
A arquitetura está muitas vezes entrelaçada ao contexto político. Esta conexão profunda é especialmente evidente na Irlanda do Norte, um lugar de história política muito complexa. O Estado surgiu como consequência da guerra em 1921, quando a Irlanda foi dividida em Estado Livre Irlandês Independente (agora a República da Irlanda) e Irlanda do Norte, uma região industrial ainda controlada pela Grã-Bretanha. Desde então, houve conflitos na Irlanda do Norte entre uma população majoritária pró-britânica unionista e uma minoria, embora significativa, comunidade nacionalista irlandesa. A segunda metade do século XX testemunhou uma luta brutal, com mais de três mil pessoas mortas, milhares feridas e imagens angustiantes espalhadas pelo mundo.
A turbulência do conflito da Irlanda do Norte se desenrola no desenvolvimento arquitetônico de Belfast, sua capital. Com trinta anos de guerra entre os anos 1960 e 1990, a arquitetura de Belfast encarnou uma atmosfera de cidade sitiada. Quando surgiu a perspectiva de paz, na década de 1990, nasceu uma arquitetura de esperança, confiança e desafio. Nos dias de hoje, com a Irlanda do Norte firme em um caminho pacífico, Belfast tem sido palco de uma série de propostas arquitetônicas e edifícios públicos de referência projetados por renomados arquitetos. Com a história rica, amarga e emotiva da Irlanda do Norte vista através de múltiplos prismas, muitas vezes conflitantes, o desenvolvimento arquitetônico de Belfast oferece uma narrativa tangível de uma cidade que queimou, ardeu e renasceu das cinzas.


O período da história da Irlanda do Norte, conhecido como "The Troubles", começou nos anos 60, época em que Belfast se tornou uma cidade desanimada, sem investimentos e fortemente militarizada. Seu tecido urbano sofreu com mais de trinta anos de bombardeios contra edifícios comerciais e cívicos, que renderam ao Europa Hotel o título de "o hotel mais bombardeado da Europa". A arquitetura do período, por necessidade, seguiu o mantra "forma segue segurança", com edifícios públicos dominados por sólidas paredes duplas, barreiras de segurança e ausência de janelas.


Durante este período, a evidência arquitetônica da luta da cidade consistiu em muros e edifícios. Belfast foi esculpida em seções por Muros de Paz destinados a evitar confrontos entre as comunidades nacionalistas pró-irlandesas e pró-britânicas. Muitos destes sobrevivem até hoje, incluindo o muro Shankill / Falls, que já existe há mais tempo que o Muro de Berlim, antes da sua demolição em 1989. As barreiras dominavam a paisagem urbana, assim como um "anel de aço" de segurança que circundava o núcleo comercial para facilitar verificações e buscas. A ideia de um tecido urbano conectado e fluente era estranha a Belfast do final do século XX.


Ao longo dos anos 90, a Irlanda do Norte caminhou para a paz. O diálogo intensificou-se entre os partidos políticos proeminentes, e entre os governos da Irlanda e da Grã-Bretanha, com fortes contribuições do governo Clinton dos EUA. Os desenvolvimentos arquitetônicos refletiram o crescente otimismo de uma nova era. Um marco notável era a conclusão do Waterfront Hall, em 1996, pelo escritório local Robinson McIllwaine, com sua grande fachada curva de vidro que ocupa um espaço público generoso às margens o rio Lagan. Com a assinatura do Good Friday Agreement em 1998, foi estabelecida a estrutura governamental da Irlanda do Norte que hoje conhecemos, colocando o Norte num caminho democrático que, embora turbulento, segue firme.


Ao longo da última década, a arquitetura de Belfast descobre as marcas de uma cidade transformada. A confiança renovada no processo de paz tem se traduzido em um investimento pesado nas indústrias de turismo e artes, agregando obras arquitetônicas de arquitetos renomados. O volume de tijolos irregulares do Lyric Theatre, dos vencedores da RIBA Gold Medal, O'Donnell e Tuomey, situa-se num limiar entre o padrão dos subúrbios de tijolo de Belfast e o parque do Rio Lagan. Enquanto isso, o Centro Metropolitano de Artes (MAC) do escritório local Hall McKnight, fica no coração do bairro da moda de Belfast, uma sinfonia de tijolos, vidro e basalto, com uma sólida robustez que remonta aos armazéns do século XIX que antes ocupavam a área.


Refletindo mais sobre o rico patrimônio industrial de Belfast, o ano de 2012 viu a conclusão do Titanic Centre pela TODD Architects, celebrando o malfadado navio construído nos estaleiros de Belfast. Historicamente o coração industrial da cidade, o Titanic Quarter adjacente passará por um projeto de regeneração de £ 7 bilhões, criando uma série de aglomerações urbanas conectadas por espaços abertos, verdes e públicos. O plano diretor de 185 acres representa, portanto, a capacidade histórica de Belfast em sonhar grande.


Enquanto, sem dúvida, percorre por um caminho pacífico, Belfast ainda está apenas na metade da sua longa jornada em direção à harmonia, tanto em relação à política quanto à arquitetura. O recente colapso na partilha do governo da Irlanda do Norte e a incerteza sobre os efeitos do Brexit oferecem algumas evidências dos desafios que a Irlanda do Norte enfrenta no caminho para a prosperidade. Em termos de desenvolvimento urbano, essas variáveis assentam-se no contexto da paisagem restritiva e dividida de Belfast, com metros de muralhas de paz e um anel rodoviário que circunda o núcleo comercial da cidade. A comunidade arquitetônica de Belfast está respondendo ao desafio, com organizações baseadas em projetos como PLACE NI e o Forum for Alternative Belfast oferecendo uma série de estratégias urbanas para um ambiente construído, compartilhado e democrático.


O processo de paz na Irlanda do Norte tem sido uma história de sucesso inspiradora. A violência que uma vez assolou a região foi transferida para os livros, substituída por instituições democráticas que, embora não perfeitas, foram um veículo de mudança. Em conjunto, os escombros, ruínas e barreiras que definiram Belfast foram substituídos por obras arquitetônicas que rivalizam com qualquer cidade da Irlanda ou da Grã-Bretanha.

À medida que uma nova geração de arquitetos surge, afastada da amargura e do conflito, a arquitetura de Belfast continuará a descrever o espírito determinado e ambicioso de seus cidadãos - monumentos tangíveis ao poder da igualdade, do respeito e da paz.
Niall Patrick Walsh é graduado em arquitetura pela Universidade Queen's Belfast, Irlanda do Norte.