Em janeiro, cobrimos uma entrevista com Bjarke Ingels durante a qual ele falou sobre a influência dos clientes no desenvolvimento dos projetos de arquitetura. Naquela ocasião, Bjarlke Ingels mencionou que "no mundo da arquitetura, há muito mais coisas fora do controle dos arquitetos do que sob controle". O post provocou uma série de discussões entre os nossos leitores e também entre nossos editores do ArchDaily. Muitos leitores lamentaram o fato de que a arquitetura esteja sendo subordinada aos desejos de alguns poucos clientes endinheirados. Alguns mencionam que as grandes empresas de TI, além de estarem vigiando nossas vidas no mundo digital, agora também tem provocado importantes transformações em nossos espaços urbanos. Outros acreditam que as grandes corporações estão por trás dos stararchitects, responsáveis pelos grandes projetos de arquitetura, e como eles alegam, têm promovido uma visão "infantilizada" dos processos projetuais.
A partir dessa discussão, nossos editores debateram as seguintes questões: a arquitetura continuaria existindo sem clientes? Ou ela é apenas um serviço, um produto? E finalmente, seriam os clientes assim tão ruins para nossa atividade profissional?
Conversamos com alguns de nossos editores para ouvir seus pontos de vista.
A arquitetura continuaria existindo mesmo sem clientes?
Romullo Baratto, arquiteto, fotógrafo e editor do Archdaily Brasil: O que podemos considerar arquitetura? Se acreditamos que a arquitetura é somente aquilo que se constrói, que existe de fato no mundo físico, o cliente é um parâmetro determinante que os arquitetos devem respeitar. A folha em branco é, de algum modo, aterrorizante para a maioria dos profissionais criativos e o cliente desempenha um papel importante na definição das diretrizes de um projeto.
No entanto, eu realmente acredito no potencial da arquitetura como ferramenta de debate, questionamento e transformação. Nesse sentido, a arquitetura não precisa necessariamente existir fisicamente - ela pode estar situada no campo da imaginação e da representação e, ainda assim, fomentar importantes mudanças dentro do campo profissional.
Para usar o mesmo termo de Ingels, arquitetura não precisa ser "construída" para ser arquitetura; e não são apenas os desejos do cliente que podem servir de norte para o desenvolvimento de um projeto - podemos considerar aspectos socioculturais, teóricos e até mesmo nossos próprios questionamentos a respeito da arquitetura.
Nicolás Valencia, arquiteto, professor e editor do Archdaily en Español: A resposta de Bjarke Ingels é bastante sugestiva. Provavelmente ela teria soado mais perversa na voz de Patrik Schumacher; ou mais pragmática, caso fossem palavras de Alejandro Aravena; e talvez mais sensata se constassem na reivindicação de uma comunidade local.
O que isso significa? Que a figura do cliente nos limita: sejam construtoras, incorporadoras ou clientes ricos e excêntricos.
Sim, a arquitetura pode existir sem um cliente: seja através de pesquisas, trabalhos pessoais ou experimentações de qualquer tipo. Entretanto, historicamente a arquitectura tem servido principalmente às elites — uma espécie de serviço associado a exploração do capital, daqueles que desejam e podem investir nela.
Sabemos que a arquitetura opera diretamente na construção dos nossos espaços urbanos. E o que poderíamos fazer para mudar isso? Apoiar diferentes clientes e iniciativas a partir de uma comunidade local por exemplo, incentivando os moradores a se engajar na construção de suas próprias cidades. Que nem sempre estejamos atrás apenas de clientes com muito dinheiro. Quanto maior a diversidade considerada em um projeto, melhor para a arquitetura!
A arquitetura está apenas a serviço do cliente?
Pedro Vada, editor do ArchDaily Brasil, arquiteto, urbanista, e professor: Gostaria de destacar dois pontos.
Primeiramente que, nessa entrevista, Bjarke se mostra preocupado com o cliente no sentido mais usual, alguém que contrata um serviço. Cliente aqui é diferente de usuário. Nesse sentido cabe todas críticas ao reducionismo imposto pelo mercado (ou predadores, como a entrevista coloca) que nos coloca (ou nos colocamos) como um mero prestador de serviços e construtor.
Considerar que arquitetura só existe se tiver esse tipo de cliente é diminuir todo um complexo de habilidades que nos foram atribuídas ao longo da história, mas principalmente nossa função essencial, o projeto. Projeto é processo multidisciplinar e de muitas etapas, onde o cliente pode ou não fazer parte, e não apenas um produto a ser vendido.
Partindo do pressuposto colocado, vale questionar também, e já o fazemos há muito tempo, por que um projeto bom tem que ser construído? Ou ainda, para um projeto bom ser digno devemos construí-lo?
Pois é o que Bjarke expressa em sua resposta quando relativiza a ação dos chamados predadores e justifica que devemos entrar no jogo, afinal, por melhor que vc seja como arquiteto, se jogar contra nunca terá um edifício construído. E daí?? E o processo??
Essa entrevista nos remete há muitas décadas de discussões, quando perguntas como “Arquitetura só existe se construída? ” faziam sentido, tendo em vista a realidade colocada pela era da máquina. Mas em um mundo dominado por questões híbridas como por exemplo entre o físico e o virtual ou o social e o sistema capitalista, o discurso glorificante do edifício construído já não fazem mais nenhum sentido. Não salvaremos o mundo com nosso edifícios e nem podemos vender aos predadores nossos serviços “luxuoso”. O projeto, como um complexo processo, esse sim, super atual.
Parece que dentro do processo de projeto, o conflito entre o cliente e o arquiteto é inevitável, mas isso não é necessariamente algo negativo, ou os clientes só complicam a vida dos arquiteto?
José Tomas Franco, arquiteto e editor do ArchDaily: O grande problema para a maioria dos arquitetos hoje em dia é que o cliente passa a ser visto como um obstáculo que os impede de aplicar suas próprias idéias, quando deveria ser uma condição fundamental para a elaboração do projeto. Faz sentido para mim mudar a pergunta para: "Poderia a (boa) arquitetura existir sem um cliente?"
Minha resposta neste caso seria não. Para que nossos projetos de arquitetura façam sentido, é absolutamente necessário que existam parâmetros a serem considerados, inclusive na esfera experimental ou utópica. Nesse sentido, o cliente é o principal parâmetro a ser considerado; o elemento mais importante na busca pelo melhor projeto de arquitetura para cada situação específica. E além disso, o cliente é também aquele que habita os nossos edifícios e nossas cidades.
É preciso ser consciente que existirá – sempre – alguma parte afetada pelas decisões que tomamos, para o bem ou para o mal, isto faz com que nossa disciplina tenha sentido e valor, e isto trás consigo um altíssimo nível de responsabilidade. Precisamos aprender a ouvir e orientar nossos clientes, sem nunca esquecer que eles existem.
Bjarke Ingels disse que "no mundo da arquitetura, há muito mais coisas fora do controle dos arquitetos do que sob controle", mas acredito que temos uma grande oportunidade em nossas mãos: a possibilidade de nos conectarmos com o cliente, de entender e orientar suas demandas específicas, e através disso, concretizar um bom projeto de arquitetura.
Podemos trazer os clientes para o nosso lado, para o bem da arquitetura?
Fabian Dejtiar, arquiteto e editor do ArchDaily Argentina: Embora seja necessário aproximarmos a arquitetura daqueles que não são arquitetos, como os clientes, não devemos faz isto simplesmente porque estes são necessários para o sustento de nossa profissão. Isto deve ser parte de um desejo pessoal em ampliar os limites da nossa disciplina.
Precisamos de arquitetos onipresentes, proativos na promoção de nossa disciplina e no compromisso com a boa arquitetura. Acredito que quanto mais pessoas estiverem envolvidas, melhor. Quanto mais e melhor as pessoas possam compreender a arquitetura, mais isso trará benefícios para nossa prática profissional.
De Alberto Campo Baeza: se você está pensando em construir uma casa, e quer que ela seja boa, bonita e barata, você precisa de um arquiteto, de um bom arquiteto.