Este texto é a versão ampliada e traduzida para o português do artigo original "5 puntos básicos para una arquitectura digna", publicado em junho de 2017 no blog da Fundação Arquia.
Quando o Paisaje Transversal surgiu há 10 anos, na Espanha, uma das razões que também nos movia era exigir e propor uma profissão mais responsável e respeitosa com os próprios colegas e com o restante da sociedade. Naquele momento, víamos, e ainda vemos, uma das consequências mais perniciosas do ensimesmamento e a auto-suficiência da arquitetura, tanto no mundo profissional quanto (de forma superlativa) nas universidades, é a grave ignorância em torno de questões básicas como o trabalho, a gestão de negócios ou a lei, entre muitas outras.
Este desconhecimento generalizado imposto e auto-imposto com orgulho, por se tratarem de temas cinzentos e secundários, levou à prática um sistema anômalo onde, com demasiada frequência, explora, precariza e auto-precariza a profissão. E isso, naturalmente, acaba prejudicando os profissionais, a profissão e a sociedade.
Uma causa não evidente desse fenômeno vem do fato de que, em muitos casos, esse abandono de funções é voluntário, baseado em uma posição liberal não solidária e anti-sistêmica, ou causado pela precariedade de uma profissão que, em algum momento, esteve bem e que não quer assumir seu novo status.
Listamos abaixo cinco princípios que consideramos necessários para difundir e reivindicar para reconstruir uma profissão digna e responsável:
1. Um escritório de arquitetura é uma empresa
O dia em que uma pessoa abre seu escritório de arquitetura, planejamento urbano, paisagismo ou design de interiores, ela está criando um pequeno negócio, com todas as suas consequências, responsabilidades e obrigações fiscais, trabalhistas, civis, etc. Isso pode parecer óbvio, mas muitas vezes não é. Um erro muito comum entre os profissionais de arquitetura tem sido pensar que eles podem criar, gerenciar e administrar uma empresa sem ter a menor ideia de criação, gestão e gerenciamento de empresas. "Se nós fazemos edifícios, que é muito mais difícil, damos conta disso." Não é bem assim.
Provavelmente, não é necessário tornar-se um especialista (tudo dependerá do tamanho do escriório), mas não é um grande esforço fazer algum curso gratuito oferecido por centros de empreendedorismo empresarial. E não se trata tanto de realizar uma gestão excelente de escritório, mas evitar situações de exploração ou ilegalidade por pura ignorância, seguindo o princípio legal básico: a ignorância da regra não isenta de seu cumprimento.
2. Um autônomo funciona como uma empresa individual
Seguindo o exemplo que mencionamos anteriormente, quando se cria um escritório há muitas figuras legais de empresas a escolher: Sociedade Limitada (LTDA), Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), Sociedade Anônima, Sem fins lucrativos ou Empresário Individual (EI). Portanto, o arquiteto autônomo também deve cumprir com seus deveres e pagar os impostos.
3. Um funcionário com horário, cargo e um único pagador é um funcionário, não um empresário
A fraude mais comum no mundo da arquitetura foi e segue sendo a dos "falsos autônomos", como refletido na recente pesquisa do Sindicato de Arquitetos da Espanha. Assumimos que esta irregularidade generalizada surge, além do desconhecimento e ganância, da auto-suficiência que o conjunto de arquitetos se outorgam, onde contratante e contratados assumem que a relação se dá entre iguais, entre empreendedores, entre pessoas com solvência... A crise deixou claro, caso alguém não tenha percebido, que isso não é verdade e que a maioria dos contratos são muito precários: mais de 50% dos arquitetos pesquisados tem cobrado muito pouco para trabalhar.
Portanto, "contratar um autônomo", além de ser enganoso, deixamos claro, é ilegal. A pessoa contratada não recebe proteção previdenciária, desemprego, aposentadoria, demissão e todos os demais direitos trabalhistas. A resposta para a pergunta que geralmente é feita a seguir é clara: se você não pode pagar, então você não pode contratar.
4. Qualquer trabalhador tem o direito de receber um pagamento pelo seu trabalho
Há alguns meses, a controvérsia sobre os trabalhadores não remunerados nas cozinhas de restaurantes com estrelas Michelin ressurgiu na mídia. Este não é um fato isolado do mundo da alta gastronomia e também é comum na arquitetura. Apesar do fato de que, através de acordos com algumas entidades, assumimos que estagiários possam ser contratados sem bolsa, ou seja, sem qualquer remuneração não sendo, portanto, uma situação ilegal. Talvez possamos considerar imoral obter um benefício econômico do trabalho de pessoas que recebem quase nada em troca, apenas prestígio. Mas já sabemos que o prestígio não paga contas. Portanto, nossa recomendação é: não trabalhe de graça.
5. Se você não vive do seu trabalho, então talvez este não seja um trabalho
Outra consequência de os arquitetos serem fãs de nós mesmos é que muitas das pessoas (jovens e às vezes não tão jovens) que começam a fazer uma atividade mais ou menos regulamentada relacionada à arquitetura e, muitas vezes, com sucesso profissional, não percebem a necessidade de que essa atividade proporcione uma remuneração econômica suficiente que permita sua continuidade. Cansam de dar palestras, oficinas, fazer propostas para grandes projetos, mas sua conta bancária continua no vermelho por anos. Talvez eles sejam vítimas do fenômeno de “triunfracaso” (triunfo do fracasso). Essa é outra das arestas da falta de responsabilidade corporativa que cerca a nossa profissão e que, com certeza, para seus amigos advogados, engenheiros ou dentistas, economistas não ocorre, porque entendem que trabalhar envolve gerenciar o que é trabalhado.
E uma variante oculta disso surge das pessoas que podem realizar esse tipo de atividade não remunerada porque têm um apoio econômico familiar ou uma renda externa, criando uma miragem de credibilidade que acaba confundindo empreendedores e clientes.
Mas nós não somos os únicos que sofrem deste mal, muitas profissões têm problemas semelhantes: publicidade, arte, cultura, jornalismo ..., deixamos dois artigos fantásticos, em espanhol, mais para comparar do que consolar, este sobre cinema e este sobre jornalismo
Concluímos com uma alegação do relatório do Sindicato dos Arquitetos na Espanha, ao qual subscrevemos totalmente:
Temos que ser melhores (in)formados como trabalhadores; temos que ser mais responsáveis como empresários; e temos que desenvolver modelos de negócios que nos permitam uma vida digna.