Paulistano, filho de pai alemão e mãe pernambucana, cresceu em terras carioca sobre clima de bossa e tropicalidade. Foi com a influência da mãe que nasceu o interesse pela botânica. Na fase jovem, passou um período morando e estudando pintura no território alemão, onde frequentou importantes jardins botânicos e compreendeu o papel dos mesmos. Roberto Burle Marx, um dos principais arquitetos paisagista do século XX, pode ser definido como o responsável por revelar ao Brasil e ao mundo uma nova visão do papel do Paisagismo, sob aspectos sociais, botânico e estético.
Mestre multifacetado transitou por diversas esferas, da menor à maior escala, entre seu envolvimento na pintura de telas e painéis, desenvolvimento de esculturas, cerâmicas, tapeçarias, cenografias, design de joias, e principalmente, o paisagismo. Contudo, entre os diferentes campos que percorreu, há como qualidade comum o processo criativo e artístico como centro projetual, permitindo explorar novas técnicas, variantes da construção de seu pensamento como artista, ideologia e reafirmação cultural brasileira. Entre as qualidades marcantes que podem descrevê-lo, domínio, técnica e experimentações são atributos de sua personalidade e ao fio condutor a seu processo de trabalho.
Como arquiteto paisagista, buscou experimentar as técnicas de composição e emprego vegetal ao limite. A tríade Arquitetura-Paisagismo-Pintura, foi altamente explorada, caminhando juntas em processo integrado. Ou seja, seus desenhos e linhas fluídas deixaram de ser representados em menor escala, apenas nas pinturas de telas e papéis e evoluiu para o desenho urbano, caminhando junto á Arquitetura em fina sintonia.
Um dos fatores que o transformou em um dos paisagistas precursores brasileiro foi sua exaltação pelas espécies vegetais brasileiras e também pelas espécies desconhecidas, de forma que estas não fossem vistas apenas como “mato”, como costumava dizer, mas “vencendo os temores diante das regiões pouco estudadas. Segundo ele, tudo parece conspirar para manter o homem distante da mata” [1]. Assim, utilizava as espécies da flora como elementos de destaque e evidência.
Apesar de multifaces à criação em outros campos, o maior foco de seu trabalho discorre no campo paisagístico de modo que os elementos presentes em suas telas, entre pinturas e desenhos são introduzidos de modo surpreendente na escala urbana e aplicados através de novas materialidades, como afirma o paisagista. [2]
«Em relação à minha vida de artista plástico, da mais rigorosa formação disciplinar para o desenho e a pintura, o jardim foi, de fato, uma sedimentação de circunstâncias. Foi somente o interesse de aplicar sobre a própria natureza os fundamentos da composição plástica, de acordo com o sentimento estético de minha época. Foi em resumo, o modo que encontrei para organizar e compor o meu desenho e pintura, utilizando, materiais menos convencionais». (MARX, 1954).
Dessa forma, notamos a intersecção entre Arte e Paisagismo, de forma que sua vivência no campo artístico do desenho, em especial às influências cubistas, libertaram o desejo de transição entre escalas, para que o desenho urbano assumisse papel compositivo, gerando espaços sensoriais à escala humana. Ainda sobre tal composição, vale ressaltar que Burle Marx se apropriou da topografia natural como área compositiva e através de elementos vegetais e materiais, organizando-a de forma que houvesse harmonia entre o desenho e que as escalas permitissem maior fluidez, “não havendo diferença estética entre o objeto-pintura e objeto-paisagem construída”, permitindo ”alterar a natureza topográfica, para ajustar a existência humana, individual e coletiva, utilitária e prazerosa” [3].
Para além das questões plásticas, o paisagista teve importante papel como ambientalista, catalogando novas espécies da flora brasileira e introduzindo-as em seus projetos, utilizando-os como laboratório. Contudo, é importante destacar que em seu jardim pessoal, concentrou cada uma das plantas descobertas e transformou o mesmo em viveiro, concentrando as espécies botânicas e contribuindo aos estudos e reconhecimento destas em todo o mundo.
É interessante imaginarmos que todos os dias, milhares de pessoas transitam pelas obras do artista, consciente da espacialidade ou inconscientemente, mas percebendo sensorialmente os elementos que compõe o conjunto, em sua maior concentração nos estados brasileiro do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, mas, também pelos estados de Goiás, Acre e Pernambuco. Os projetos com escalas variadas, entre praças, parques, jardins públicos e privados, que independentemente da dimensão, as obras são sempre marcadas pelo caráter escultórico sensorial à transição do homem no espaço, de modo que há aproximação entre o pedestre e o paisagismo. Entre os principais projetos, estão a Fazenda Marambaia, 1948 (Petrópolis, Rio de Janeiro); a Fazenda Tacaruna, 1954 (Pedro do Rio, Rio de Janeiro); o Aterro do Flamengo, 1961 (Rio de Janeiro); o Paço Municipal de Santo André, 1965 (Santo André, São Paulo); o calçadão da Avenida Atlântica, 1971 (Copacabana, Rio de Janeiro); a Fazenda vargem Grande, 1979 (Areias, São Paulo);o Biscayne Boulevard, 1991 (Miami).
Também é importante lembrar que o paisagista foi fiel amigo e paisagista de muitas das obras de Oscar Niemeyer, Rino Levi e Paulo Mendes da Rocha.
Por analogia, podemos sintetizar que assim como um poeta escolhe cada uma das palavras que irá compor o poema em seu estágio final, Burle Marx idealizava cada um dos elementos que compõe seus jardins de modo singular, traduzindo-os poeticamente. Portanto, a beleza encontrada em seu trabalho é pontuada potencialmente pela proporção entre os elementos que compunham estes, através do emprego das linhas antropomórficas e suas variantes que junto ao emprego de diferentes materialidades e espécies vegetais, traduziam a fluidez e sutileza de seu desenho na integração entre a escala do edifício e a escala vegetal.
Podemos perceber em sua ampla produção que o desenho de cada um dos projetos individualmente foi concebido não apenas para atender às diferentes escalas (territorial, vegetal e humana). E apesar de notavelmente apresentar inovações pela estética artística, pelo uso botânico ou mesmo pela fluidez, Burle Marx afirmou que nunca buscou originalidade, pois segundo ele:
«Este conceito, isto é, meu pensamento atual, baseado numa razoável experiência, não pretende nenhuma originalidade, nenhuma descoberta, sobretudo, porque toda a minha obra responde por uma razão de percurso histórico e por uma consideração do meio natural.
[...] Com o passar do tempo, crescendo cada vez mais a minha experiência junto à natureza e ao trabalho a ela destinado, formei, gradativamente, melhor consciência da obra que desenvolvia» [4]
Percebemos o quão importante foi o papel do paisagista, difundindo espécies vegetais antes desconhecidas, catalogando-as e unindo a Arte ao Paisagismo em respeito nas diferentes escalas do projeto.
Notas
[1] (MOTTA, 1984, p.34).
[2] (CAVALCANTI, 2009, p.76):
[3] (MARX, 1954 In: CAVALCANTI, 2009, p.76-77).
[4] (MARX, 1954 In: CAVALCANTI, 2009, p.76-77).
Referências
CAVALCANTI, Lauro; EL-DAHDAH, Farès. Roberto Burle Marx 100 anos. São Paulo: Rocco, 2009.
MOTTA, Flávio L. Roberto Burle Marx e a nova visão da paisagem. São Paulo: Nobel, 1984.