A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP) está completando 70 anos. Entre as diversas contribuições à produção de conhecimento no campo da arquitetura, urbanismo e design feitas ao longo de sua história, uma se destaca particularmente ao associar uma escola, no sentido prático de um estabelecimento de ensino, a uma “escola”, uma corrente de pensamento dentro da arquitetura. Trata-se da chamada Escola Paulista de Arquitetura Moderna, grupo de arquitetos e pensadores sobre arquitetura brasileira que constituiu, desde os anos 1950, um movimento no interior do modernismo.
O próprio prédio da FAU, projetado por Villanova Artigas, no Campus Butantã da USP, é uma das principais expressões e inspirações dessa escola. Mas, talvez uma de suas características mais relevantes seja sua enorme capacidade de renovação e reinvenção no presente. Não se trata, portanto, de um movimento “do passado”, do extinto século XX com suas promessas de modernidade, mas um léxico – e também, eu diria, uma ética, que se reatualiza diante dos desafios do presente.
Dois projetos que acabam de ser inaugurados em São Paulo falam muito sobre o conjunto de valores que caracterizam essa escola. O SESC 24 de Maio, no Centro, de autoria do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, uma das maiores referências da Escola Paulista, em parceria com o escritório MMBB; e o Instituto Moreira Salles (IMS), na Avenida Paulista, de autoria do escritório Andrade Morettin. Separados por uma década, tanto o MMBB quanto o Andrade Morettin foram formados nos anos 90 por ex-alunos da FAU.
Os dois projetos revelam explicitamente seus processos construtivos: os insumos usados nas obras aparecem o tempo todo; sem forros ou revestimentos a estética que se revela é aquela dos materiais em sua forma bruta, na beleza de suas funções construtivas. Há quem diga que esta característica tem muito a ver com a própria origem da FAU, que surgiu em contraposição a escola de arquitetura do Rio de Janeiro, constituída a partir das Belas Artes. Em São Paulo foi a engenharia, e mais especificamente a Politécnica da USP, que originou a nova faculdade.
Para além de outros elementos construtivos e de linguagem, que certamente colegas arquitetos e críticos de arquitetura muito mais especializados no tema do que eu já apontaram, quero chamar a atenção aqui para outro elemento central da Escola Paulista: a relação da arquitetura com o urbanismo ou do edifício com o lote e a cidade.
Nos dois edifícios as opções de projeto fazem com que a cidade continue para dentro dos prédios, recepcionada em grande estilo e convidada a percorrer os andares superiores. No SESC, o térreo é para se constituir numa espécie de praça, que pode ser acessada a partir de mais de uma rua. Nos dois casos deste térreo-que-continua-a-cidade, o visitante é conduzido, por rampas no SESC e por escadas rolantes no IMS, até o último dos andares dos edifícios.
Em tempos de privatizações e cercamentos e de edifícios que se pretendem âncoras para operações imobiliárias, a reafirmação dos valores da Escola Paulistana nesses novos centros culturais da cidade é um respiro e um alento.
Resta para as gerações que são hoje os estudantes e arquitetos inspirados pelos valores da escola a disseminação desta posição para além de centros culturais e museus, para os usos corriqueiros da vida cotidiana.
Publicado originalmente no Blog da Raquel Rolnik em 17 de outubro de 2017.