O retorno a questões fundamentais da urbanização, como a recuperação de espaços públicos, é uma tendência em várias capitais do mundo. Um dos eixos da Nova Agenda Urbana se centra no planejamento e desenho das cidades, dando voz a seus cidadãos e defendendo um enfoque holístico que promova a diversidade e coesão social.
Centros de turismo mundial voltaram a se reinventar em 2016. Em Paris, a prefeitura tomou a ousada decisão de banir a circulação de carros em várias ruas ao longo do rio Sena e dedicá-las exclusivamente aos pedestres. Em Barcelona, nasceram as “Supermanzanas”, um núcleo urbanístico com restrições de trânsito em nove quarteirões para privilegiar a convivência social e o resgate de espaços públicos.
Objeto de polêmica, essas medidas não buscam restringir direitos dos cidadãos. Pelo contrário, essencialmente pretende devolvê-los o acesso a ambientes mais saudáveis, seguros, culturalmente diversos e socialmente democráticos.
Estes exemplos ilustram princípios defendidos pela Nova Agenda Urbana, adotada em outubro por líderes mundiais como alicerce para alcançar cidades mais compactas, integradas e socialmente inclusivas. Trocar ideias, transferir conhecimento e propagar boas práticas urbanas são fórmulas para inspirar gestores e cidadãos para que conheçam experiências positivas que diminuam impactos ambientais, gerem conectividade e tragam benefícios para a saúde, economia e coesão social. Apenas em Barcelona, 3.500 pessoas morrem ao ano por doenças derivadas pela poluição, segundo dados da prefeitura. Uma cifra que o projeto dos superquarteirões deseja reduzir.
Neste sentido, o Programa da ONU para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) lançou em novembro uma Chamada Pública para identificar práticas inspiradoras na América Latina e o Caribe. Por meio de um questionário disponível até 16 de dezembro, organizações, municípios e cidadãos podem destacar intervenções urbanas que seguiram os princípios da Nova Agenda Urbana e produziram, como fruto, resultados positivos para suas cidades. Quatro projetos serão selecionados e, posteriormente, sistematizados como estudos de caso para servir como referência para a região.
Relação simbiótica para cidades sustentáveis
O diretor executivo do Programa da ONU para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), Joan Clos, argumenta que uma cidade sustentável deve encontrar uma relação simbiótica entre espaços privados e públicos. Este equilíbrio permite a desobstrução dos centros urbanos, acarretando em melhoras em todos os setores – desde a mobilidade ao estímulo a novos financiamentos.
ONU-Habitat considera que uma cidade bem planejada deve ter 50% de área construída e 50% de espaços públicos e áreas verdes. Uma equação quase sempre ignorada, segundo o diretor da agência.
“Há uma séria de razões para isso, como a falta de recursos, a compreensão ou a capacidade de usar as possibilidades do espaço público como um sistema urbano completo e multifuncional”, descreve Joan Clos no preâmbulo da publicação “Kit de Ferramentas do Espaço Público: Dos Princípios locais a Políticas Locais e Práticas”.
Na região da América Latina, Quito é um dos melhores exemplos dessa transformação. Patrimônio da Humanidade desde 1979, o centro histórico da capital equatoriana recuperou o seu valor histórico após a execução de um projeto multissetorial. Assentamentos precários e abandonados deram lugar a habitações sociais e serviços básicos trouxeram melhorias em saúde e segurança. Na esfera econômica, esta operação possibilitou a formalização do emprego local, a diminuição de congestionamentos e a conversão desse espaço em atração turística.
Não por acaso Quito foi nomeada cidade-sede da Conferência sobre Moradia e Desenvolvimento Sustentável, a Habitat III, que aconteceu em outubro deste ano. Organizada pelo ONU-Habitat, o encontro de líderes mundiais culminou na aprovação da Nova Agenda Urbana. Em resumo, o documento propõe a volta ao básico, com uma abordagem simples e integrada que promove três vértices correlacionados: a criação e respeito de uma legislação urbana, a concepção cuidadosa do planejamento e desenho das cidades e elaboração de um plano de financiamento que assegure os recursos necessários para promover esta modernização. “Não há urbanização adequada se não seguimos esses três enfoques”, enfatiza o diretor executivo de ONU-Habitat.
A nova agenda está intrinsecamente relacionada aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e serve como uma ampliação do objetivo número 11, que visa a tornar cidades e assentamentos humanos mais inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. Seus princípios também estão vinculados ao Acordo de Paris, propondo transformar os centros urbanos em exemplos na redução de gases poluentes e soluções de mitigação das mudanças climáticas.
Prevista para acontecer a cada 20 anos, esta Conferência marca um ponto decisivo na evolução das cidades. Em três décadas, cerca de 70% da população mundial viverá em centros urbanos. “Nossa luta pela sustentabilidade global será vencida ou perdida nas cidades”, repete o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, como um mantra desde a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20 realizada em 2012, onde líderes mundiais teceram os novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Por sorte, as boas práticas de recuperação de espaços públicos ecoam pelos centros urbanos dos países da América Latina. Buenos Aires hoje é uma das melhores cidades do mundo para ciclistas. Em pouco mais de três anos, a capital argentina incorporou 140 quilômetros de ciclovias, mostrando que “com a vontade política e investimentos corretos uma grande cidade pode transformar-se para o novo milênio”, descreveu a Copenhagenize Index 2015, organização responsável por esta seleção.
Impulsionada pelos Jogos Olímpicos, Rio de Janeiro também renasceu após anos de obras e mostrou uma nova face revitalizada. A modernização das áreas do porto, criação de parques, ampliação da ciclovia e incorporação de novas modalidades de transporte integraram ainda mais a cidade, promovendo áreas de lazer, cultura, coesão social e proporcionando economia de tempo e dinheiro para milhares de cariocas.
Motor de crescimento urbano
Antigo prefeito de Barcelona, Clos defende a teoria que a urbanização é um motor de crescimento econômico. Ele explica que o desenvolvimento espontâneo que aconteceu nas últimas décadas, principalmente em países emergentes, resultou em cidades congestionadas, poluentes e pouco agradáveis, onde a carência de elementos da boa urbanização não permitem que os cidadão realmente desfrutem de onde vivem.
“É especialmente importante prestar atenção ao desenho desde cedo porque, caso contrário, é muito difícil aplicá-lo quando a cidade já está estabelecida. Questões sociais e políticas emergem e se transformam em um processo complexo e caro”, destacou Clos em “Construindo Cidades Melhores”.
Por outro lado, investimentos em cidades bem planejadas trazem retornos financeiros em forma de tributos, geração de empregos e valorização de áreas urbanas. Para ele, a matemática é simples: uma boa urbanização paga o seu próprio custo ao gerar um círculo virtuoso de melhorias e novos investimentos. Uma fórmula básica para equilibrar o rumo das cidades para um futuro mais próspero e sustentável.
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