Este artigo foi originalmente publicado pelo Common Edge como "Africa’s Undeclared War on the Disabled."
Recentemente passei uma semana em companhia de um grupo multidisciplinar composto por pesquisadores da Europa, dos EUA e da África, em um workshop intitulado “The Practice and Politics of DIY Urbanism in Africa” (Práticas e Políticas do Urbanismo "Do It Yourself" na África). Jonathan Makuwira, professor da Malawi University of Technology, apresentou um artigo convincente sobre "Urbanismo e Acessibilidade em Malawi", destacando os inúmeros desafios que as pessoas com deficiência enfrentam durante a sua vida no continente, utilizando essa cidade como um estudo de caso.
Durante a sua conferência, reafirmei a minha percepção de que os espaços públicos urbanos acessíveis são insuficientes. Este é o tema central da proposta que apresentei em meu projeto de 2016 para a Bolsa Richard Rogers Fellowship da Harvard Graduate School of Design (GSD), onde eu me propus a desenvolver um projeto de design acessível adaptável para espaços públicos da cidade de Abuja .
Considerando os demais eventos que também tiveram lugar naquela semana, a conferência de Makuwira não poderia ter sido mais oportuna. A curadoria do workshop estava a cargo de Steve Marr, doutor em ciências políticas e professor de longa data na Universidade de Malmo na Suécia. Conviver com ele e caminhar ao lado de sua cadeira de rodas me ofereceu a oportunidade de ver a cidade a partir do seu ponto de vista. Como esperado, encontramos dificuldades na maioria dos espaços públicos que visitamos, além daqueles que não conseguimos entrar devido à falta de rotas acessíveis ou elevadores que não funcionavam.
Depois de uma mesa redonda realizada na Embaixada da Noruega, fomos à pé até a residência do Embaixador da Suécia para a reunião de encerramento. A dificuldade foi tanta que durante o caminho Steve teve de desembarcar de sua cadeira de rodas em mais de uma ocasião para que pudéssemos transporta-lo por cima dos obstáculos, uma situação embaraçosa para todos os presentes. Embora não fosse nenhuma novidade para Steve, a sensação de humilhação não me abandonou um segundo sequer, um designer da cidade de Abuja, que há muito tempo reconheceu a urgente necessidade por mais espaços acessíveis.
Este sentimento esteve ainda mais presente comigo alguns dias antes devido à um incidente em Abuja, quando o twitter nigeriano explodiu com uma série de imagens da Câmara dos Deputados da cidade, mostrando um homem paraplégico, sendo forçado a rastejar para descer os inúmeros degraus da escadas enquanto os legisladores observavam com indiferença.
PHOTONEWS: Nigeria's @HouseNGR @nassnigeria is not handicap accessible despite billions budget annually for lawmakers @bukolasaraki @YakubDogara
— Sahara Reporters (@SaharaReporters) December 5, 2017
A humiliating experience of a handicapped Nigerian invited to the @HouseNGR by @femigbaja pic.twitter.com/T5Sn1zkPrD
Ironicamente, todos esses eventos aconteceram apenas alguns dias após o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, quando foram realizadas uma série de oficinas, seminários e reuniões organizadas pelos grupos voltados à acessibilidade no continente. Até mesmo os colunistas dos jornais esqueceram à política para dedicar uma ou duas palavras substanciais sobre os direitos das pessoas com deficiência.
Diversas cidades ao redor do mundo estão desenvolvendo projetos de acessibilidade padronizados para promover o uso dos espaços públicos de forma universal. Entretanto, a maioria das cidades da África, como Abuja, não seguiram por este caminho. A maioria dos municípios africanos não consegue traduzir normas e questões teóricas em algo concreto. Os projetos e leiautes da maioria dos edifícios públicos na África transmitem um certo desrespeito coletivo para com as pessoas com deficiência. As ruas da cidade onde vivo atualmente, Abuja, são armadilhas mortais para pessoas com mobilidade reduzida, e estas condições podem ser ainda piores em outras cidades do continente. Obstáculos de concreto, buracos expostos e outras barreiras físicas tornam o simples ato de deslocar-se um árduo esforço até mesmo para os mais capazes; impossível para pessoas com deficiência.
A maioria dos arquitetos e designers não vêem a urgente necessidade por projetos acessíveis uma vez que os currículos das escolas de arquitetura e design desconsideram a importância desta disciplina. Para a maioria dos projetistas, um projeto acessível começa e termina com uma rampa (que muitas vezes aparece somente quando o projeto já está sendo concluído). Os estacionamento públicos normalmente não contam com espaços dedicados à pessoas com deficiência e ainda assim ninguém os impõe. Arquitetos e designers raramente levam em consideração os limites físicos das pessoas com algum tipo de restrição motora. Como resultado disso, na maioria das vezes os espaços que projetamos não possuem espaço livre suficiente para a manobra de uma cadeira de rodas ou de uma bengala. A maioria dos banheiros públicos também não está adaptada para acomodar os deficientes físicos, que precisam se desdobrar para utilizar os layouts convencionais. Mas estas não são as únicas dificuldades. Atualmente, quase todos os caixas eletrônicos das nossas cidades são inacessível para deficientes; Levando-os a recorrer a terceiros para a realização de suas transações mais comuns, o que os expõe ao roubo e à fraude.
As pessoas com deficiência no continente africano vivem em um estado de ressentimento contínuo e silencioso, e com razão. Há um histórico de cuidados forçados à eles. A maioria das famílias insiste em contratar pessoas desconhecidas para cuidar de seus familiares, que acabam forçados a passar a vida toda na companhia de outras pessoas que empurram suas cadeiras de rodas (ou guiados pela mão, quando cegos). Infelizmente, o desrespeito é muitas vezes ainda mais profundo: famílias pobres e sem escrúpulos, usam a desculpa de que estão cuidando de seus familiares para joga-los na rua e fazê-los implorar por esmola. A criação de espaços públicos que sejam totalmente acessíveis contribuiria muito para transformar essa cultura de dependência imposta.
A maioria dos países africanos ainda não possui seus próprios códigos legais de acessibilidade, mas apesar disso, saibam eles ou não, há uma ferramenta muito eficaz à sua disposição: o ADA (Americans with Disabilities Act), um modelo internacional para projetos acessíveis. Arquitetos e designers africanos deveriam usá-lo enquanto esperam que as leis locais sejam promulgadas em seus próprios países. Além disso, passamos muito tempo esperando por ferramentas legais que reescrevam nossos códigos de construção para garantir que a acessibilidade seja atendida em todos projetos públicos e que os edifícios existentes sejam adaptados para acomodar razoavelmente as pessoas com deficiência. A acessibilidade universal é, afinal de contas, mais do que a coisa certa a se fazer, é um direito humano fundamental.
Mathias Agbo, Jr. é pesquisador e designer. Ele administra uma pequena consultoria para projetos e construções em Abuja, Nigéria. Periodicamente escreve sobre design e arquitetura. Encontre-o no Twitter @Mathias_AgboJr.