No livro Amares, publicado em 1993, o escritor uruguaio Eduardo Galeano afirma que Niemeyer conseguiu fazer pouco contra o capitalismo, mas tem feito muito contra o domínio da linha reta na arquitetura moderna. Traçou o caminho para a redescoberta da geometria biomórfica, aproveitando ao máximo as possibilidades técnicas e estruturais do concreto armado, desenvolvido posteriormente por Le Corbusier em Ronchamp, Jørn Utzon e Eero Saarinen.
Niemeyer utilizou um sistema metodológico multifocal tão forte e criativo que acabou por influenciar não apenas os mestres da geração moderna, mas também a linguagem fluida dos contemporâneos Toyo Ito, Kazuyo Sejima, Alvaro Siza e Zaha Hadid. Entrevistada pelo jornal espanhol "El Paìs" em 2015, a própria Hadid afirma que "Niemeyer era um virtuoso do espaço. Possuía um talento inato para a sensualidade. (...) Ele construiu formas de concreto aparentemente líquido e tirou de Le Corbusier todo o talento escultural que a modernidade manteve fechada em uma gaiola cartesiana. O Le Corbusier mais livre saiu no Brasil".
As influências
Reconhecido pela UNESCO como um dos mais férteis criadores modernos, Niemeyer é um importante ponto de referência nas obras de alguns bem conhecidos arquitetos contemporâneos.
Basta dar uma olhada, por exemplo, no projeto do Álvaro Siza para os escritórios da Shihlien Chemical Industrial em Jiangsu (China, 2014), as curvas brancas do Museu Iberê Camargo em Porto Alegre (Brasil, 2008) ou as piscinas públicas de Cornellá, a alguns quilômetros de Barcelona (2006), para entender como o mestre português tenha sido interessado por anos no estilo do arquiteto carioca. Em Cornellá, a pérgola de concreto branco do pátio liga suavemente com o corpo oval, assim como o abrigo da Casa do Baile de Pampulha (1940) conecta delicadamente o cilindro central aos jardins do pátio. Anos atrás, o próprio Siza no famoso edifício Bonjour-tristesse em Berlim (1984) pareceu reinterpretar a sinuosa concavidade e convexidade do edifício Copan em São Paulo, Brasil (1951).
Villa 08, que Mansilla e Tuñon construíram em Nanjing (China, 2013), lembra o jogo sinusoidal da Casa das Canoas (1951), com sua cobertura de "forma livre" – conforme definido por Bruno Zevi – que protege a face em vidro e conversa com o brise soleil leve em bambu.
O uso do branco, o minimalismo, a geometria biomórfica, o "método de extrusão", a concatenação entre a natureza e o artifício, a cobertura que voa para proteger a pele transparente, são todos temas Niemeyerianos presentes em muitas obras dos maiores arquitetos japoneses, como Arata Isozaki, Toyo Ito, Kazuyo Sejima, Ryue Nishizawa.
Nishizawa que, no Teshima Art Museum (Japão, 2011), parece dialogar com o projeto do centro religioso em Saint Baume (França, 1967): a casca branca que descansa diretamente no chão, construída de acordo com o método de construção descrito pelo mestre brasileiro: o primeiro que cria uma colina artificial e derrama uma fina camada de betão sobre essa. Poderosa a qualidade espacial do interior. Panteão contemporâneo com uma intensa relação branco-verde com os jardins circundantes.
A “Grace Farm” que Sejima e Nishizawa (Sanaa), construíram em New Canaan (Estados Unidos, 2015), pode ser lida como uma interpretação da escala territorial da Casa do Baile (1940) e da marquise do Ibirapueira em São Paulo (1950): têm em comum o tema do plano inclinado do telhado e da continuidade orgânica entre as linhas e as superfícies côncava e convexa.
O próprio Nishizawa cuidou do último ano da exposição "O homem que construiu Brasília" no Museu MOT em Tóquio, a primeira grande retrospetiva de Niemeyer no Japão, grande sucesso de público.
Protagonista da exposição é um sistema de maquetas de grande escala: um sobre o Museu de Niterói e a sua relação com a península que o hospeda; outro sobre os módulos estruturais das colunas em forma de arcos invertidos do Palácio da Alvorada e da Catedral de Brasília; e ainda outro, enorme, da marquise do Ibirapuera, cuja morfologia influenciou tanto a arquitetura do estúdio Sanaa.
Toyo Ito também aplicou em vários projetos morfologias e conceitos típicos de Niemeyer: por exemplo o tema da sucessão de arcos de betão armado de dimensões variáveis, adotado no edifício Mondadori em Segrate (Milão, 1968).
Na biblioteca da Universidade de Tama (2009), os arcos não são apenas sinta-se na fachada, como em Segrate, mas "corta" e anima o espaço interior da biblioteca.
Pesquisas atuais
Alguns estudos sobre a metodologia de projeto adotada pelo mestre carioca foram desenvolvidos com diligência recentemente, especialmente na Espanha e no Brasil: graças à crítica de Ruth Verde Zein na Faculdade de Arquitetura da Universidade Presbiteriana Mackenzie de San Paolo; em Porto Alegre, graças à curiosidade de Carlos Eduardo Días Comas, que seguiu uma série de trabalhos de estudantes em que várias obras do mestre são analisadas de um ponto de vista holístico.
Na Argentina, Teresa Arijón e Bárbara Belloc em 2014 publicaram o Livro Diario-boceto que contem alguns textos originais do Niemeyer traduzidos para o Espanhol; o que facilita o trabalho de investigadores da América do Sul e Central.
O crítico italiano-brasileiro Roberto Segre (1934-2013) publicou alguns artigos que analisam a recente produção do Niemeyer com o desejo de inserir as obras dentro de uma classificação tipológica que se refere às ideias sobre o tipo desenvolvido por Carlos Martí Aris e Rafael Moneo.
Em Barcelona, o "grande velho" da crítica catalã, Josep Muntañola, continua a discutir algumas das questões-chave desenvolvidas por Niemeyer com seus alunos do doutorado em Projeto Arquitetônico da Escola Técnica Superior de Arquitetura e no livro “La modernidad superada” analisa a possível influência exercida pelas primeiras obras do mestre brasileiro em Le Corbusier.
Surgiram temas similares na revista colombiana "DeArq" da “Universidad de los Andes” de Bogotá e na revista mexicana "Arquine". Igualmente importante é o trabalho realizado pela ArchDaily, na seção "Clássicos da Arquitetura", na divulgação das obras emblemáticas de Niemeyer para a nova geração de "estudantes digitais" que pouca confiança têm com o papel impresso.
Silvia Arango, a historiadora mais importante de Colômbia, em seu mais recente trabalho “Ciudad y arquitectura. Seis generaciones que construyeron la América Latina moderna” lembra que, dos pontos mais distintos do continente, foram organizadas peregrinações nos anos sessenta e setenta para visitar as obras de Pampulha e Brasília.
Finalmente, é interessante ler os vários comentários de arquitetos bem conhecidos e a crítica divulgada nos últimos meses: uma vingança sobre as opiniões críticas muitas vezes apressadas da década de cinquenta, o que ajuda a incluir o trabalho de Niemeyer dentro do papel histórico que corresponde e as influências que geraram.
O mesmo papel foi reconhecido em 2014 pela UNESCO, que incluiu na sua lista do Patrimônio Mundial da Humanidade o arquivo pessoal do arquiteto, hoje na Fundação Niemeyer no Rio de Janeiro: quase nove mil documentos, que incluem esboços, álbuns e desenhos técnicos, que "constituem um testemunho precioso do trabalho de um artista que transformou a arquitetura do século XX no mundo ".
Também registrados na lista da UNESCO desde 2016, os projetos realizados na Pampulha com a motivação de saber como "fundir diferentes artes – arquitetura, escultura, pintura e paisagem – criando formas ousadas integradas em um todo harmonioso".
Natureza e artifício
Bruno Zevi escreveu que a linguagem de Niemeyer baseia-se na interpretação do mundo da paisagem como Roberto Burle Marx e Frederick Law Olmsted, autor do Central Park em Nova York que Niemeyer conhecia bem graças às longas caminhadas que fez na companhia de Lucio Costa.
Nas suas obras mais experimentais – como lemos na página da UNESCO – é clara a incessante reinvenção da caligrafia dos elementos biológicos e geológicos das áreas intertropicais, do trabalho dos artistas amigos e da sensualidade da pintura de Le Corbusier.
Um sistema de linhas orgânicas que dialogam com a rica vegetação brasileira porque possuem linguagens e regras geométricas semelhantes, o que torna a concatenação harmônica entre natureza e artifício simples e direta.
Um ensino profundo e muito atual, hoje mais do que ontem, diante das transformações profundas e grosseiras dos ecossistemas mundiais.
Luca Bullaro é professor associado da Universidad Nacional de Colombia. Ph.D. em Projetos Arquitetônicos. Università degli studi di Palermo, Itália e Mestre em "Arquitetura: Crítica e Projeto" pela UPC-ETSAB, Barcelona, Espanha.