Representar o espaço, construído ou ainda em concepção, constitui uma porção significativa das tarefas dos arquitetos e, considerando que a própria formação do arquiteto acontece por intermédio de representações, fica clara a importância de seu conhecimento, seus limites e seus recursos para a arquitetura.
Dispomos de variados meios para representar o espaço e, embora “isoladamente e no seu conjunto, esses instrumentos são incapazes de representar completamente o espaço arquitetônico”, é válida a tarefa de analisar mais a fundo o assunto se entendermos que “a nossa missão é estudar a técnica de que dispomos e torná-la mais eficiente.” [1]
Na obra Saber ver a arquitetura (1996), o arquiteto e historiador italiano Bruno Zevi apresenta algumas das formas de representação a partir das quais o espaço pode ser compreendido, ao menos parcialmente. O autor cita ferramentas de desenho bidimensionais – como, por exemplo, plantas, cortes e fachadas – porém, atenta para a insuficiência destes na adequada representação espacial da arquitetura, já que consistem em abstrações e frequentemente não incluem a escala humana.
“Completamente fora de todas as concretas experiências visuais de um edifício”, as plantas, no entanto, ainda são o único meio com o qual se pode julgar a estrutura completa de uma obra de arquitetura, aponta Zevi, e embora não bastem para transmitir a sensação que se tem ao adentrar um espaço, são, sem dúvida, poderosos instrumentos nas mãos dos arquitetos.
A fotografia permitiu pela primeira vez na história que “todas as experiências visuais, humanas e artísticas” passassem do plano aristocrático às massas. [2] O realismo com o qual passaram a ser registradas situações cotidianas, pessoas e objetos representou para a arquitetura um tremendo passo em termos de representação do espaço construído.
“Resolvendo em grande parte os problemas de representação de três dimensões, e por isso os problemas da pintura e da escultura, a fotografia cumpre a importante missão de reproduzir fielmente tudo o que existe de bidimensional e tridimensional na arquitetura, ou seja, todo o edifício menos a sua essência espacial." - Bruno Zevi [3]
“Menos sua essência espacial”. A fotografia, embora fiel à realidade, ainda não é capaz de proporcionar ao observador uma experiência espacial completa da arquitetura. O meio mais comum de apreender um edifício é o caminhar. Itinerários; movimento; é assim que a experiência do espaço acontece; entrando nos ambientes e estabelecendo relações entre eles através do contato direto. Zevi passa então a identificar no cinema, nesta arte que proporciona um percurso que a câmera pode realizar como extensão do olho humano, a possibilidade de melhor apreensão do objeto arquitetônico.
A cinematografia proporciona à representação do espaço a introdução de uma outra dimensão: o tempo. Considerando que é no espaço e no tempo, simultaneamente, que a arquitetura existe, torna-se evidente a importância do cinema como instrumento de representação do espaço arquitetônico. Pela primeira vez as quatro dimensões são reunidas na tentativa de transmitir remotamente a experiência de vivenciar um ambiente com o corpo.
“O cinema, como meio de representação da realidade urbana e das edificações, conecta a multiplicidade de imagens no tempo e diversos pontos de vista, possibilitando tanto a visão global quanto as particularidades do objeto estudado, sem que se perca sua unicidade e a identidade essencialmente espacial que caracteriza, em princípio, a arquitetura.” - Angela Rocha e Tatyane Souza [4]
O movimento, ou melhor, a percepção de movimento criada pelo cinema ocorre de duas maneiras: pela superposição e pela justaposição – termos que Sergei Eisenstein explica em detalhes em sua obra A forma do filme (2002). Na primeira, os fotogramas em série são projetados na tela a certa velocidade, provocando a sensação de movimento dos objetos e personagens ou do trajeto da câmera no espaço. Trata-se de um fenômeno perceptivo provocado pela permanência das imagens na retina, que favorece a continuidade das imagens estáticas de cada fotograma da película. A segunda, por sua vez, diz respeito aos cortes intencionais realizados entre as sequências de fotogramas que possibilitam novos pontos de vista, enquadramentos e relações entre as imagens projetadas.
“A cinematografia é, em primeiro lugar e antes de tudo, montagem” [5], e o princípio básico da montagem do qual fala o autor em seu livro é a justaposição. Cortes aplicados em momentos distintos das sequências filmadas podem ocasionar diferentes interpretações do mesmo tema; em outras palavras, ritmos, comprimentos e tempos específicos podem alterar a percepção do espectador em relação ao objeto filmado ou revelar outros espaços, seja em um edifício, uma cidade ou um cômodo fechado onde se desenrola um diálogo.
Todavia, embora a cinematografia ofereça um meio legítimo de representar o espaço arquitetônico, incorporando às três dimensões também o tempo, a arquitetura “tem dimensões que ultrapassam as quatro. A cinematografia representará um, dois, três caminhos possíveis do observador no espaço, mas este apreende-se através de caminhos infinitos.” [6] Nada substitui, afirma Zevi, a verdadeira experiência real do espaço: caminhar pelos ambientes, mover-se entre os elementos da arquitetura; “é a diferença entre dançar e ver dançar, entre amar e ler romances de amor”, e conclui:
” [...] onde quer que exista uma perfeita experiência espacial a viver –, nenhuma representação é suficiente, precisamos nós mesmos ir, ser incluídos, tornarmo-nos e sentirmo-nos parte e medida do conjunto arquitetônico, devemos nós mesmos nos mover. Todo o resto é didaticamente útil, praticamente necessário, intelectualmente fecundo; mas é mera alusão e função preparatória dessa hora em que, todos nós, seres físicos, espirituais e sobretudo humanos, vivemos os espaços com uma adesão integral e orgânica. Será esta a hora da arquitetura.” - Bruno Zevi [7]
- 1. ZEVI, Bruno. Saber ver a arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p.30
- 2. Ibidem. p. 29
- 3. Ibidem. p.50
- 4. ROCHA, Angela Maria; SOUZA, Tatyane Bandeira de. Arquitetura e a Imagem e Movimento. São Paulo: Pós. Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP, 2007. p.131
- 5. EISENSTEIN, Serguei. A forma do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. p. 35
- 6. ZEVI, Bruno. Saber ver a arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p.51
- 7. Idem.
* Os vídeos que acompanham este artigo, embora não encontrem relação direta com o texto, ajudam a exemplificar como a imagem em movimento - mais especificamente o vídeo, produzidos em distintos momentos, com tecnologias diferentes e com intenções estéticas próprias - pode assumir a função de instrumento de representação do espaço [arquitetônico].