Este artigo foi originalmente publicado no Common Edge como "What Critics of Contemporary Architecture Are Missing: The Value of Design."
"A razão pela qual a arquitetura contemporânea de qualidade se manifesta quase que exclusivamente através de estruturas icônicas, é que somente assim é possível transformar o investimento em lucro". Essa é a afirmação central da matéria "The politics of architecture are not a matter of taste", publicada no Common Edge há algumas semanas (e republicada pelo ArchDaily como "Odeia a arquitetura contemporânea? Culpe a economia, não os arquitetos"). Em outubro, outro ensaio de Marianela D'Aprile para a Current Affairs entitulado "Why You Hate Contemporary Architecture", também bate na mesma tecla, quando os autores da equipe de redação, Brianna Rennix e Nathan J. Robinson, mostram sua indignação com o atual estado da prática da arquitetura contemporânea.
Ambos os artigos me confundem. "Os bons edifícios integram-se perfeitamente em seus entornos", afirmam Rennix e Robinson, mas os exemplos que elogiam - arquiteturas figurativas como a St. Paul’s Cathedral em Londres e a Alhambra em Granada - destacam-se proeminentemente na paisagem local. D'Aprile critica os autores pelo seu uso impreciso das terminologias, mas, como pode ser visto na passagem anteriormente citada, sua própria linguagem também pode ser vaga, apoiando-se em palavras como icônico, onipresente no vocabulário dos arquitetos. (Se a ideia é descrever algo como"singular", ironicamente a maioria dos edifícios citados como icônicos possuem um caráter escultural semelhante, então, em nossa senso comum, todos eles se parecem de alguma maneira - o oposto da singularidade.) Ela define arquitetura como "edifícios projetados para serem construídos fisicamente". E por acaso todos os edifícios existentes são construídos fisicamente? E todos aqueles projetos que não foram construídos, por acaso seriam relegados a algo que não é, de fato, arquitetura?
Ainda assim, me preocupa especificamente o argumento básico em que D'Aprile se apoia: se há um problema com a arquitetura contemporânea, "o problema na verdade não é estético. É, fundamentalmente, um problema econômico". O capitalismo não colabora com a arquitetura, ela explica, porque a sociedade não valoriza bons projetos, exceto quando arquitetos famosos desenvolvem edifícios suntuosos que proporcionam lucro aos seus empreendedores. No entanto, devido ao fato de que a construção civil representa cerca de 40% do PIB mundial todos os anos, é absurdo que D'Aprile continue a afirmar que "a arquitetura ... não representa uma mercadoria dentro da estrutura econômica capitalista". Mais especificamente, enquanto alguns promotores públicos e construtores contratam arquitetos famosos para obter projetos mais lucrativos, muitas universidades e outras instituições contratam os mesmos arquitetos, em grande parte porque seus nomes podem facilitar a angariação de fundos para um novo museu ou instituição que, de outra forma, não poderia ser construídos. Má intencionados ou não, a motivação desses "clientes" não é completamente gananciosa.
Ainda que a produção da arquitetura esteja subordinada à economia, D'Aprile se equivoca quando afirma que um bom projeto de arquitetura não é capaz de produzir mais-valia através da estética, fora aqueles raros casos onde a fama dos arquitetos é responsável por transformar simples projetos em edifícios lucrativos. A qualidade de um edifício não possui nenhum valor inerente, porque, ela insiste, "não há 'sensação' capaz de gerar mais-valia ao construtor".
Não devemos ignorar os evidentes benefícios econômicos que os bons projetos de arquitetura proporcionam. Ainda que a construção em si seja consideravelmente cara, os custos de uma obra representam apenas 5-10% do custo total ao longo da vida útil de um edifício. Projetos de alto desempenho, na verdade, resultam mais baratos devido a um retorno significativamente maior alcançado através da redução dos custos operacionais pela metade e aumentando os valores finais de venda, de aluguel, de ocupação e consequentemente, o valor da propriedade. Pesquisas mostram que a redução de 10% no consumo de energia de um edifício pode significar um aumento de até 1% no valor de mercado. De acordo com o World Green Building Council, se pudéssemos aplica-los em larga escala, projetos de alta eficiência energética poderiam resultar em uma economia de quase US$ 500 bilhões todos os anos. Grande parte desta economia não resultaria apenas da escolha dos materiais, métodos e sistemas construtivos, mas principalmente de um projeto inteligente e a forma do edifício. As primeiras escolhas, ainda durante a fase de projeto, podem significar até 90% do eventual impacto de um edifício. De modo que o projeto é um elemento chave na viabilidade econômica de um edifício.
Além disso, as instalações físicas representam menos de 10% dos custos operacionais anuais de um edifício, os outros 90% consistem em dispêndios com recursos humanos, de modo que o verdadeiro valor de um edifícios está em como seus espaços afetam os seus usuários. Extensas pesquisas provam que espaços de trabalho bem projetados, com boa iluminação e ventilação natural, além de espaços abertos ao ar livre podem qualificar significativamente o bem-estar físico, mental e emocional dos trabalhadores, resultando em uma maior produtividade e menor abstenção do pessoal. Vários estudos e métodos de quantificação destes benefícios determinam uma plus valia de mais de US$ 3 por metro quadrado ou até US$ 3.000 por funcionário. Outra Pesquisa ainda revela que 93% das empresas com locais de trabalho que atendem os mais altos padrões de conforto possuem maior capacidade de atrair pessoas talentosas e 81% relatam menor evasão de funcionários. Para uma empresa de 1.000 funcionários, uma melhoria de 5% na permanência do pessoal, poderia facilmente render mais de US$ 5 milhões por ano.
Estas qualidades espaciais vão muito além das qualidades visuais, de iluminação e ventilação natural. Como pode ser visto em meu livro publicado em 2012, The Shape of Green: Estética, Ecologia e Design, nas últimas décadas, um número crescente de pesquisas em psicologia ambiental, sociobiologia e neurociência esclarecem os efeitos das formas, espaços, padrões, cores e texturas no comportamento humano - nosso conjunto básico de ferramentas de projeto. Por exemplo, certos padrões de superfície podem diminuir o estresse em até 60%, apenas por estarem em nosso campo de visão. Minimizar doenças relacionadas ao estresse, poderia resultar em uma economia de até US$ 200 bilhões por ano apenas nos EUA. Imagine se todo o ambiente construído fosse projetado não apenas para ser bonito, mas também para cuidar de nossa saúde.
Todos esses benefícios econômicos dependem diretamente de estratégias projetuais que qualificam o espaço onde as pessoas vivem e trabalham - ou seja, espaços capazes de gerar "sensações", que a própria D'Aprile diz não serem capazes de proporcionar mais-valias. Estas mesmas estratégias também são responsáveis por favorecer um impacto social e ambiental positivo através do melhor aproveitamento e conservação dos recursos. Ou seja, as experiências estéticas e sensoriais são indiscutivelmente os aspectos mais relevantes de um edifício.
Em geral, arquitetos e designers não são suficientemente conscientes do impacto de suas ações. Se há uma "crise" na arquitetura contemporânea, como D'Aprile e Rennix e Robinson sugerem, não significa apenas que a maioria dos edifícios são "feios" ou que o capitalismo não colabora com a arquitetura - mas que os arquitetos não conseguem compreender as relações entre essas coisas. Consideramos um bom projeto como a cereja, não o bolo. Compreender o verdadeiro valor social, econômico e ambiental inerentes à estética poderia revolucionar nossa atividade profissional, somente quando estivermos preparados para repensar o propósito e a prática do projeto de arquitetura.
Lance Hosey é chefe do departamento de design do escritório Harley Ellis Devereaux de San Diego e preside o programa de excelência em design da empresa. Seu último livro foi publicado em 2012 sob o título de The Shape of Green: Aesthetics, Ecology and Design. Acompanhe-a no Twitter: @lancehosey.