Todos os anos, desde 1985, na primeira segunda-feira de outubro, é celebrado o Dia Mundial do Habitat. Esta tem sido uma das estratégias da agência ONU-Habitat para disseminar, a governos e cidadãos, campanhas e mensagens relacionadas ao tema. Neste Dia Mundial do Habitat, depois de muitos anos sem abordar a questão, a declaração da agência enfoca a necessidade urgente de implementação de políticas habitacionais de interesse social pelos governos.
Nos últimos vinte anos, os relatórios e documentos de políticas públicas, tanto da ONU-Habitat quanto de outros órgãos e agências multilaterais, têm enfatizado a tese de que os governos deveriam se retirar do setor de habitação e passar a ser um “facilitador” para o mercado. Claro que a ideia de “retirada” está diretamente ligada à experiência de países europeus que, especialmente no pós-guerra, investiram fortemente em moradia, construindo e garantindo um estoque público alugado a preços baixos para quem não podia encontrar solução habitacional no mercado privado. Entretanto, desde os anos 1970, estas políticas vem sendo desmontadas.
O resultado, hoje, é que temos problemas habitacionais graves não apenas no chamado mundo em desenvolvimento, ou Sul global, mas também nos países considerados em desenvolvidos. Atualmente, segundo a ONU-Habitat, em duas de cada três cidades do mundo, os filhos moram em condições piores que a de seus pais. Estamos falando, portanto, de regressão na situação de moradia em países como Inglaterra, Estados Unidos e outros. Essa piora está relacionada com a existência de moradias precárias e situações de coabitação, mas tem muito mais a ver com os preços proibitivos da moradia, inacessíveis para a maioria das pessoas, especialmente para os jovens. Isso implica, ainda, em sacrifícios em outras dimensões da vida cotidiana para que seja possível pagar as despesas com a casa.
Citando um relatório produzido pelo Lincoln Institute, a partir de uma amostra de cidades do mundo com mais de 100 mil habitantes, a ONU-Habitat afirma que só 13% destas cidades contam com políticas para tornar a moradia acessível para seus moradores. Ou seja, chegamos a uma situação em que a questão habitacional é urgente e as políticas públicas são praticamente inexistentes.
Aqui no Brasil, hoje, o tom das políticas sociais, em geral, e da política habitacional, em particular, é exatamente este: o Estado precisa cair fora e o mercado é que tem que dar conta das demandas. Mas quando vemos o resultado da aplicação deste paradigma ao longo das últimas décadas – e a regressão provocada no campo da moradia –, parece óbvia a necessidade urgente de políticas habitacionais de interesse social que, infelizmente, só funcionam com investimentos diretos – ou seja, com gasto público.
Artigo originalmente publicado no Blog da Raquel Rolnik em 9 de outubro de 2017.