Jaime Lerner: Arquitetos precisam ter coragem de fazer coisas simples e imperfeitas

O arquiteto e urbanista Jaime Lerner foi três vezes prefeito de Curitiba, duas vezes governador do Paraná e presidente da União Internacional dos Arquitetos (UIA). Em 2010, foi escolhido pela revista “Time” como um dos 25 pensadores mais inovadores do mundo. Celebrado como um dos mais importantes urbanistas em atividade, Jaime emocionou mais de 300 arquitetos e urbanistas presentes na II Conferência Nacional de Arquitetura e Urbanismo com lições poderosas sobre otimismo, inovação e a construção de cidades mais justas e sustentáveis.

“Temos que ter a coragem de fazer coisas simples e imperfeitas. A Arquitetura as vezes é um compromisso com a simplicidade e imperfeição. Temos que ter orgulho da nossa constelação de arquitetos-estrelas, mas precisamos mais de uma constelação de arquitetos preocupados com as cidades. Menos ego-arquitetos, mais eco-arquitetos”, afirmou ele na palestra magna de abertura do evento, mediada pelo vice-presidente da União Internacional de Arquitetos (UIA), Roberto Simon. 

Prestes a completar 80 anos, Jaime tem pressa de realizar. Trabalhando em conjunto com jovens arquitetos, ele está desenvolvendo uma diversidade de projetos que inclui a retomada do Parque do Guaíba, em Porto Alegre, a concepção de um carro feito de material reciclável e até mesmo cinema: o filme “Uma História de Sonhos”, de Carlos Deiró, mostra a vida e as ideias revolucionárias de um dos principais expoentes da Arquitetura e Urbanismo do Brasil. “Estou sempre com um brinquedo novo”, conta. “Procuro fazer de cada dia uma alegria. Não faço nada que não seja por prazer. Tenho encontrado tantos colegas que pensam a mesma coisa, e isso me dá uma alegria que não se paga.” 

Ele reconhece, entretanto, que o momento atual traz uma série de preocupações que desafiam esse otimismo. Enxerga no mundo uma “conspiração da mediocridade” que, incapaz de criar ideias novas, apega-se a rotinas pré-estabelecidas. “Estamos na base de uma burocracia temerosa, com medo de tomar decisões. Isso leva a uma visão pessimista, que traz uma frustração a todos”, afirmou. Jaime recorre ao poeta espanhol Antonio Machado para ilustrar essa frustração:

Luz del alma, luz divina,
faro, antorcha, estrella, sol…
Un hombre a tientas camina;
lleva a la espalda un farol. 

(Luz do espírito, luz sagrada,
lanterna, tocha, estrela, sol…
Um homem às cegas na estrada;
leva nas costas um farol.)

“Nós estamos cada vez mais formando especialistas que estão com farol nas costas, que não conseguem focar no futuro com uma visão sustentável, que criam slogans como ‘cidades resilientes’, ‘smart cities’, tudo no sentido de vender gadgets. Por isso mercados orientados por gente que não sabe fazer acontecer”, disse. A solução, segundo Jaime Lerner, está na simplicidade. “Rapidez é importante, por isso começamos com a ideia de acupuntura urbana, transformações rápidas com uma atuação pontual que pode criar uma sinergia para melhorar a cidade. Ás vezes nós demoramos porque queremos ter todas as respostas, não podemos ser tão prepotentes assim. Precisamos entender que planejamento é uma trajetória onde nós podemos começar mas temos que deixar que a população nos corrija quando estivermos no caminho errado. Começar, fazer rápido. Queremos discutir demais, perdemos a oportunidade da mudança”. Para ele, a solução para as cidades está em apenas três medidas:

  • Usar menos carro
  • Morar perto do trabalho
  • Separar e reciclar o lixo

Ações que não são tomadas por causa do farol das costas, simbolizado pela insistência em soluções rodoviaristas, dando ainda mais espaços para carros, e programas habitacionais superados, como o “Minha Casa Minha Vida Meu Fim de Mundo”, no trocadilho inventado por Jaime. “O problema esta na concepção da cidade, quanto mais tivermos nas cidades moradia, trabalho, mobilidade juntos, mais perto estaremos da solução”, disse. Ele explicou que não há como destinarmos 25m² para guardar o carro em casa e mais 25m² para guardá-lo no trabalho, é preciso dedicar esse espaço para construir cidades melhores. “Em São Paulo há 5 milhões de carros, vocês podem imaginar o que poderia ser feito se conseguíssemos distribuir melhor esse espaço para conseguir moradias mais próximas”. 

“Eu espero, cada vez mais, que esse Congresso Mundial de Arquitetos em 2020 reúna grandes exemplos, mais cidades que sejam exemplos de mudanças coletivas. O Rio vai ser cenário de um Congresso fantástico. Não é possível que aqueles que virão ao rio não se entusiasmem com esta cidade”, afirmou. “Não é um momento de otimismo, mas conheço o pais, conheço os arquitetos, sou um otimista incorrigível em relação futuro de nossa prática”.

Via CAU/BR

Sobre este autor
Cita: Romullo Baratto. "Jaime Lerner: Arquitetos precisam ter coragem de fazer coisas simples e imperfeitas" 14 Out 2017. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/881439/jaime-lerner-arquitetos-precisam-ter-coragem-de-fazer-coisas-simples-e-imperfeitas> ISSN 0719-8906

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