Texto por Bárbara Bonetto
O potencial de colaboração entre saúde pública e planejamento urbano é enorme. Estas duas áreas são grandes promotoras do bem-estar humano e têm em seu dia a dia vários dos mesmos mecanismos: a avaliação das necessidades locais (diagnóstico), prestação de serviços, gerenciamento de complexos sistemas sociais, atuação a nível populacional e uso de instrumentos participativos, com atenção especial às necessidades das populações vulneráveis.
Imagine você uma cidade em que o transporte de bicicletas representa mais de 50% dos deslocamentos diários, todas as casas possuem saneamento básico e o nível de desemprego é baixo. Agora visualize uma cidade com um rio que traz mau cheiro, 2 carros para cada habitante, transporte público ineficaz, e ruas com pouca arborização.
Não é difícil associar às cidades um status de saúde ou doença, e, assim como na promoção e recuperação da saúde dos seres humanos, ações podem ser tomadas tanto na esfera preventiva quanto de recuperação da saúde de uma cidade. No entanto, o desafio é grande e para que avanços aconteçam é preciso planejamento e cooperação.
O que significa ser saudável ?
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a saúde como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades". Conquistar saúde requer um processo ativo em que indivíduos, e a sociedade criem e mantenham condições nas quais o bem-estar possa ser alcançado. Por isso, a criação de cidades saudáveis não deve ser considerada um objetivo final, mas uma trajetória, onde a cooperação entre acadêmicos, a comunidade e os especialistas de saúde pública e planejamento urbano possa ser a força motriz que coloque a saúde como peça central nas decisões sobre investimentos para os centros urbanos. Portanto, para uma cidade ser considerada saudável, o que conta são as ações sendo tomadas, não as características atuais da cidade.
A saúde no ambiente urbano
Uma peça central para cidades saudáveis são habitantes saudáveis. A saúde em ambientes urbanos é uma crescente preocupação e sofre várias ameaças: poluição, estresse, vulnerabilidade social e econômica, segurança, para citar algumas. Já foi visto que morar em cidades aumenta a probabilidade do surgimento de várias doenças transmissíveis e doenças crônicas não transmissíveis, assim como de doenças mentais tão predominantes nestes tempos como depressão e ansiedade.
Por outro lado, foi constatado que melhorias no desenho urbano e usabilidade do espaço, adicionam bem-estar à vida das pessoas, e intervenções nessa área podem e devem ser pensadas como ferramentas para melhoria da saúde pública.
Pessoas que têm mais contato com áreas verdes no seu dia a dia, por exemplo, reportam aumento de bem-estar, diminuição no estresse e menor risco de obesidade e doenças cardíacas (1),(2);
Quanto à mobilidade, cidadãos que conseguem encaixar o transporte ativo (bicicleta, caminhada) em sua rotina apresentam não somente melhoria da qualidade de vida, mas também reduzido risco de doenças crônicas como hipertensão, obesidade e diabetes (3). O caminhar como forma de locomoção deve ser sempre incentivado, tanto em campanhas educativas quanto na construção de infraestrutura apropriada para que as regiões se tornem caminháveis.
Para os pedestres, além dos benefícios mais óbvios advindos do aumento da atividade física diária, existem outras vantagens, como a interação entre pessoas, e o conviver e observar a cidade. Por ser gratuito, o caminhar empodera os habitantes, principalmente os de mais baixa renda, que ao deixar de gastar com o transporte podem usar seus recursos de outra forma. Aumentar os pedestres na cidade é democratizar o processo de ir e vir. Benefícios para o desenvolvimento da região também podem ser apontados já que muitos negócios atendem ao fluxo constante de pedestres.
A esfera de benefícios do transporte ativo incorpora inclusive o nível ambiental e promove a redução da poluição de ar e na emissão de gases contribuintes do efeito estufa, bem como menor trânsito e ruídos. No entanto, políticas de mobilidade se não executadas de maneira coordenada e integrada com políticas de saúde podem não gerar os benefícios esperados, como mostra um estudo conduzido em Barcelona e publicado neste ano (4).
O transporte público, pouco reivindicado pela população brasileira, é uma grande necessidade para desenvolver a infraestrutura do país e das nossas cidades, com ele ocorre a diminuição da individualização do transporte, tão presente em nossa cultura e que causa diversos “efeitos adversos” como engarrafamentos, consumo desenfreado de combustíveis fósseis, excessivo comprometimento de áreas para estacionamento. Dentre os ganhos à saúde relacionados a um transporte público de qualidade estão: Diminuição de acidentes, melhoria do acesso à alimentação e serviços de saúde, melhora da saúde mental e condicionamento físico, redução do stress financeiro para famílias de baixa renda (5).
O pesquisador brasileiro Paulo Saldiva, tem dentre as suas batalhas a melhoria da qualidade do ar em ambientes urbanos, e ressalta que o Brasil está bastante defasado e falta um plano de ação consistente com os conhecimentos científicos atuais. O especialista em políticas públicas aborda muitas das conexões entre o processo de saúde e doença no contexto urbano, e como o ambiente construído e social são fatores impactantes na qualidade de vida dos habitantes.
Outra preocupação para o desenvolvimento de políticas nesta área é a equidade, já que tem se observado que muitas vezes os benefícios alcançados pelos investimentos, se feitos somente em áreas centrais e bairros privilegiados, beneficiam a parcela da população mais abastada em detrimento da população mais vulnerável, contribuindo por aumentar a desigualdade (8).
Aspectos sociais da cidade também contam: cidadãos idosos que possuem um sentimento de pertencimento na sua comunidade local, se sentem menos isolados e apresentam menor prevalência de doenças (6).
E é uma via de mão dupla: pessoas saudáveis têm mais chance de contribuírem na criação de comunidades prósperas e a saúde individual é extremamente dependente das condições de vida e trabalho, ambiente físico e socioeconômico e a qualidade e acessibilidade dos serviços disponíveis.
E você, acha sua comunidade saudável? Já notou melhorias no espaço físico do seu bairro que impactaram positivamente a sua vida e bem estar? Conte para o COURB o que você acha da saúde da sua vizinhança.
Se você se interessa pelo tema, fique de olho no nosso site, no mês de Agosto será lançado o primeiro white paper do núcleo de políticas públicas do COURB trazendo diversos tópicos sobre saúde na cidade.
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Referências
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Nielsen, Thomas Sick, and Karsten Bruun Hansen. "Do green areas affect health? Results from a Danish survey on the use of green areas and health indicators." Health & place 13.4 (2007): 839-850.
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Maas, Jolanda, et al. "Green space, urbanity, and health: how strong is the relation?." Journal of epidemiology and community health 60.7 (2006): 587-592.
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Dill, Jennifer. "Bicycling for transportation and health: the role of infrastructure." Journal of public health policy 30.1 (2009): S95-S110.
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Pérez, Katherine, et al. "The health and economic benefits of active transport policies in Barcelona." Journal of Transport & Health (2017).
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Litman, Todd, “Evaluating Public Transportation Health Benefits”. Victoria Transport Policy Institute Report (2016).
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da Silva Bastos, Antonio Fagner, Sandro Valença, and Kelly Maria Paz. "EM BUSCA DE POLÍTICAS PÚBLICAS NÃO EXCLUDENTES: ANÁLISE A PARTIR DO DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO (DSC)." Revista Desenvolvimento Social 1.19 (2017): 17.
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Tomaka, Joe, Sharon Thompson, and Rebecca Palacios. "The relation of social isolation, loneliness, and social support to disease outcomes among the elderly." Journal of aging and health 18.3 (2006): 359-384.