Shalom. Três homens em túnicas brancas estendem sincronicamente os braços e saúdam a quem chega com a expressão hebraica que deseja paz e boas-vindas. Por favor, conserve o silêncio no santuário. A locução suave e feminina informa as regras de conduta em meio à trilha sonora celestial. Telões de alta definição exibem imagens florais e passagens bíblicas. Para alcançar a prosperidade, em quem confiar? Vídeos de curta duração divulgam a programação semanal, como a Palestra Motivacional para o Sucesso Financeiro, oferecida às segundas-feiras em seis horários diferentes.
Inaugurado em julho de 2014, em São Paulo, o Templo de Salomão é um dos mais ambiciosos projetos da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). O evento, que contou com a presença de autoridades políticas de alto escalão, foi amplamente coberto pela imprensa, que não poupou espaço para divulgar os números monumentais da construção: os 74 mil metros quadrados de área construída podem receber até 10 mil pessoas e 2 mil veículos. As fachadas e o piso do salão principal são revestidos com pedras trazidas do Oriente Médio. Da mesma região vieram as oliveiras que adornam o jardim; as tamareiras foram trazidas do Uruguai. Segundo divulgado, custou R$ 680 milhões financiados exclusivamente pelas doações dos fiéis.
A título de comparação, o valor do seu metro quadrado é praticamente o dobro da Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, edifício projetado pelo arquiteto português Álvaro Siza e considerado uma referência em arquitetura, museologia e tecnologias construtivas contemporâneas.
Observada a distância, a edificação emerge em meio ao excesso de informação da paisagem, com sua volumetria facilmente legível e seu tom arenoso pálido. Localizado no Brás, bairro de vocação industrial e de comércio atacadista, também é historicamente ponto de atração para imigrantes, dos italianos e nordestinos no século 20 até os bolivianos e africanos de hoje. Ao somar a isso a onipresença das igrejas evangélicas, que fazem da área uma espécie de Meca pentecostal, o Brás é hoje um dos bairros mais instigantes de São Paulo, apesar de castigado pela expansão urbana descontrolada e pela arqueologia reversa da autoconstrução, fenômenos que a cidade conhece tão bem.
Apesar da escala desproporcional, o edifício mimetiza-se cromaticamente com seu entorno próximo. No entanto, essa afinidade tonal não é mera coincidência. Segundo a imprensa, a Universal comprou cerca de 40 imóveis na região para reforma, demolição ou investimento, o que teria inflacionado o mercado imobiliário local, além de ocasionado pressões nada carismáticas a alguns vizinhos que se recusaram a vender seus imóveis à congregação.
Quanto à sua linguagem arquitetônica, o que se observa é uma espécie de “pastiche ampliado”. O discurso visual adotado utiliza elementos que vão desde vidros espelhados da arquitetura corporativa a simbologias do Velho Testamento, sobretudo da cultura judaica. Exemplo disso é a gigantesca Arca da Aliança que, dourada e parcialmente oculta por trás de uma cortina diáfana, faz as vezes de fundo de palco da sala cerimonial. Para quem entra desavisado nesse espaço impressionante, especialmente quando se vem desde o ambiente hiperestimulante do bairro, o impacto de avistá-la é marcante. Aliada à luz de baixa intensidade, ao potente tratamento acústico, ao oceano de confortáveis poltronas e aos estímulos sonoros e visuais citados no início do texto, o que se experimenta ali é algo próximo da sensação de transcendência.
Ritual de controle
A presença massiva de aparatos de vigilância também chama atenção. O circuito de câmeras instaladas ao redor é reforçado por seguranças que circulam a pé ou de carro. Para entrar no edifício é necessário passar por um ritual de controle: após deixar os aparelhos eletrônicos no guarda-volumes do subsolo-garagem (dada a proibição de fotografar no interior do “santuário”) é preciso passar por uma bateria de seguranças, que, posicionados à frente da entrada principal, revistam as bolsas e escaneiam os corpos com detectores de metais. Embora com ares de distopia, essa imagem de segurança total parece trabalhar a favor da ideia de proteção oferecida pelo local. O que se vê é uma nova roupagem para o conceito de gated communities, que tem os shopping centers como equipamento urbano exemplar, objeto de fervorosas críticas dos urbanistas contemporâneos.
Fundada em 1977, a Igreja Universal do Reino de Deus é hoje considerada o sexto maior grupo religioso do País, reunindo parte significativa dos perto de 25 milhões de adeptos a religiões pentecostais no Brasil. Além dos templos, o projeto expansionista da Universal conta ainda com veículos de comunicação, programas sociais e projetos educacionais. A Godllywood School, por exemplo, é um projeto voltado a meninas de 6 a 14 anos, cujo propósito é “resgatar valores esquecidos na sociedade feminina, formando mulheres melhores em todos os aspectos, aliando o cuidado pessoal com o apoio social”. No que se refere à programação do Templo, nos seis dias de operação são oferecidas 21 “reuniões” com temáticas que vão desde estudos sobre o Livro do Apocalipse até aconselhamento sobre finanças, passando por questões espirituais, amorosas, de saúde e de combate ao estresse.
A Organização Mundial da Saúde aponta que a depressão será a segunda forma de incapacidade mais recorrente no mundo, em 2020. Segundo o italiano Franco Berardi, teórico ligado a estudos sobre tecnologia e comunicação, os altos índices de depressão estão intimamente ligados a processos econômicos dos tempos atuais, quando as políticas neoliberais impelem o sujeito a altos níveis de competitividade e frustração. Nesse sentido, com o difundido slogan “pare de sofrer”, a Universal está em concordância com as estatísticas do órgão. Da mesma forma, a Teologia da Prosperidade, doutrina na qual se funda o discurso das igrejas neopentecostais que prega que a “bênção financeira é o desejo de Deus para os cristãos e que a fé, o discurso positivo e as doações para os ministérios cristãos vão sempre aumentar a riqueza material do fiel”, está alinhada com a lógica do consumo mencionada por Berardi. Ao aproximar, portanto, questões de saúde emocional e riqueza material, a IURD e seu templo-monumento, implantado sobre a ruína industrial da cidade de São Paulo, parecem estar em perfeita sintonia com os desafios do mundo contemporâneo.
Publicado originalmente na revista Select no dia 9 de agosto de 2017 e posteriormente, no dia 11 de setembro daquele ano, no ArchDaily Brasil.