Como melhorar as cidades através da cultura: 10 dicas segundo UNESCO

Este artigo, escrito por Svetlana Kondratyeva e traduzido por Olga Baltsatu para a Revista Strelka, investiga os casos mais interessantes do papel da cultura no desenvolvimento urbano sustentável, com base no relatório da UNESCO.

A UNESCO publicou o Relatório Global sobre Cultura para o Desenvolvimento Urbano Sustentável (Global Report on Culture for Sustainable Urban Development) no outono de 2016. Dois eventos da ONU estimularam sua criação: um documento intitulado Transforming our World: the 2030 Agenda for Sustainable Development, que enfatiza dezessete objetivos globais para a futura colaboração internacional, foi assinado em setembro de 2015, em Nova Iorque. Habitat III, a conferência realizada uma vez a cada vinte anos e dedicada à habitação e ao desenvolvimento urbano sustentável, ocorreu no Equador em outubro de 2016. A questão do papel da cultura no desenvolvimento urbano e quais os problemas ela pode resolver, surgiu em ambos os eventos. Para responder, UNESCO resumiu a experiência global e incluiu casos bem sucedidos de paisagismo, políticas culturais, eventos e iniciativas de diferentes cantos do mundo no relatório.

Os especialistas do Instituto Strelka pesquisaram o espaço pós-soviético examinando onze países da Europa Oriental e Ásia Central. Aqui estão dez dos estudos de casos mais destacados.

"Conferência Habitat III / Facebook". Cortesia de Strelka Magazine

Sobre o relatório

O relatório é dividido em duas partes: a primeira consiste em pesquisas regionais realizadas junto com instituições parceiras. Os países foram divididos em oito áreas com base em pontos de vista geográficos e históricos. O primeiro incluiu o território da África (com exceção dos países do norte). Tunísia, Argélia, Líbia, Síria, Mauritânia e Marrocos, juntamente com a Península Arábica representaram a segunda área. A Europa foi a terceira; o quarto foi formado pela Rússia e pelo território da ex-URSS, com exceção da Lituânia, Letônia e Estônia. A quinta região combinou os países do Sul da Ásia: Índia, Irã, Paquistão, Sri Lanka, Afeganistão, Nepal e outros. O sexto incluiu Austrália, Nova Zelândia, Sudeste e Leste Asiático. América do Norte e do Sul foram as duas últimas áreas.

Para cada área, houve uma revisão geral breve do que influenciou sua distinção cultural e como ela está sendo desenvolvida atualmente. A segunda parte temática do relatório foi dedicada a doze questões relativas aos habitantes urbanos, ao meio ambiente e à política. Por exemplo, continha uma consideração da abordagem orientada para as pessoas ao desenvolvimento das cidades, a qualidade do meio ambiente e o desenvolvimento de conexões entre áreas urbanas e rurais.

"China-Town, Sydney / Istockphoto.com". Cortesia de Strelka Magazine

Cultura e imigração: Por que salvar as Chinatowns e reabilitar a música?

Steven Vertovec, diretor do Instituto Max Planck para o Estudo da Diversidade Religiosa e Étnica, aponta algumas mudanças interessantes no assunto da migração e dos processos urbanos associados a isso. Segundo ele, os processos de superpopulação agora acontecem mais rapidamente do que nunca. Eles criam fluxos estáveis de ideias, símbolos e significados que estão sendo transferidos entre países e continentes. Além disso, surgiu um novo fenômeno: os migrantes exigem a igualdade de direitos e oportunidades de participação na vida social no novo local de forma muito ativa e, às vezes, de forma agressiva. Com base nestas observações, Vertovec fala de um novo termo: "super-diversidade".

A distinção fundamental desse fenômeno reside no fato de que os recém-chegados vivem principalmente nos mesmos distritos que os migrantes de ondas e gerações anteriores. Como resultado, obtemos um território com características culturais e sociais com diversas camadas, que se opõe à cultura principal e oficial da cidade. Por um lado, isso resulta em segregação e conflitos. Por outro, pode encorajar a criação de novos métodos de cooperação e práticas cosmopolitas. Por exemplo, Vancouver, que não possui um único grupo étnico que represente mais de 25% da população, traduziu documentos públicos básicos importantes em vários idiomas e implementou linhas telefônicas multilíngues. A estratégia das Comunidades Diversas e do Multiculturalismo (The Diverse Communities and Multiculturalism strategy), que ajuda os recém-chegados a se adaptarem, foi desenvolvida na cidade. Também há iniciativas para apoiar as comunidades LGBT, combater o racismo e a discriminação e fortalecer o entendimento mútuo entre nativos e imigrantes.

O caso de Sydney mostra como o status das "Chinatown" pode mudar. Chinatown no distrito de Haymarket foi basicamente considerado um gueto imigrante até a década de 1970; então as pessoas começaram a repensar seu papel. Em 1980, dois arcos de estilo chinês, lanternas vermelhas tradicionais e outros apetrechos orientais foram construídos por iniciativa do governo e da comunidade empresarial. Assim, a cultura "imigrante" encontrou uma forma de expressão formal. No entanto, um novo problema apareceu no século XXI: gentrificação e ameaça de perda de identidade. O programa do Plano de Domínio Público Chinatown (The Chinatown Public Domain Plan) foi desenvolvido em 2010 para preservar o distrito histórico. O objetivo era "respeitar, proteger e construir os laços históricos da área com a cultura e a comunidade chinesa, juntamente com a crescente influência de outras culturas e comunidades asiáticas, reconhecendo a importância da área para contribuir para a vitalidade e diversidade de Sydney como um cidade global".

Em 2006. O Uruguai não apenas reconheceu a cultura imigrante, mas também, de certa forma, regenerou-a. Naquele ano, o governo de Montevidéu sugeriu um novo feriado anual, o Dia Nacional do Candombe, dedicado à cultura afro-uruguaia e à justiça racial. Celebra o estilo de música Candombe, que veio da África. Historicamente, tinha sido tratado como uma parte da cultura escrava, e imigrantes que queriam melhorar sua posição em um novo país, até tentaram se distanciar de suas próprias tradições. O novo feriado serviu para mudar essas associações com o Candombe. Poucos anos depois, foi reconhecido em escala global: a UNESCO acrescentou esse estilo à lista de Patrimônios Culturais Imateriais em 2009.

"Dia nacional do Candombe, Montevideo, Uruguai / Istockphoto.com". Cortesia de Strelka Magazine

Cultura e conflitos: reconstrução como um símbolo de paz e Museus de tragédias

Ultimamente, uma onda de destruição em massa de marcos históricos ocorreu em certos países envolvidos em conflitos militares. Essas perdas geralmente prejudicam a moral da população, que perdeu parte de sua história e identidade tangíveis. No entanto, também pode se tornar um incentivo para a unificação e o avivamento das tradições. Timbuktu, uma cidade no Mali, é um ótimo exemplo. Suas mesquitas e casas de adobe foram incluídas na lista da UNESCO em 1989. Mas a cidade foi gravemente danificada durante o levante armado em 2012: 14 dos 16 mausoléus com túmulos dos santos foram destruídos, museus e bibliotecas saqueados, manuscritos únicos queimados. Tanto especialistas internacionais como cidadãos locais foram convidados a participar da reconstrução dos marcos após a libertação da cidade. Como resultado, alguns cidadãos foram ensinados técnicas de construção tradicionais, o que significa que este conhecimento histórico único foi atualizado.

Curiosamente, a reconstrução de pontos de referência danificados em conflitos às vezes custa mais do que os próprios pontos de referência. A Old Bridge - um marco do século XVI - foi destruída em Mostar (Bósnia e Herzegovina) em 1993 durante a Guerra Croata-Bósnia. A construção foi um símbolo da vida pacífica da população multinacional da cidade e do país, o que levou à sua destruição. Durante o trabalho de reconstrução, as peças caídas de edifícios antigos foram levantadas do fundo do rio e reutilizadas. A pedra também foi obtida a partir de pedreiras locais. A ponte foi inaugurada em 2004 e, um ano depois, foi adicionada à Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO em reconhecimento da sua grande importância simbólica.

Os conflitos também têm um lado oposto: às vezes eles dão às cidades novos marcos e práticas, solidificando sua identidade. Na sua descrição dos países do sul da África que experimentaram movimentos de libertação e mudanças de governo, os autores do relatório atribuem esse tipo de patrimônio a uma categoria separada. Incluem praças, ex-prisões e palácios de ditadores. O Museu District Six, inaugurado na Cidade do Cabo em 1994 representa outro caso similar. É dedicado ao período de apartheid e ao transporte forçado de 60 mil cidadãos locais. A exposição apresenta o mapa da área com notas manuscritas de ocupantes anteriores, indicando a localização de suas casas e sinais de rua antigos, e também histórias das famílias remanescentes. O museu tornou-se um ponto de referência da tragédia e o ponto de encontro para aqueles que se identificam com a história do distrito.

"Praias de Paris / Istockphoto.com". Cortesia de Strelka Magazine

Espaços públicos: cultura no gueto, uma antiga prisão e a praça

Muitos casos interessantes da pesquisa da UNESCO abordam as oportunidades de influenciar o bem-estar, a imagem e a economia de áreas específicas usando os espaços públicos. Por exemplo, o trânsito é limitado no aterro de Siena em Paris durante o verão, para que as áreas recreativas possam ser organizadas. A primeira dessas áreas foi criada em 2002 por iniciativa do prefeito. Segundo ele, uma área de recreação próxima à água poderia ser útil para cidadãos que não têm a oportunidade de deixar a cidade no verão. O projeto revelou-se bastante popular: "Praias de Paris" têm sido criadas em vários pontos desde 2006.

Em 2007, o governo colombiano decidiu dar vida a um dos distritos mais perigosos da América Latina - Santo Domingo em Medellín - com novos transportes públicos. O tráfico de drogas prosperou por muito tempo e sua conexão com outras partes da cidade tinha sido bastante fraca. Um novo teleférico foi construído em 2004, e alguns anos depois, a Biblioteca Parque da Espanha. Isso melhorou a atratividade do lugar devido à sua arquitetura original e estimulou a atualização de outras bibliotecas já existentes.

Uma prisão em Valparaíso, Chile, foi reprogramada no Parque Cultural de Valparaíso. Ali são realizados eventos de dança, música e circo, feiras e apresentações de teatro de rua. O festival internacional Bridges & Borders, que reúne mais de 20 artistas de todo o mundo, foi organizado na cidade em março de 2013. O artista chinês Ai Weiwei pintou uma imagem de 900 metros de comprimento dedicada ao poeta chileno e ganhador do Prêmio Nobel Pablo Neruda na parede da antiga prisão no mesmo ano.

O relatório também inclui exemplos que demonstram quão vulneráveis podem ser os espaços públicos. O caso da praça Jemaa el-Fnaa, localizada ao lado da entrada da medina de Marrakesh, é bastante ilustrativo disso. Durante muitos séculos, foi um lugar que atraiu artistas de rua, artesãos, encantadores de serpentes, artistas de henna e muitos mais representantes de culturas tradicionais locais. Esse território foi adicionado à lista do Patrimônio Mundial da UNESCO. Sua atmosfera e práticas culturais são consideradas uma obra-prima do patrimônio oral e intangível. Por um lado, o aumento do fluxo de turistas estrangeiros melhorou o status social daqueles que realizaram na praça e deu-lhes benefícios financeiros.

Por outro, alguns tipos tradicionais de arte acabaram sendo ameaçados de extinção. Estes são os contadores de histórias e os recitadores de poesia, que dependem da capacidade do público de entender os dialetos marroquinos e berberes. O desenvolvimento do turismo é apresentado no relatório como uma das ferramentas mais ambíguas. Pode oxigenar o artesanato tradicional e aumentar a economia de pequenas cidades e vilas, mas, se mal utilizado, ou se o fluxo de pessoas é muito maciço, lugares e distritos populares podem perder sua atmosfera, seus cidadãos nativos ou sua infraestrutura costumeira.

"Biblioteca Parque Espanha, Colômbia, Medellín / en.wikipedia.org". Cortesia de Strelka Magazine
Sobre este autor
Cita: Magazine, Strelka. "Como melhorar as cidades através da cultura: 10 dicas segundo UNESCO" [How to Change Cities With Culture: 10 Tips Using UNESCO] 19 Jul 2017. ArchDaily Brasil. (Trad. Souza, Eduardo) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/875971/como-melhorar-as-cidades-atraves-da-cultura-10-dicas-segundo-unesco> ISSN 0719-8906

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