Até alguns anos atrás, a maior causa de mortes no município de Tenejapa, localizado na região de Los Altos de Chiapas, era por problemas relacionados ao trabalho de parto. Ante esse panorama, e aliado à falta de serviços médicos na região, as parteiras tradicionais de 22 comunidades agruparam-se para combater o problema e formaram a Rede de Parteiras “Un solo corazón A.C.”, organização que conseguiu reduzir a zero a taxa de mortalidade materna e infantil atendendo 98% dos partos na área.
Apesar de ter conseguido seu primeiro objetivo, a Red de Parteras ainda carecia de espaços apropriados e dignos para dar consultas, já que atualmente elas são realizadas nas casas. Por conta desta situação, a Fundação Mesoamérica Profunda vem trabalhando com a Rede há alguns anos para a construção dos espaços necessários para as parteiras realizarem seu trabalho sem complicações e em condições saudáveis através da iniciativa “Casa de la partera”. É neste contexto que o Comunal Taller de Arquitectura somou ao projeto de assistência às mulheres na comunidade de Bajchen.
O projeto teve que ser desenhado em conjunto com as parteiras sob os princípios participativos de projeto, desenvolvido em três fases.
Descrição da equipe de projeto:
I. Pesquisa tipológica
Para projetar na comunidade de forma contextualizada, foi muito necessário iniciar o projeto com pesquisa, o que nos permitiu compreender a tipologia habitacional vernacular na região, os sistemas construtivos tradicionais, os materiais locais, a conformação dos solares tzeltales e os núcleos familiares, bem como as formas de ocupar o território. Para este processo, contamos com a colaboração da comunidade, que nos relataram através de entrevistas os usos e costumes relacionados ao habitar Tzeltal, enquanto o fotógrafo Onnis Luque registrou mais de 50 solares tradicionais no município.
Em paralelo à pesquisa tipológica, realizamos entrevistas com as parteiras e acompanhamos elas durante as consultas de acompanhamento que realizavam a seus pacientes, onde compreendemos o trabalho que realizam e as necessidades espaciais que envolvem o trabalho, tais como área de consulta, área de parto, fogão para esterilizar suas ferramentas, pórtico para espera da família, bem como complementos utilitários, como cordas e colchonetes para os partos verticais.
II. Ferramenta de trabalho e sessões de projeto.
A realização de sessões participativas representou um grande desafio, uma vez que havia uma barreira linguística entre o Tzeltal e o espanhol. Para poder projetar junto com as parteiras, foi necessário construir uma ferramenta de trabalho que nos permitisse comunicar de maneira simples, lúdica e ilustrativa.
Para esse processo, colaboramos com o arquiteto Roberto Rodríguez (Armando Casas), com quem realizamos cinco sessões de trabalho para projetar o modelo / brinquedo com base nos sistemas de construção tradicionais anteriormente analisados, o programa arquitetônico necessário descrito pelas parteiras e o correto funcionamento do mesmo. O resultado é um modelo composto de peças de diferentes tamanhos e formas que começam a partir dos sistemas construtivos tradicionais e que, ao se juntar passo a passo, podem gerar diversas possibilidades funcionais, formais e construtivas.
Durante as sessões, que foram conduzidas com orientação de Manuel Gómez - presidente da Rede -, observamos que as mulheres consideravam extremamente fácil conceber o espaço de uso prático, programa de arquitetura e o funcionamento. No entanto, devido ao fato de não terem capacitação técnica, era difícil entenderem o sistema construtivo. Pelo contrário, quando os homens da família participaram, foi difícil para eles iniciarem o processo de projeto a partir do funcionamento, argumentando que era muito mais fácil resolver o projeto, começando com a forma e o sistema construtivo.
O anterior se deve ao fato de que os homens são os que constróem as terras e conhecem técnicas de construção vernáculas desde crianças, enquanto as parteiras concebem espaço com base no seu ofício e suas necessidades. Isso evidenciou que a maneira de entender e gerar arquitetura está diretamente ligada à experiência pessoal e ao modo como a habitamos.
III. Projeto Arquitetônico
Uma vez que as sessões de trabalho com as parteiras foram concluídas, foram definidas questões técnicas para a melhoria dos sistemas de construção tradicionais e, deste modo, aumentar a vida útil dos materiais locais. Isso é importante, uma vez que incentiva a autonomia da Rede a autoconstruir seus espaços de saúde e promove a cooperação da comunidade durante o processo de construção.
O projeto foi realizado com o apoio da bolsa dos Jovens Criadores do Fundo Nacional para a Cultura e as Artes, período 2016-2017, com o objetivo de socializar o trabalho das parteiras tradicionais e a metodologia de trabalho desenvolvida de forma participativa. através da troca de conhecimento.
Atualmente, tanto a rede de parteiras como a Fundação Mesoamérica Profunda estão trabalhando no gerenciamento social e de fundos para atingir o objetivo declarado e continuar a construir espaços apropriados que dignifiquem e revalorizem o trabalho das parteiras, bem como a riqueza cultural dos povos originários.