Jacques Derrida, o filósofo que mais teorizou a desconstrução, repetia que não havia uma definição de tal coisa e que se tratava de um método de dissecar as estruturas mais ou menos escondidas para lhes tomar o pulso e perceber que coisas transportavam com elas. Não se trata portanto de um anti-estruturalismo porque a desconstrução é uma atitude bastante estruturada; trata-se de um exercício de decomposição para perceber se quando nos põe pela frente coisas “estruturais” e sistemas rígidos de compreensão opondo isto àquilo, razão e emoção, realidade e ficção e coisas assim, não nos estarão a doutrinar com uma qualquer visão do mundo a partir da qual as coisas serão tidas como normais ou anormais, bonitas ou feias, muito ou pouco importantes e assuntos do género. Na cultura dita ocidental tendemos a pensar e a argumentar usando oposições binárias. Assim, o preto não seria branco, a causa não seria efeito e o masculino não seria feminino. Sem se dar por isso, muitas dessas oposições contêm hierarquias, distinções entre o positivo e o negativo, veiculando juízos de valor moral ou estético. A desconstrução é a melhor medicina para ruminar tais polaridades encardidas.
Como estamos muito calcinados com racionalidades duvidosas, com os amanhãs que cantam e não cantam e com os esquematismos simplistas que pretendendo explicar não explicam nada, acabamos por ficar cépticos, desconfiados e perguntadeiros.
A desconstrução, dizia Derrida, é Plus d’une langue, expressão que quer dizer apenas que uma língua não basta, que nunca é suficiente para abarcar a diferença e a liberdade, como qualquer discurso por si só é sempre redutor enquanto verbalização de uma questão. Uma só língua ou uma só cultura falham quando tentam dizer toda a verdade sobre o que entendem. A desconstrução é contra todo o totalitarismo; é a abertura para a alteridade.
Chegamos então à arquitectura. A forma e a plástica do modernismo tinham inventado o funcionalismo (a forma segue a função, como dizia Sullivan e outros depois dele repetiram até à exaustão inventando formas e funções), a racionalidade e também a liberdade face às formas que vinham do passado; as tecnologias, os materiais e o conhecimento tecno-científico informavam este pensamento racionalista. A deformação, a instabilidade, a deslocação, as combinações inesperadas do desconstrutivismo na arquitectura, rompem, quer com o modernismo, quer com o que lhe precedeu. Como se dizia nos folhetos da exposição do MOMA – Deconstructivist Architecture, 1988 -, os desconstrutivistas partem das contradições e das imperfeições do mundo, do sentimento de mal-estar, da crítica das virtudes forçadas da harmonia, da unidade ou da clareza, apostando na desarmonia, no distúrbio, na fractura e no enigma. Um desassossego.
Temos então um edifício que visto daqui se desenvolve a partir de um paralelepípedo rectângulo pintado de cinza escuro. No jogo de colisão de formas geométricas, destaca-se uma escada exterior em hélice que ocupa o centro entre dois corpos laterais salientes de uma das faces maiores do prédio; um deles é uma caixa envidraçada que avança e roda ligeiramente em relação ao angulo do paralelepípedo; o outro, é construído em alvenaria e pintado de uma cor neutra com as janelas muito próximas das esquinas. No andar superior, desprende-se uma platibanda saliente com uma colunata que também se destaca do corpo principal do edifício e reforça a torção da caixa envidraçada. A entrada principal é lateral. Em termos funcionais, parece existir uma loja com grande área de exposição, uma fábrica/oficina de produção de móveis e uma casa (ou duas) no último piso.
Penso, logo exausto, como diria René Descartes que não era desconstrutivista, nem nunca andou por aqui a comprar móveis e a pregar o discurso do método.