Cataguases, pequeno município brasileiro pertencente ao estado de Minas Gerais, que concentra população com pouco mais de 70 mil habitantes, ao longo de sua história, ficou conhecida por reunir uma série de significativas obras artístico-culturais ligadas à produção modernista brasileira a partir do século XX. As importantes obras variam entre as Artes Plásticas, Cinema e, sobretudo, Arquitetura, num panorama de produção entre as décadas de 1940 e 1950. Contudo, o peculiar caso é movido ao fato do município, com pequeno perímetro geográfico e populacional, contar com simbólico e potencial patrimônio moderno brasileiro, com obras de Francisco Bolonha, irmãos MM Roberto e Oscar Niemeyer.
Entre as obras arquitetônicas presentes no perímetro da Cidade, dois projetos concebidos por Oscar Niemeyer ajudaram a construir sua história e legado: a Residência Francisco Inácio Peixoto (1940) e Colégio Cataguases (1949). No primeiro projeto, para Francisco Inácio Peixoto, escritor brasileiro, empresário na área industrial e fazendeiro, considerado importante financiador às manifestações artístico-cultural e responsável pela chegada de Niemeyer à região nos anos 40, junto ao paisagismo de Roberto Burle Marx.
O segundo projeto, teve sua obra finalizada pouco depois do término do Conjunto da Pampulha em Belo Horizonte e atualmente abriga sede de escola estadual. Entre suas marcantes características, percebe-se a fruição presente na obra do arquiteto, junto à integração entre as áreas públicas e privadas do edifício e ainda, alguns dos conceitos modernistas estabelecidos por Le Corbusier, como a fachada livre, prédio erguido sobre pilotis, planta livre, emprego de brises soleil, além do uso do concreto armado e marquise demarcando a entrada do edifício, quase num ato de boas-vindas, convidando os alunos a adentrarem o espaço interno.
Apesar de apenas duas obras do arquiteto terem sido construídas no território, a ação colaborou para que outros arquitetos modernistas, decorrentes de Oscar Niemeyer, fossem à cidade para execução de novos trabalhos. Segundo o Guia de Arquitetura Modernista de Cataguases:
Percebe-se nessa cidade que os arquitetos brasileiros tiveram a oportunidade de por em prática suas ideias e seus conhecimentos, assim como seus ideais, além de sua vontade de renovação dos padrões culturais e estéticos. Vê-se claramente a busca pela racionalização dos elementos da arquitetura tradicional brasileira [...]. [1]
No contexto singular, nota-se que o cenário moderno e da busca pela inovação estrutural, técnica e artística que antes parecia ser característica apenas de grandes centros e polos, passou a ser incorporada no pequeno território com cerca de 20 mil habitantes na época, demonstrando que a inventividade moderna seguiria para além das grandes cidades, quebrando preceitos e dogmas socialmente pré-estabelecidos.
Assim, a cidade que parecia remota até então, deu lugar a um centro artístico incentivado por Francisco Inácio Peixoto funcionando como um laboratório de ideias. Dessa forma, assim como no passado, entre os séculos XIV e XV, durante o Renascimento, o Mecenato incentivou a produção artística e cultural, parece que em Cataguases, o escritor teve importante papel nas transformações ocorridas, de modo que sua casa foi a primeira grande arquitetura moderna na Cidade. Contudo, o processo arquitetônico desenvolveu-se intensamente e atingiu números inimagináveis ao pequeno município.
No caso, ainda é fundamental destacar que em Cataguases, há o raciocínio moderno à ideia de obras com variadas tipologias, entre arquiteturas destinadas ao uso público e privado, junto aos conceitos técnicos e artísticos modernos, como já mencionados, numa abordagem que apresenta a ideia de popularização do conceito, de modo que nota-se que os arquitetos iniciaram a ideia como laboratório, possibilitando ensaios construtivos e adensamento da produção, entre as diferentes classes.
No conjunto, há vinte e nove obras catalogadas como as mais simbólicas do Modernismo em Cataguases:
- Residência Francisco Inácio Peixoto – Oscar Niemeyer e Roberto Burle Marx (1940-1942);
- Hotel Cataguases – Aldary Henriques Toledo, Gilberto Lyra de Lemos e Carlos Perry (1948-1951);
- Residência Antônio Hélcio P. Queiroz – Luzimar Góes Telles (1964);
- Matriz de Santa Rita de Cássia – Edgar Guimarães do Valle (1944-1968);
- Educandário Dom Silvério – Francisco Bolonha (1951-1954);
- Residência José de Castro – Francisco Bolonha (1948);
- Residência Wellington de Souza – Francisco Bolonha (1948);
- Residência Roberto Castro Fonseca (1960);
- Residência Cia Industrial – Aldary Henriques Toledo (1947);
- Residência Anamirtes Lacerda – Luzimar Góes Telles (1958);
- Residência Mauro Carvalho Ramos – Luzimar Goés Telles (1955);
- Residência Altamiro Peixoto – Luzimar Góes Telles (1952);
- Colégio Cataguases – Oscar Niemeyer e Roberto Burle Marx (1945-1949);
- Residência José Maria Porto Rocha;
- Residência José Queiroz Filho – Luzimar Góes Telles (1953);
- Residência Jayme Afonso de Souza – Luzimar Góes Telles (1964);
- Residência Ottônio Alvim Gomes – Francisco Bolonha (1957-1958);
- Residência José Pacheco de Medeiros Filho – Francisco Bolonha (1945-1947);
- Residência José Inácio Peixoto – Edgar Guimarães do Valle e Roberto Burle Marx (1948);
- Cine Teatro de Cataguases – Aldary Henriques Toledo e Carlos Azevedo Leão (1946-1952);
- Praça Rui Barbosa – Luzimar Goes Teles e Francisco Bolonha (1957);
- Edifício A Nacional – MM Roberto (1953-1957);
- IAPI - Agência Regional – José Vicente Nogueira (1966-1969);
- Residência José Sereno Lopes – Fernando de Oliveira Graça (1967);
- Vila Operária Cia Industrial – Francisco Bolonha (1960);
- Monumento a José Inácio Peixoto – Francisco Bolonha (1953-1958);
- Sindicato dos Trabalhadores em Energia Elétrica – Luzimar Goes Teles (1958);
- Conjunto Habitacional – Luzimar Goes Telles (1960).
- Praça Manoel Inácio Peixoto – Ubi Bava.
Do ponto de vista arquitetônico, citar o conjunto pertencente à Cataguases, conformado pelo importante e extenso legado moderno, é, sobretudo, destacar a singularidade do conjunto da Obra. O feito icônico, repleto de particularidades reafirma o papel social da Arquitetura brasileira, quebrando a ideia de pertencimento apenas ao território em questão, mas, por garantir importante papel histórico, social e construtivo no cenário nacional.
Nos variados aspectos e peculiaridades, elementos decorrentes da linguagem moderna europeia difundida por Le Corbusier e a tropicalidade dos elementos presentes nas obras de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa ganham destaque na arquitetura produzida ao Município, fundindo-se e garantindo nova linguagem.
Os pontos estabelecidos por Corbusier para uma nova arquitetura têm seus imites diluídos à tropicalidade e funcionalidade técnica da arquitetura carioca de Niemeyer: a planta livre, marca a desvinculação entre os elementos estruturais e paredes internas, permitindo á uma série de projetos públicos e privados da cidade, certa liberdade espacial e consequentemente, a expansão das áreas destinadas à diferentes funções e setores. A fachada livre e janelas em fita marcam grande parcela das edificações em questão, entre residências e projetos institucionais, contudo, os arquitetos, influenciados por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, tendo-os como grandes mestres, adotaram sistemas mais eficazes ao clima brasileiro, como o uso de brises soleil e beiral, na tentativa de controle da luz solar e qualidade térmica. Ainda na tentativa de controle solar, os arquitetos utilizaram com frequência, a adoção de elementos vazados cerâmicos, os chamados cobogós, como elementos e permitindo a entrada de luz natural e brise ao calor, além de sistema de ventilação cruzada.
Ainda se nota o constante uso de pilotis, permitindo fruição entre as áreas dos edifícios e liberdade na disposição da planta. Contanto, a influência de Niemeyer, como já mencionado, foi altamente estudada e trabalhada pelos arquitetos, possibilitando uma série de modelos e experimentações plástico-estruturais aos apoios em concreto armado, como pilares em “V” com dupla abertura, quarta abertura, variação de medidas e seção, etc.
A Arte é outro ponto destaque e uma série de azulejistas foram convidados para auxiliar na composição externa da arquitetura, num ato de “doação”, visto que há quebra à ideia de conter a obra dentro de ambientes fechados e assim, apresentá-los à população que passa pelas residências, aproximando Arte e Arquitetura.
Do ponto de vista urbano, podemos considerar a ideia e debate ao processo de modernização como fator síntese para o desenvolvimento do município, de forma que os arquitetos sob debates entenderam que o progresso urbano, resultaria em um novo modelo á esfera pública e atingindo as diferentes camadas da população.
As obras públicas assumem então, tal significado e materializa a ideia do morar moderno, junto a obras publicas (praças, Colégio, Igreja, Maternidade e Cinema), estabelecendo ações democráticas e garantindo tais direitos à boa prática da arquitetura.
Notas
[1] ALONSO, Paulo Henrique. Guia da arquitetura modernista de Cataguases. 2 ed. Cataguases: Instituto Cidade de Cataguases, 2012. P.11
Referências
ALONSO, Paulo Henrique. Guia da arquitetura modernista de Cataguases. 2 ed. Cataguases: Instituto Cidade de Cataguases, 2012. Disponível em: < http://sv2.fabricadofuturo.org.br/guiamodernista/GuiaCataguases.pdf>. Acesso em 21 Agosto 2017.