Muito se fala sobre os avanços arquitetônicos nos quesitos social, político, técnico-construtivo e ambiental. Contudo, nos mais variados discursos e ocasiões, a estaticidade sempre assumida pela Arquitetura ainda é pouco comentada. Quando falamos sobre o tema imediatamente imaginamos “corpos” pesados e estáticos. A humanidade historicamente desenvolveu-se trabalhando em conjunto com a natureza, através da observação, adaptação e o respeito a ela. E esse fator é mais latente quando pensamos na água, que cobre aproximadamente 71 por cento da superfície do planeta.
Com mais da metade da área do planeta recoberta por corpos hídricos e milhares de pessoas vivendo em suas proximidades ou zonas afetadas por catástrofes ambientais, pensar sistemas capazes a adaptar-se, por meio de arquiteturas flutuantes, pode ser imprescindível para o futuro no campo da arquitetura.
Na floresta amazônica – maior bacia hidrográfica do mundo, há quem viva parcialmente em embarcações, transitando de modo nômade, em virtude dos períodos de cheia dos rios nas diferentes épocas do ano. E com o intuito de transitar junto às residências flutuantes, a sabedoria popular desenvolveu as casas em palafitas – esbeltas estruturas de madeira sustentando as habitações elevadas ao nível d’água. Ainda assim, geralmente os atendimentos médicos e escolas, por exemplo, localizam-se a quilômetros de distância, forçando diariamente longos deslocamentos pelos corpos d’água.
Nos aglomerados urbanos, as camadas sociais mais baixas geralmente acabam por ocupar áreas vulneráveis ambientalmente, suscetíveis a inundações e deslizamentos, sofrendo em épocas de chuva. Em 2011, o terremoto e tsunami de Sendai destruíram extensa área no Japão e áreas adjacentes. Por conta da força da natureza, o papel da tecnologia ainda resume-se a mitigar os danos causados por esses eventos.
Na década de 1970, o instigante grupo Archigram foi responsável pelo projeto The Walking City, uma cidade andante, adaptável, construída sobre imensos contêineres, em estrutura metálica e pernas móveis, com a finalidade de deslocar-se livremente pelo solo ou água. Se a arquitetura utópica, num sistema híbrido entre submarino e nave espacial, provocou reflexões sobre o futuro da arquitetura, hoje, analisando o contexto geográfico conjuntamente aos problemas sociais a exemplo de lugares carentes às condições básicas, podemos entendê-la como um embrião de arquiteturas capazes de adaptarem-se aos diferentes territórios, de modo menos ostensivo.
Podemos pensar a dinâmica dessas arquiteturas flutuantes e seu papel como importante agente no fomento de qualidade de vida aos povos menos abastados ou vítimas de catástrofes ambientais. Para além de residências, elas podem responder a problemas imediatos como espaços dedicados aos programas educacionais, culturais e ligados à saúde e infraestruturas diversas, levando em consideração o esgotamento sanitário, o tratamento da água e ainda adaptando-se às variações da maré e aumento no nível d’água.
Nos últimos anos, o arquiteto Marko Brajovic, radicado no Brasil, tem estudado o processo e conceitos da natureza como solução de problemas, pela visão da Biomimética. Para ele, a natureza é como um designer de 3.8 bilhões de anos de experiência, capaz de responder inúmeros problemas técnicos, fornecendo dados para a instrumentalização da tecnologia. No processo de seu ateliê, a arquitetura, não pensada como formato, mas como processo, é dividida em três diferentes linhas de pesquisa: Biomimética, Fenomenologia e Comportamentos da natureza. Diante do caráter híbrido e diversidade dos ensaios projetuais, tem estudado as água como importante meio às arquiteturas flutuantes. Conjuntamente a Nacho Marti, mestre em Ciências em Tecnologias Emergentes e Design na Architectural Association School of Architecture de Londres, tem promovido workshops na Amazônia buscando o encontro entre diferentes estudantes e pesquisadores, a fim de encontrar soluções à aplicação destas arquiteturas.
Carlo Ratti, arquiteto, professor e pesquisador do MIT (Massachusetts Institute of Technology), recentemente, propôs uma praça flutuante centrada na Lagoa Lake Worth. Livre de estruturas fixas será construída sobre câmaras de ar, equilibrando-se diante da concentração e controle do mesmo. A proposta não é a primeira utilizando o sistema, anteriormente o professor propôs uma academia flutuante sobre o rio Sena, em Paris, intitulado Paris Navigating Gym.
Os projetos do arquiteto nigeriano Kunlé Adeyemi, também merecem destaque. Á frente do escritório NLÉ Architects, o ex-discípulo de Koolhaas têm apresentado estudos e projetos cada vez mais solidificados na tentativa de resolução aos problemas sociais intrínsecos regionais. O caso da Escola Flutuante de Makoko, em Lagos, vislumbrou uma arquitetura vernacular, capaz de atender uma série de alunos da comunidade.
Abordamos o tema em resposta aos obstáculos que ainda regem a arquitetura quando amparada às problemáticas ambientais e, sobretudo, sociais. Se há progresso em técnicas construtivas, tecnologias e novos materiais, ainda há defasagem e escassez nos estudos e ideias conceituais. Cabe aos estudantes, arquitetos e pesquisadores, refletirmos e buscarmos soluções passíveis de implantação.