Qual o propósito de uma cidade? Descrita por Levi-Strauss como "a coisa humana por excelência", faz sentido pensar que a cidade é o resultado de relações humanas - de toda sorte. Frequentemente definidas, no curso da história, em função de aspectos comerciais - a praça, o mercado, a alfândega -, cabe refletir qual o propósito de uma cidade no século XXI. Encontrada a resposta da incógnita, ela pode ser vista refletida em suas arquiteturas que, por sua vez, ajudam a compor o espaço urbano.
O propósito de São Paulo parece ser o business. Pelo menos é o que a administração municipal gostaria que fosse - e o que ela pretende fazer refletir nas arquiteturas da cidade.
Lamentando a ausência de ícones arquitetônicos na maior cidade do país, o atual prefeito de São Paulo, João Doria, em matéria publicada pela Folha de S. Paulo, afirma que "é inacreditável como a terceira maior capital do mundo, a sétima maior cidade do planeta, não tem edifícios icônicos. Qual é o símbolo da cidade? Não tem."
Doria está certo; São Paulo não é Doha, tampouco Xangai. Em seu discurso - proferido desde a campanha eleitoral - que tem como objetivo fazer da cidade um centro global de investimentos, "ícone arquitetônico" está muito mais próximo de "espetáculo" que de "marco" - e nesse sentido, São Paulo realmente está atrás no jogo do mercado imobiliário no qual competem, com aranha-céus envidraçados e estruturas arrojadas, metrópoles de todo o mundo globalizado.
Há, contudo, ícones na cidade - poucos dos quais, citados pelo próprio prefeito. MASP, e Ponte Octavio Frias de Oliveira (ponte estaiada), certamente, mas muitos outros que passaram batido. Copan, Edifício Itália (ambos no centro da cidade), Sesc Pompeia e MuBE também figurariam em uma suposta lista de ícones da cidade de São Paulo.
É, todavia, pertinente questionar: precisamos de ícones arquitetônicos na cidade? Ou a cidade - e suas administrações públicas - deveriam voltar sua atenção mais aos "marcos" arquitetônicos? O termo, cunhado por Kevin Lynch nos anos 1960, refere-se mais a elementos que pontuam a paisagem urbana - podendo, sim, ser icônicos - e contribuem para a compreensão e mapeamento mental do espaço, que a arquiteturas espetaculares. Marco, portanto, carrega consigo significados corpóreos relacionados ao caminhar na cidade, à experiência do espaço urbano na escala humana - em contraponto a "ícone" que, no contexto sugerido pelo prefeito, aponta a uma cidade visual, à arquitetura do espetáculo, que, em última instância, levará São Paulo (tanto faz, Jacarta, Londres, Seul, e outros centros financeiros) ao genérico.
Percorremos já um bom caminho neste novo século e as cidades continuam crescendo. Ao invés de almejar apenas a construção de novos ícones, deveríamos atentar mais aos nossos marcos e verdadeiros patrimônios - que em São Paulo são muitos, da torre da Estação Júlio Prestes ao Sesc 24 de Maio, do Obelisco do Ibirapuera ao edifício Viadutos de Artacho Jurado.
Ignorar isso é querer "acelerar" sem se dar conta que a marcha engatada é a ré. Cidades para pessoas, essas são as cidades do século XXI.