Os projetos públicos de habitação social costumam ser frustrantes mais por uma questão filosófica do que política. Como princípio piramidal: o espaço, quando é matematicamente considerado, não tem sítios nem lugares. Ou seja, quando o objetivo é construir apenas as urgências através do máximo possível de moradias, em detrimento da qualidade de vida, não se cria condições de habitabilidade.
O filósofo alemão Martin Heidegger tratou de pensar a questão da construção em relação ao habitar em um congresso de arquitetura, em 1951, no qual se discutia a reconstrução da Alemanha no pós-guerra. Ele pretendia discutir o sentido do habitar antes de pensar na reconstrução; isso era o fundamental para ele. Não se tratava de resolver problemas técnicos, econômicos e políticos relativos à construção, mas sim de pensar sobre a relação entre o habitar e o construir e talvez essa indagação nos ajude a encontrar a “alma” que falta nas áreas de “não-cidade”.
As periferias são um mundo ocupado pelo homem, mas não habitado por ele, pois a essência fundamental do habitar é cuidar e estabelecer uma relação sentimental com nosso entorno. A arquitetura é, especificamente, a reflexão sobre a nossa relação com o espaço. Tentamos, portanto, com nossas ações no mundo, uma emancipação, uma possiblidade de liberação, diferentemente da política convencional.
Como diz Miguel Cereceda no livro “El corazón de la periferia”, “a alma que falta, o sagrado que falta, talvez possa comparecer se, em vez de pensar nossa relação com o território como uma relação de domínio técnico e de uma vez por todas, pensássemos na singularidade dos lugares, permitiríamos que as coisas aparecessem em seu ser”. Enfim, essa é a reflexão que tentamos construir, ou seja: não “fazer arquitetura”, mas sim paisagens que possam inspirar em nós uma promessa de enraizamento, como afirmaSimon May em “Amor: uma história”: “Nós as amaremos sejam quais forem suas qualidades, independentemente do quanto sejam belas ou boas, pois o empenho predominante do amor é encontrar um lar para nossa vida”. Ou seja, o principal objetivo é estabelecer um enraizamento ontológico.
A qualidade da habitação social não é determinada por questões construtivas nem de quantidade, e sim pela própria qualidade do espaço urbano. Conjuntos habitacionais bem projetados, mas construídos em locais sem infraestrutura, não serão bem-sucedidos, pois a questão da infraestrutura é a essência do pacto social do cidadão com o poder público. A infraestrutura é o reflexo direto da organização social, mas essa condição não é suficiente para o sucesso. Se não existe uma ideia de cidade, qualquer operação de habitação estará fadada ao fracasso.
Héctor Vigliecca colabora mensalmente com artigos para o ArchDaily Brasil. Veja os artigos já publicados:
Casa: a razão de ser de uma cidade / Héctor Vigliecca
Projetar habitação é uma problemática aparentemente simples, mas é a mais difícil da arquitetura. A habitação é o tema mais antigo da formação do homem. É possível escrever a história da civilização, desde os primórdios do homem primitivo até hoje, analisando apenas a evolução dos modos de viver.
Cinco mantras do desenho urbano por Héctor Vigliecca
Costumo dizer aos arquitetos com os quais trabalho que pratiquem esse "mantra" todos os dias, pois sintetizam para mim os critérios básicos para o raciocínio do desenho urbano: Reestruturação da malha urbana: redefina, evidencie e hierarquize uma rede viária que integre o assentamento e a cidade formal existente fazendo com que a favela deixe de ser uma barreira urbana e um espaço de exclusão.
A ilusão da ordem / Héctor Vigliecca
Ordem e desejo de eternidade são as matérias-primas de nossos pensamentos, seria impossível pensar fora deste universo. Toda a história da urbanidade é o teatro de um drama difícil de descrever. É difícil de compreender as causas dos múltiplos e diferentes condicionantes que determinam os resultados que às vezes admiramos e às vezes detestamos.