Paulo Mendes da Rocha é o arquiteto brasileiro vivo com maior reconhecimento no mundo. Ganhador do Prêmio Pritzker em 2006, do Leão de Ouro da Bienal de Arquitetura de Veneza em 2016 e da Medalha de Ouro do Instituto Rea Britânico de Arquitetos (RIBA), ele é responsável por obras icônicas como o Pavilhão do Brasil em Osaka em 1970, o Museu Brasileiro de Escultura (Mube), a reforma da Pinacoteca de São Paulo, do Museu do Museu dos Coches em Portugal e, mais recentemente, do Sesc 24 de Maio na capital paulista. Porém, na sua palestra magna na II Conferência Nacional de Arquitetura e Urbanismo ele fez questão de ressaltar a importância das cidades, em vez de obras isoladas. “A cidade é o monumento supremo da Arquitetura. Arquitetura não é para ser vista, é para ser vivida”, afirmou.
Em frente a mais de 400 arquitetos e urbanistas e estudantes, celebrado como uma estrela da Arquitetura mundial, falou mais sobre projetos políticos do que de projetos de obras. Ressaltou a “extraordinária importância” do Congresso Mundial de Arquitetos de 2020, a ser realizado no Rio de Janeiro pela União Internacional de Arquitetos (UIA), que representa mais de 3 milhões de profissionais em todo o mundo. Uma oportunidade, segundo ele, de estabelecer uma política solidária para mudar o rumo que as cidades contemporâneas estão tomando rumo a desastre. “A política é a questão fundamental, principalmente para nós americanos. Contrariar dogmas é a primeira questão de qualquer ação política”. O Congresso seria então a grande oportunidade para uma revisão crítica da política colonial que marcou a história das Américas, em defesa da Arquitetura como forma de conhecimento.
Nesse sentido, a Revolução Russa, que completa 100 anos em 2017, marca a grande transformação da história. O construtivismo soviético lançou a ideia de planejamento territorial. “Arquitetura não como forma isolada, mas como planejamento de todo o desenvolvimento do território”, na sua definição. Paulo Mendes da Rocha usou essas ideias para promover uma proposta grandiosa e ousada para o Brasil: unir as bacias hidrográficas do Araguaia-Tocantins e do Paraná, por meio de um sistema hidroviário que permitisse a navegação entre todos esses enormes rios, criando uma segunda costa no interior do país. “Nunca navegamos nossos rios e temos que torná-los navegáveis. Nada mais brilhante para contrariar a estupidez do tratado de Tordesilhas”, afirmou, referindo-se ao acordo feito no século XV entre Portugal e Espanha para dividir a América.
Novas cidades ribeirinhas
“O mundo inteiro foi desenvolvido com a chamada navegação interior. Nunca fizemos isso, teríamos que fazer parcerias com técnicas e sabedorias específicas junto com países vizinhos. Nunca fizemos uma ligação ferroviária, teríamos que fazer várias vezes, em parceria com outros países. Estaríamos construindo a paz no continente americano, acabando com as divisas”, disse. “Uma rede de ligação que criaria inúmeras novas cidades portuárias fluviais, interligadas por uma rede ferroviária, todas com razão de ser. Cidades que surgiriam de uma estrutura de planejamento urbano, eis o horizonte do paradigma das cidades novas. Se esse Congresso da UIA levantar temas desse ordem, seria interessantíssimo esse tipo de questão para nossa ação política.”
Novas cidades que aboliriam o uso do carro como meio de transporte urbano. “O grande mal do automóvel, que pouco se comenta, é a desmoralização completa do próprio indivíduo humano. Esse cretino que fica parado no trânsito, falando no celular, carregando um motor a explosão e 800kg de lataria. É uma estupidez muito violenta”, afirmou. Ele imagina como seria essa nova cidade sem carros. “Um camarada que conta com transporte público tem uma imensa liberdade, inclusive do gozo da vida na cidade. Sai do trabalho às seis da tarde, pode pegar o metrô a cada dez minutos, ele não tem nenhuma preocupação. Vai até a esquina, senta para tomar uma cerveja, encontra amigos. Um deles fala de uma peça de teatro que está em cartaz. Ele pega o celular, convida sua mulher para vir encontrá-lo. Isso é um gozo da cidade. Enquanto isso, o outro ainda está lá, trancado no carro.”
São propostas que rejeitam modismos, como as “casas inteligentes”. “Casa inteligente deve ser um inferno, a graça é uma casa burra, que você tem que trabalhar em cima dela. A casa contemporânea já é presumidamente inteligente, ela possui esgoto, luz elétrica, etc, etc. Não é possível que não seja inteligente. Mas ela que não se meta a besta”, brincou. “Não vejo muita razão de inovar na Arquitetura. Muito mais que criar algo novo é realizar antigos sonhos de toda a humanidade. O arquiteto não faz uma obra pra si, faz pra humanidade.” Ele insiste que a saída está mais na política que na tecnologia. “O mundo está em transformação. Vamos exercer essa politica com força”, disse, ressaltando o CAU e o Ministério das Cidades como pontos de encontro para essas transformações. “Ação política enquanto cidadãos, não apenas como arquitetos, criando uma cidadania consciente e mundial”.
Sesc 24 de Maio
Paulo Mendes da Rocha também falou de sua mais recente criação: o Sesc 24 de Maio, em São Paulo, cuja maior ousadia está em colocar uma piscina no topo do edifício, inserindo um elemento inovador no horizonte de concreto da cidade. “O Sesc existe em inúmeras sedes, a grande virtude é essa, criar recantos onde o comerciário pode comer, ler, ver peças de teatro. O que não era de se esperar é que tivesse piscina no centro da cidade. A proposta foi minha, pensei que eles não iam topar, uma carga enorme lá em cima, custo alto.” Ele conta que, em parceria com o escritório MMBB Arquitetos, aproveitou o vazio interno do prédio, em forma de quadrado, para fazer em cada canto um novo pilar que vai do topo à fundação. “Pra mim tem uma graça particular: fazer uma piscina pros moleques office-boys, para que os executivos que batem teclas no computador vejam esses garotos espirrando água para todo lado”.
Considerado o maior representante da chamada Escola Paulista de Arquitetura, movimento liderado por Vilanova Artigas na segunda metade do século XX, Paulo Mendes da Rocha aproveitou a oportunidade para desmistificar alguns conceitos. Essa escola teria menos a ver com técnicas de construção do que com a forma de pensar do arquiteto. “É impossível ensinar Arquitetura, mas pode-se educar um arquiteto. A essência da escola paulista é essa, não tem a ver com concreto aparente, isso é frescura, é bobagem”. Aproveitou para desmistificar também as honrarias que vem recebendo em sequência nos últimos anos, elevando seu prestígio mundo afora. “É o inferno. É a pior coisa que pode acontecer na sua vida, não adianta coisa alguma. As entidades têm que dar prêmio todo ano, então eles procuram e acham alguém.”
Ao final da palestra, entretanto, ele não escapou de mais uma homenagem. O presidente do CAU/BR, Haroldo Pinheiro, entregou-lhe uma placa metálica em reconhecimento à sua obra e sua força para inspirar diferentes gerações de arquitetos. “Como arquiteto, como professor, como ator importante nas nossas organizações, você é uma referência da nossa profissão e um dos responsáveis pela criação de nosso conselho. Esta placa é apenas um breve registro do respeito, amizade, carinho e admiração que temos por você”, afirmou Haroldo. A enorme fila de pessoas que se formou atrás de Paulo, seguindo-o na saída da Conferência Nacional de Arquitetura e Urbanista, para tirar fotos ou falar com ele, não deixou dúvidas quanto ao tamanho desse sentimento.
Via CAU/BR