O Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU) da PUC-Rio lança agora o segundo número da revista PRUMO cujo tema é o Ensino da Arquitetura. O objetivo dessa publicação é reunir reflexões críticas e experiências de pesquisadores, professores e jovens arquitetos que colocam em questão os atuais processos de formação do profissional nos cursos de graduação. Ou seja, esse novo número da PRUMO busca colaborar com o entendimento de como a pluralidade e complexidade do mundo contemporâneo, a ausência de certezas, a polifonia e, até mesmo, o borramento dos campos disciplinares determinaram (ou deveriam determinar) novas práticas de ensino em diferentes escolas de arquitetura.
Por que precisamos de ateliê (“studio”, no original) educacional no Japão? A resposta está na Y-GSA, uma escola de pós-graduação para arquitetos em formação.
O que chamamos de graduação (“graduate”) no Japão são cursos geralmente estruturados para que os estudantes se tornem pesquisadores e educadores após terem cumprido uma formação básica inicial (“undergraduate”). Os alunos passam dois anos em programas de mestrado, durante os quais participam de laboratórios de pesquisa com professores de diversas áreas. Esses alunos desenvolvem pesquisas acompanhados por orientadores e colaboram nos projetos de pesquisa destes.
Até 2007, estabelecida como um departamento da Universidade Nacional de Yokohama, a Y-GSA funcionava como um curso de mestrado, organizado basicamente como um laboratório de projeto para os arquitetos Koh Kitayama e Ryue Nishizawa, que participavam diretamente do processo ensinando e treinando os alunos.
No entanto, o professor Kitayama (atual diretor da Y-GSA) vinha estudando diversos métodos adotados por escolas de Arquitetura no mundo todo, buscando entender os diferentes tipos de formação oferecidos aos alunos. Como resultado de seus estudos, chegou à conclusão de que o ideal para o curso do mestrado não era um sistema baseado em laboratórios de pesquisa, mas, sim, um sistema de formação com ateliê-base de treinamento. Esse formato estava se tornando o padrão dominante nas escolas de Arquitetura e, segundo Kitayama, com esse método, os alunos poderiam aprender as muitas e diferentes ideias e abordagens da Arquitetura, habilitando-os, através do processo de estudo, a desenvolver, na prática, seus próprios valores, filosofia e ideologias.
Assim, por volta do ano 2003, Koh Kitayama começou a desenvolver o primeiro método de educação baseado em um ateliê de concepção arquitetônica no Japão como parte do departamento de treinamento da Universidade Nacional de Yokohama. O método, nomeado de Programa de Apoio à Educação Diferenciada na Universidade - programa GP Diferenciado -, foi aceito pelo Ministério da Educação, Cultura, Esporte, Ciência e Tecnologia em 2007 e, assim, a Y-GSA (Faculdade de Arquitetura de Yokohama – Yokohama Graduate School of Architecture) passou a usá-lo para treinar futuros arquitetos, transformando-os em profissionais altamente qualificados.
Nos seus 9 anos de existência, tal sistema de ensino na Y-GSA influenciou de maneira claramente perceptível o ensino de Arquitetura nas universidades de todo o país. Atualmente, Y-GSA tem uma alta pontuação nos sistemas de avaliação do Japão, sendo considerada uma das principais instituições de ensino e pesquisa em projetos de arquitetura. Muitas universidades de Arquitetura olham para a Y-GSA como um modelo para explorar possibilidades de reforma do seu próprio programa de ensino, baseado, também, na prática de ateliê.
Criando uma excelente equipe de ensino
Para dar início à implementação desse novo sistema de ensino na Y-GSA, os arquitetos Riken Yamamoto, renomado nacional e internacionalmente, e Yoshihiko Iida, um dos alunos da universidade, juntamente com o professor Kitayama e o professor assistente Nishizawa, foram convidados a serem os primeiros "Professores Arquitetos” do Japão – também conhecidos pela sigla PA [1] – liderando cada um dos quatro ateliês criados, e como "Gerente do Estúdio" [2], Mariko Terada, que também é a autora deste ensaio, foi escolhida por sua experiência como editora de revistas de arquitetura japonesa e curadora de exposições em museus de arquitetura no exterior.
Como a Y-GSA vê de forma crítica a Arquitetura, a cidade e a sociedade
A Y-GSA oferece o primeiro curso de mestrado no Japão para treinar estudantes com o objetivo de se tornarem arquitetos que tenham competência para atuar globalmente. Destarte, a Y-GSA não se limita a ensinar arquitetura tomando o projeto como o aspecto único e principal, mas propõe que se considere diferentes conhecimentos prévios, o contexto e as razões que a definem, colocando em questão o papel da disciplina em ambientes urbanos e sociais. Dessa forma, pensa a arquitetura como um meio para encontrar novos valores que possam corroborar para a nova era.
Assim, com base nessa filosofia educacional, a Y-GSA criou programas com trabalhos em ateliês, workshops e aulas expositivas, que são combinadas para proporcionar um nível de maior complexidade de entendimento, sendo que a sessão de avaliação final no estúdio, nas quais as discussões são guiadas e fomentadas pelos professores, se constitui, ela própria, como uma rara oportunidade de observar os muitos pontos de vista e reflexões expostas pelos avaliadores, todos também arquitetos, sobre o planejamento urbano e a Arquitetura em um sentido mais amplo.
Na Y-GSA, tal amplitude está presente, também, no manifesto "criar arquitetura é criar o futuro", que considera as 3 perspectivas, descritas a seguir, como importantes formas de abordagem quando se pensa sobre o tema.
- A Arquitetura está intimamente relacionada à história. Criar arquitetura é criar uma nova história;
- A Arquitetura está intimamente relacionada ao atual sistema social. Criar arquitetura é reorganizar o atual sistema social;
- A Arquitetura está intimamente relacionada à cultura de sua comunidade. É por isso que o papel da arquitetura é questionar a cultura.
O sistema e o ambiente ideais para o ensino baseado na prática
Com base nas abordagens propostas, surge o entendimento de que se deve "viver na cidade para aprender arquitetura". A aceitação de tal proposição levou a Y-GSA a sair do campus da Universidade Nacional de Yokohama, em 2007, para montar um ateliê-satélite em dois andares alugados de um prédio antigo de escritórios no bairro de Bashamichi. Essa região estava recebendo atenção especial da prefeitura com o objetivo de recuperá-la através de sua transformação em uma área cultural. Porém, em 2009, quando a universidade estava prestes a renovar o aluguel do edifício para o seu Departamento de Arquitetura, a Y-GSA decidiu voltar ao campus e, em 2010, reformando as suas antigas instalações que haviam ficado sem uso por algum tempo, constituiu um espaço físico específico para o ensino organizado em ateliês. Além dos ateliês, da biblioteca e do espaço para escritórios, onde os estudantes trabalham em seus projetos, criou-se o IUI - Salão Central do Instituto de Inovação Urbana –, no qual a sede da Y-GSA foi instalada. Importante destacar que a volta ao campus priorizou o estabelecimento de um espaço para a formação dos alunos e que não foram criados espaços para professores. A ideia do "sistema de ensino baseado em ateliês" implica que o professor deve ensinar cerca de dez alunos por semestre, para que os alunos possam fazer seus trabalhos nos quatro ateliês, ensinados por quatro professores diferentes nos dois anos de estudo. Além disso, quando os alunos completam o programa na Y-GSA, eles devem ter constituído um "portfólio" com base em um assunto escolhido ao longo do percurso nos quatro ateliês, pesquisado ao longo de todo o curso. Essa é uma das principais características do sistema de formação na Y-GSA.
Trabalhando com o governo local (em relação à cidade de Yokohama)
Esse retorno ao campus, no entanto, não nos afastou da cidade. A pesquisa urbana em áreas específicas, como a própria cidade de Yokohama, tornou-se um forte viés da Y-GSA. Além dos quatro ateliês, nós montamos um projeto chamado "ateliês independentes", que visa à realização de uma variedade de pesquisas urbanas dentro da escola enquanto acompanha a cidade de Yokohama e seus setores privados. Assim, criamos fortes laços de afeto com a cidade de Yokohama, que nos levou a trabalhar, juntamente com a administração pública, em projetos como "Capital do Mar (Projeto Yokohama 2059)", para estudar o que o futuro reserva para a orla marítima da cidade; e, igualmente, no projeto “Desenho Urbano de Yokohama", voltado para a supervisão do desenho urbano na estação de Yokohama. Há projetos desenvolvidos diretamente com os alunos, nos quais são pensadas e propostas intervenções urbanísticas voltadas para articulação de sistemas de renovação e revitalização da cidade. Tal parceria ocorre, por exemplo, na pesquisa sobre "áreas com muitas construções de casas de madeira", que é considerada uma das áreas mais vulneráveis em Tóquio, além de outra pesquisa sobre futuros ambientes habitacionais, chamada "Pesquisa sobre os hábitos urbanos da próxima geração”, desenvolvida com colegas pesquisadores do exterior.
Além disso, fazemos também séries de palestras de profissionais de diversas áreas, chamadas "Estudos arquitetônicos e urbanos de Yokohama”, que são feitas em conjunto com a Cidade de Yokohama e abertas ao público. Através da alocação dessas palestras em prédios públicos, como o "Bankart" e o "YCC", no bairro Bashamichi, e o Porto Memorial de Yokohama, na Avenida Nihon Ohdori, busca-se aumentar a sensibilização dos cidadãos para a cidade e a sua arquitetura.
Sediando discussões internacionais e construindo redes de relacionamento com institutos de pesquisa e ensino do mundo todo
Nós, da Y-GSA, buscamos investigar a cidade a partir de uma perspectiva global, lidando com escalas que tanto tomam o Japão como um todo, quanto se restringem a certas regiões, tais como Yokohama. Dessa forma, focados na educação dos alunos, buscamos instrumentalizá-los para aprenderem a definir os diferentes recortes necessários ao projeto de arquitetura frente aos diversos cenários urbanos.
A cada ano, workshops são realizados em parceria com excelentes escolas de Arquitetura fora do Japão para investigar importantes tópicos que dizem respeito aos problemas urbanos.
Nesses workshops, uma boa comunicação com outras escolas torna-se crucial. É através desse processo de inter-relação que se decide como os projetos da cidade podem ser definidos, abordados e adotados. Pessoalmente, como um Gerente de Estúdio, eu começo conversando com um professor com quem quero trabalhar - ou estudar junto em uma pesquisa sobre a cidade -, estabelecendo discussões através das quais se decide o tema e o assunto apropriados para o workshop. Felizmente, nos workshops, conseguimos pesquisar temas e assuntos importantes em diferentes cidades nas escolas da Europa, Ásia e América do Sul, que vão dos processos de construção à implementação de proposições teóricas.
Além disso, ao convidar pesquisadores e arquitetos renomados no exterior, queremos estimular debates significativos sediando simpósios e palestras internacionais sobre trabalhos urbanos e sociais, que devem ser tratados em uma escala global. Vale ressaltar o simpósio chamado "Bairros criativos", realizado para discutir ambientes residenciais do futuro, que foi muito bem conceituado no Japão e internacionalmente. Outro exemplo é o projeto "Habitats urbanos da próxima geração", desenvolvido no Instituto de Ciências Avançadas da Universidade Nacional de Yokohama, inaugurado em outubro de 2014, no qual estamos analisando como reciclar o conjunto de áreas mais vulneráveis da cidade e os possíveis métodos para isso. Trabalhamos, também, em uma pesquisa com o Instituto Federal Suíço de Tecnologia (ETH Zurich) para realizar estudos de caso no Brasil e em Tóquio.
Construindo novas definições para uma cidade e para a sua arquitetura (e o tipo de arquiteto necessário para o século 21)
A Y-GSA continua a suscitar questões sobre o mundo convencional e as estruturas já existentes da sociedade japonesa. As condições de uma cidade no século 20, formada por princípios de mercado em uma economia capitalista, deixou, definitivamente, mais confortável o ambiente em que vivemos. No entanto, temos algumas dúvidas se esse ambiente realmente enriqueceu as nossas vidas. Por causa de tal percepção, a Y-GSA convoca todas as pessoas para pensar sobre a necessidade de "uma sociedade estável que crie cultura para o povo", moldada para o século 21, que investigue caminhos para a sociedade e tente "construir novas definições para uma cidade e a sua arquitetura" através do histórico curricular que ela já criou.
Como o Japão passou pelo choque Lehman, que arrasou o sistema econômico em 2008, e viveu as consequências do terremoto no Japão Oriental em 2011, o país desenvolveu um grande interesse em estabelecer um novo sistema social que possa substituir as atuais formas de sociedade. Nossos trabalhos vão na mesma direção apontada pelas necessidades da sociedade japonesa: rumo a uma nova definição para a cidade e sua arquitetura no século 21. Assim sendo, a filosofia educacional da Y-GSA busca ajudar a sociedade embasando definições e teorias para uma cidade do futuro e sua arquitetura. Por isso, a Y-GSA continuará pensando o papel da arquitetura na sociedade e continuará atuando através da formação prática no projeto arquitetônico.
Notas
[1] “Professor Architect” é uma designação para arquitetos ativos atualmente, que receberam prêmios em Arquitetura a nível nacional e internacional, como o Prêmio Pritzker de Arquitetura, dado aos arquitetos internacionais que trabalham na linha de frente no mundo todo, ou o “AIJ Prêmio de Design”, dado a arquitetos que projetaram obras de arquitetura selecionadas no Japão. Focando principalmente em aulas baseadas em projetos desenvolvidos em atêlies, a faculdade se concentra na área do ensino.
[2] Nós, da Y-GSA, apostamos que o “Studio Manager” vai se transformar em uma função extremamente importante nas instituições de ensino universitário no Japão. Como nosso método se baseia em programas de educação e cultiva redes de contato mundiais no ramo do ensino por meio de suas atividades de pesquisa e atividades educacionais variadas, “Studio Managers” irão atuar como profissionais para criar estruturas, de forma que os ambientes e sistemas ideais para um excelente ensino em projeto e arquitetura seja fornecido.
Mariko Terada é professora associada do Y-GSA, Universidade Nacional de Yokohama, Japão.