Menos é mais / Álvaro Domingues

Ludwig Mies van der Rohe (1886 -1969) o conhecido arquitecto, autor, entre muitos outros, do Edifício Seagram em Nova York, usou e divulgou a frase “o menos é mais” para se referir a uma certa linguagem de clareza e depuração, de quase ausência ornamental, traduzida nas formas geométricas elementares, mas também de sofisticação e cosmopolitismo próprios dos seus edifícios de aço e vidro.

Na arquitectura como noutras artes, o minimalismo conseguia, assim, um conjunto de virtudes estéticas e éticas, aliando a simplicidade ao despojamento, a sobriedade ou a austeridade, contra o rebuscado, o floreado, o desperdício e o excesso. Mobilizando apenas o estritamente necessário, a clareza estrutural e formal do minimalismo seriam significado de eficiência e de equilíbrio – a justa medida plasmada num regime estético aparentemente claro (para uns, completamente opaco e pretensioso, para outros).

Algum tempo antes, em 1896, Luis Sullivan afirmaria que a forma segue a função, exprimindo de forma clara e concisa um princípio utilitarista da arquitectura moderna bastante consonante com a disciplina minimal no combate a certos efeitos formalistas então em voga no eclectismo do estilo beaux-arts. Essa estética parisiense privilegiava uma certa hierarquia e composição do edifício: a simetria, a profusão de colunas, arcos, balaustradas, frontões e estatuária de feição classicizante, ou o destaque dos espaços nobres da entrada e das escadarias. A forma segue a função é uma poção mágica para condenar qualquer excesso de formas e feitios e algo de tão aparentemente claro e universal que tanto dá para se aplicar a um avião como a um dispositivo para tirar macacos do nariz, por exemplo.

Sobre este hemisfério de pedra construiu alguém uma casa e um canastro, partindo e talhando o granito aí existente para que a obra se fizesse. Nem menos, nem mais que o necessário, robustas paredes e janelas escassas, o lajedo para secar o grão e malhar, o espigueiro para guardar o milho e protege-lo dos ratos e da humidade. Com outras pedras e outros muros fizeram-se e protegeram-se pequenas leiras de cultivo onde hoje crescem algumas couves floridas e se estendem silvaredos pela incúria dos humanos.

Diria Paul Valery, o poeta, a propósito deste poema de pedra: “os edifícios que não falam nem cantam, merecem apenas desdém; são coisas mortas, hierarquicamente inferiores aos montões de pedra vomitados pelas carroças dos empreiteiros e que, ao menos, divertem o olho sagaz, por causa da ordem acidentada que adquiriram na sua queda”.[1] Tudo aqui fala e canta.

Era, porém, o tempo da miséria. Terra quanta vejas, casa quanto baste, dizia-se, para matar a fome com lavouras e trabalho quando disso se dependia. Nas casas mínimas até a chaminé estava ausente para que o calor da lareira se não dissipasse e o inverno se tornasse mais macio nestas serras - ao mesmo tempo, o fumo afumava chouriços, presuntos e pessoas, e as paredes e os tectos adquiriam uma patine inconfundível de negro de fuligem. Adiante.

Agora este dispositivo pétreo flutua na sua existência inútil. A forma segue a função de nos podermos verdadeiramente deixar comover com este montão de pedra onde agora, felizmente, não vive ninguém.

[1]Paul Valéry (1945), Eupalinos ou l'architecte, Paris, Gallimard (1ª ed. 1923)

Sobre este autor
Cita: Álvaro Domingues. "Menos é mais / Álvaro Domingues" 21 Jan 2017. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/802887/menos-e-mais-alvaro-domingues> ISSN 0719-8906

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