A arquitetura das lojas de Design: espaço, objeto e expectador

Conceber espaços destinados à exposição de peças de mobiliário com alto grau de complexidade no desenvolvimento – estrutural, ergonômico, artístico e histórico, requer uma abordagem projetual distinta, já que é importante expor e persuadir o expectador-cliente a adquirir o produto. No Brasil, exímios exemplos como a loja Forma (1987), Micasa (2004), Casa Matriz (2004), Micasa Volume B (2007), Ouvidor (2013), Dpot (2016), Líder (2016) e Micasa Volume C (2017) destacam-se por unir com maestria tais fundamentos. Em linhas gerais, pode-se dizer que asseguram a “caixa branca” requerida como plano de fundo, comparativamente como obras de arte na neutralidade dos espaços expográficos, e ainda, dispostas de modo a provocar o desejo pela aquisição.

Contudo, a questão eloquente que paira sobre a temática é como assegurar tais potencialidade espaciais, dado que temos duas condições normalmente empregadas de modo distinto. Pensemos em uma loja conceito de qualquer segmento, intituladas flagships, os elementos visuais espaciais são conformados de forma que um conjunto de sensações sejam psicologicamente despertadas e que o cliente sinta-se estimulado a adquirir tal produto. Por outro lado, especificamente em lojas de mobiliários do Design – com forte herança artística e histórica – elementos arquitetônicos internos com grande presença formal podem fazer que as peças percam destaque. Tomemos o Guggenheim Museum em Bilbao como estudo de caso. Sua estonteante arquitetura inserida no tecido urbano tem maior notoriedade que o próprio conteúdo do museu. Turistas e moradores frequentam o espaço para conhecê-lo quanto objeto no espaço e não pelo objeto exposto.

Ainda sob o ponto de vista do embasamento museográfico, dada a aproximação entre os fatores que regem o desenvolvimento projetual deste modelo e as condições necessárias à construção dos showrooms, percebemos que no modelo arquitetônico comercial aqui debatido, o objeto é colocado de modo a intensificar a relação objeto-expectador-arquitetura e não o contrário.

Portanto, retornemos à questão aplicada, como conceber tais espaços assegurando tais potencialidades? Este artigo não visa aplicar regras de arquitetura ou mesmo técnicas expográficas, mas busca refletir como algumas das mais representativas lojas brasileiras de design evidenciam tal relação entre espaço, produto e expectador.

Como pontapé inicial, na década de 1980 após incêndio que destruiu inúmeros edifícios da fabrica da marca suiça VITRA, construída na década de 1950 em Weil am Rhein, a direção da marca decidiu convidar uma série de arquitetos que então, seriam os responsáveis pela concepção dos novos edifícios que conformariam o novo campus, explorando a relação psíquica e sensorial entre produto e espaço.

VitraHaus / Herzog & de Meuron. Image © Iwan Baan

Para a construção dos 21 diferentes edifícios foram convidados: Nicholas Grimshaw (1981-1983), Claes Oldenburg & Coosje van Bruggen (1984), Frank Gehry (1989 / 2003), Tadao Ando (1993), Zaha Hadid (1993), Álvaro Siza (1994 / 2014), after Richard Buckminster Fuller (1975 / 2000), Jean Prouvé (1953 / 2003), Jasper Morrison (2006), Herzog & de Meuron (2010 / 2016), SANAA (2012), Renzo Piano (2013), Carsten Höller (2014) e Tobias Rehberger (2015-2016).

No Brasil, a Loja Forma, projetada em 1987 por Paulo Mendes da Rocha parece ser a síntese de como o simples e inteligente partido projetual ao programa pode exaltar o produto e sua inter-relação ao cliente e cidade.

© Dpot via Instagram. ImageDpot / Isay weinfeld

Como programa principal, foi solicitada uma loja de mobiliário dedicada a três grandes marcas de design – Knoll, Arflex e Acerbis, com peças assinados por importantes arquitetos e designers. O terreno, um lote de 750 metros quadrados disposto em uma movimentada avenida com alto fluxo de veículos – Avenida Cidade Jardim – impossibilitava que automóveis parassem em calçadas, com um baixo fluxo de pedestres. Mendes da Rocha surpreende pela proposta integralmente desenvolvida em prol de soluções coerentes à situação.

Sobre quatro consideráveis apoios, um volume com cerca de 30 metros de comprimento e 7 metros de altura é introduzido no centro do terreno. Elevando-o do solo, permite criar um volume-vitrine, de modo a potencializar que dentro dos veículos em alta velocidade, motoristas e passageiros avistem sem interrupções os mobiliários dispostos ao longo de uma faixa de vidro. Com a elevação do volume, um segundo problema é resolvido. Se antes os clientes enfrentariam problemas em estacionar, agora, com a liberação do térreo, serve como estacionamento coberto. Sem qualquer apoio central, o volume parece flutuar.

Mesmo com dimensões consideráveis a fim de garantir a solução estrutural, a genialidade do arquiteto mostra-se ao incorporar elementos construtivos em parte dos sistemas e níveis criados. Como convite a adentrar o espaço, sutilmente dispõe uma escada retrátil, livre do preceito usual de portas-vitrine, evidenciando a racionalidade e sensorialiedade do espaço.

Destaca-se a coerência do arquiteto à solução na garantia da relação, aqui já citada anteriormente: objeto-expectador-arquitetura. Da cidade ao objeto construído. Da Arquitetura aos elementos espaciais. Da vitrine ao objeto. Do objeto ao observador. Sintetizando, podemos dizer que predomina a inter-relação entre as escalas.

A ideia da Loja Forma parece tornar-se lição básica a projetos segmentados neste nicho e uma série de outros reinventa parte de suas ideologias.

Como anexo da loja Micasa, construída em 2004 pelo escritório franco-brasileiro Triptyque Architecture, o projeto da Micasa Volume B nasce como um “puxadinho” [1], como afirma o Studio MK27 responsável pelo projeto. Diferentemente do primeiro volume construído em estrutura metálica e extensos panos de vidro junto a uma película que resguarda o conteúdo do showroom intencionando o desejo em entrar no espaço, o novo projeto em concreto armado “lembra os processos artesanais da construção civil popular, mas também, sobretudo, as construções modernas brasileiras brutalista” [2]. Garantindo o vão, livre de apoios centrais, o espaço que se interliga ao primeiro volume edificado por meio de um pequeno túnel, é “pensado como um espaço amplo e dinâmico para abrigar, sobretudo, o showroom da VITRA” [3].

Micasa Volume B / Studio MK27. Image Cortesia de Studio MK27

Assim como no projeto de Mendes da Rocha, neste as faces do volume completamente vedadas, abriga apenas um rasgo frontal, que gera a vitrine na altura dos olhos dos pedestres e motoristas que passam pela rua.

Quase dez anos após a idealização do anexo, o escritório foi convidado novamente para pensar um terceiro volume. Mas como inovar no conceito? Muito simples. Três volumes, três materiais. Se o primeiro foi construído utilizando o aço e vidro, enquanto que o segundo ergue-se sobre empenas de concreto aparente e uma faixa de vidro frontal, o terceiro agora, nasce então da união entre um sistema construtivo pouco usual na cidade, a madeira laminada colada junto a placas de policarbonato, garantindo luz requerida ao espaço, mas resguardando-o dos altos níveis dos raios ultravioletas, que consequentemente preserva as peças.

Outro ponto interessante é sua relação com a cidade. Tendo os dois primeiros volumes posicionados frente à Rua Estados Unidos, o terceiro é inserido lateralmente, com frente à Rua Atlântica.

Muito perto dali, na famosa rua paulistana destinada a comercialização de peças de design – Alameda Gabriel Monteiro da Silva – Isay Weinfeld inova ao reinventar o que aparentemente lembra-nos a ideia da vitrine da Forma no projeto da Dpot, importante loja responsável por comercializar os mobiliários de maior representatividade do design nacional. Num amplo jardim, o arquiteto opta por implantar dois volumes a alguns metros da calçada, em meio ao projeto paisagístico por Rodrigo Oliveira, criando elementos que atraiam o interesse do pedestre a adentrar o espaço.

© Studio MK27 via Facebook . ImageMaquete Micasa Volume C / Studio MK27

Seguindo o serpentear do percurso em pedra sobre o verde, chega-se à entrada de um dos volumes, cada um com uma altura, mas seguindo a proporção revelada pelo revestimento da fachada.  Na altura do piso, faixas de vidro conformam a vitrine, mas ainda, criam a ilusão de o volume flutuar sobre o gramado.

Internamente, a experiência é sensorialmente garantida ao conceber uma escada escultural que, ao subirmos, vê-se clássicas cadeiras do design brasileiro expostas pelo embasamento em madeira do mesmo material do forro em harmonia à materialidade das peças.

Em Fortaleza, a loja Ouvidor, também projetada pela equipe do Triptyque fundamenta-se a partir da repaginação da identidade da loja. Com geometria marcante, a arquitetura funde-se ao design, atraindo o desejo dos pedestres, mas garantindo a notoriedade das peças.

Num espaço por vezes dramático, o pé direito de 16 metros de altura criado em estrutura metálica e vedado em placas cimentícias, cria junto ao estratégico projeto luminotécnico um ambiente acolhedor aos produtos, lembrando a estética e espacialidade da obra de Tadao Ando.

Já ao projeto da loja Líder, desenvolvida pela equipe do escritório FGMF, a estrutura metálica é adotada na garantia de liberar vãos, ligando à ideia das demais lojas, mas reinventando-se ao criar uma fachada com elementos que ora são floreiras, ora brises, que saem do ambiente interno e percorrem toda a fachada numa variação de medidas e alturas.

Ouvidor Design / Triptyque Architecture. Image via Screenchot Google Street View

Com abundância em luz, aberturas na cobertura junto aos panos de vidro da fachada propiciam tal condicionante ao espaço interno, que junto aos elementos da fachada, geram luz, mas protegem às intempéries.

Líder Interiores / FGMF. Image via Screenchot Google Street View

Sendo assim, quando analisamos caso a caso, mesmo que de modo geral, entendemos que esse nicho arquitetônico, apesar de para muitos, tender a futilidade, resguarda a maestria em combinar elementos construtivos que garantam as condicionantes requeridas nestes espaços, como também, entender que as escalas devem ser exploradas da arquitetura ao objeto, atingindo a sensorialiedade entre o expectador e a obra que se intercomunica.

Notas
[1] (ALVES, 2012).
[2] Idem.
[3] Idem. 

Referências Bibliográficas
ALVES, Jorge. Micasa Vol B. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/01-51448/loja-volume-b-studio-mk27-marcio-kogan>. Acesso em 10 Jan 2018.
DA ROCHA, Paulo Mendes. Paulo Mendes da Rocha - fifty years - Projects 1957-2007. New York: Cosac & Naify, 2007.
Vitra Campus Architecture. Disponível em: <https://www.vitra.com/en-us/campus/architecture/campus-architecture>. Acesso em 11 Jan 2018.
MAHFUZ, Edson. Loja Forma, Paulo Mendes da Rocha, São Paulo, 1987. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/11.123/3818>.Acesso em 10 Jan 2018.
Micasa. Disponível em: <http://micasa.com.br/micasa>. Acesso em 11 Jan 2018.
Micasa Vol B. Disponível em: <http://micasa.com.br/volume-b>. Acesso em 11 Jan 2018.
Ouvidor Exhibition Place. Disponível em: <https://www.triptyque.com/ouvidor>. Acesso em 11 Jan 2018.

Sobre este autor
Cita: Matheus Pereira. "A arquitetura das lojas de Design: espaço, objeto e expectador" 20 Fev 2018. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/889361/a-arquitetura-das-lojas-de-design-espaco-objeto-e-expectador> ISSN 0719-8906

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