Este artigo foi originalmente publicado no Common Edge como "Making a Case for the Renaissance of Traditional African Architecture."
Durante o último mês de setembro, esgotaram-se todas as entradas para o show do músico Afrobeat nigeriano Wizkid no Royal Albert Hall, em Londres. Wizkid junta-se a uma crescente lista de ilustres músicos africanos que já se apresentaram na prestigiada casa de shows londrina, como Selif Kaita, Youssou Ndour, Miriam Makeba entre outros. Este importante evento serve para reafirmar o renascimento cultural pelo qual todo o continente africano está passando, marcando ainda a crescente influência da música africana no cenário global, assim como do cinema, da moda, da gastronomia e das artes em geral.
Infelizmente, a arquitetura africana vernacular, especialmente na África subsaariana, não tem se beneficiado desse renascimento cultural. Muito pelo contrário, ao longo dos últimos anos ela tem sido amplamente ignorada. Apesar de sua eminente influência durante a era pré-colonial, a arquitetura vernacular africana pouco evoluiu desde então, se limitando às tradicionais choupanas de paredes de barro e cobertura de palha; e por esta razão ela tem sido desdenhada pela população, freqüentemente associada à escassez e a insuficiência. Conseqüentemente, a negligência da arquitetura popular africana resultou na exiguidade de seus artesãos experientes, conhecedores da arte da construção tradicional. Atualmente, restam poucas esperanças de um possível avivamento de um dos mais tradicionais estilos de arquitetura do nosso planeta.
A África nunca reivindicou a existência de um estilo arquitetônico vernáculo homogêneo; isso se deve ao fato de que os diferentes estilos de arquitetura que floresceram no continente por séculos, são tão variados quanto as inúmeras influências que os inspiraram. Cada tribo na África pré-colonial conserva seus próprios métodos construtivos, sua arquitetura e iconografia, cada uma delas moldada e construída através de suas peculiares narrativas socioculturais. No norte da Nigéria, por exemplo, a arquitetura Hausa tradicional (Tubali) foi influenciada principalmente pela arquitetura Sudano-Saheliana do antigo Império Songhai; enquanto as tribos do sul, como nos antigos Reinos Oyo, Benin ou Nri, refletiam por sua vez as suas próprias influências culturais características. Estes aspectos singulares de cada cultura correspondem a individualidade de cada uma dessas diferentes culturas, refletindo suas estruturas sociais, patrimônio cultural, crenças religiosas e valores étnicos, além de seus costumes locais mais específicos.
Atualmente, há um consenso geral de que o colonialismo impediu significativamente a evolução das arquiteturas tradicionais do continente africano, muito porque as administrações coloniais impostas não reconheciam nenhum valor nas pré-existências arquitetônicas de cada comunidade local forçosamente ocupada. E mesmo quando o fizeram, na maioria dos casos procurava-se uma padronização inadequada dos diferentes estilos, ignorando a abundante diversidade de cada subgrupo étnico dentro de cada estado tribal.
A atual redescoberta da cultura africana em outras esferas sócio-culturais é um exemplo da direção que a arquitetura vernacular poderia ter tomado caso a abordagem tivesse sido um pouco diferente, permitindo sua assimilação e evolução desde meados do século passado, quando os primeiros ímpetos por independência começavam a florescer no continente. É irônico que as primeiras nações que lutaram por liberdade pouco tenham feito para resgatar os valores específicos de sua arquitetura tradicional durante o período pós-independência; especialmente no momento em que o sentimento de identidade nacional atinge seu auge. Mesmo quando a guerra por independência procurava apagar todos os vestígios dos legados coloniais, os novos representantes do povo liberto rapidamente tomaram posse das mansões e palácios da administração colonial como suas novas sedes de governo, ao mesmo tempo que reforçavam um retórico discurso anti-colonialista.
Naturalmente, durante a era pós-colonial inaugurou-se um período de plena expansão do estilo colonial na arquitetura, objeto de desejo da maioria dos novos ricos que usufruíam com a árdua tarefa de reerguer estas novas nações independentes. Como resultado, esta tendência foi repetida infinitamente em todo o continente, ajudando a dizimar o pouco que restara de sua arquitetura vernacular. Posteriormente, esta reprodução de padrões coloniais na arquitetura foi eventualmente abandonada pela adoção de um estilo internacional duvidoso, porém, omnipresente. Uma espécie de estilo indefinido, um potpourri de estilos, com elementos de influências modernas, greco-romanas e até mesmo asiáticas, combinados de modo a criar um estilo anônimo e excêntrico, um pós-colonial bizarro.
Essa negligência cultural é tão sistêmica que a maioria das escolas de arquitetura do continente eliminaram completamente a história da arquitetura tradicional africana de seu currículo. Vários aspectos da cultura tradicional do continente, assim como a própria história da arquitetura vernacular africana na maioria dos países, tornaram-se muitas vezes assuntos censurados pelo estado; seja por necessidades sociopolíticas ou pela estranha necessidade de preservar-se a harmonia intra-étnica através da supressão ou descaracterização da identidade cultural.
A ensino de arquitetura na África não parece estar preocupado em capacitar seus arquitetos com uma formação baseada no conhecimento da história da arquitetura africana, muito menos fornece as ferramentas adequadas para que eles possam desenvolver seus próprios estilos. Atualmente, apenas algumas escolas na África tem história da arquitetura em seu currículo, mas ainda assim isso pouco se aplica de fato à materialidade do tijolo e da argamassa. Por outro lado, a absoluta maioria das escolas ensinam aos seus alunos a teoria dos estilos clássicos da arquitetura europeia, desde o gótico e o barroco até as correntes modernistas da Bauhaus. A ênfase é colocada inteiramente no ensino de arquitetura dentro do universo ocidental eurocentrico. Os alunos estudam em profundidade as obras de Gropious, Le Corbusier e Frank Lloyd Wright com o intuito de exaltar os ídolos infalíveis da modernidade e, então, reproduzi-los retoricamente. Pouca atenção é dada aos arquitetos africanos, como Demas Nwoko, ou mesmo à importantes nomes da arquitetura contemporânea como Francis Kere, que atualmente tem explorado intensamente os limites da arquitetura vernacular africana, combinando mão de obra local e materiais e técnicas tradicionais, aplicando-os em projetos modernos que resultam em um novo estilo de arquitetura africana contemporânea.
A desaparição do patrimônio arquitetônico africano é uma urgência sócio-cultural, uma vez que a arquitetura vernacular é um elemento indispensável da nossa história e da nossa cultura - definindo quem nós somos como africanos. Enquanto alguns países, como o Mali, o Sudão e a República do Níger, mostram alguns avanços na preservação e promoção da arquitetura tradicional de seus países, a maioria das outras nações (como a Nigéria, minha pátria) não possui nenhuma política voltada à preservação e promoção de sua arquitetura vernacular. A sua ampla acessibilidade e facilidade de construção deveriam tê-la tornado extremamente apropriada para moradias populares e edifícios comuns, como escolas, hospitais e mercados. Infelizmente, os arquitetos provavelmente encontrarão enormes dificuldades em obter permissões para construir esses tipos de edifícios na Nigéria, porque as unidades e departamentos de planejamento urbano estão em grande maioria mal instruídos para tomar decisões sobre a aprovação e licenciamento de obras construídas com técnicas vernaculares, principalmente porque não existem códigos de obras específicos para o mais tradicional estilo de arquitetura do país.
Eu acredito que as autoridades têm a obrigação moral não apenas de escrever um novo código de obras que verse à respeito da arquitetura vernacular, mas, além disso, deveriam demonstrar convicção ao comissionar parte das obras públicas no tradicional estilo de arquitetura de nosso continente. É necessário incentivar os arquitetos locais e proprietários (especialmente em obras voltadas para a população de baixa renda) a investir na arquitetura tradicional como forma de incentivar a produção em larga escala por toda África. As universidades tem o papel de por um fim nesta divisão inaceitável entre a formação e a prática profissional, procurando desenvolver novos métodos e materiais de construção sustentável, para que a nossa arquitetura possa ser primeiramente compreendida e então, desenvolvida. Se existe uma receita para trazer de volta à vida a tradicional arquitetura africana, temos que introduzir a arquitetura vernacular nos currículos das universidades - através de sua história e de seus métodos construtivos.
A arquitetura vernacular nunca cumprirá com todos os requisitos específicos de um projeto legal, devido às suas obvias limitações estruturais, físicas e estéticas. Mas pelo que temos visto na prática de arquitetos africanos contemporâneos, há um enorme potencial a se explorar através de nossa arquitetura vernacular, principalmente quando conciliamos tradição e modernidade.
A arquitetura do lugar deve ser mais importante do que a arquitetura do tempo.
- Gunnar Asplund
Mathias Agbo, Jr. é pesquisador e arquiteto. Possui uma pequena empresa de consultoria em Abuja, na Nigeria e periodicamente escreve sobre design e arquitetura. Acompanhe-o pelo Twitter @Mathias_AgboJr.
Publicado originalmente em 22 de fevereiro de 2018; atualizado em 29 de novembro de 2019.