primeira conta!

Você sabia?

Agora você receberá atualizações das contas que você segue! Siga seus autores, escritórios, usuários favoritos e personalize seu stream.