O Prêmio de Arquitetura Instituto Tomie Ohtake AkzoNobel, destinado aos profissionais com até 45 anos, mostra que não atravessamos um bom momento na produção brasileira. A responsabilidade, com certeza, não é dos nossos arquitetos e urbanistas, mas da falta de importância que os gestores públicos, em geral, têm dado a intervenções urbanas e projetos de qualidade.
Poder-se-ia alegar, frente às poucas propostas que se destacam, que isso resulta do atual momento de crise econômica e de paralisação do setor imobiliário e das políticas públicas vinculadas ao ambiente construído, como desenho urbano, habitação, mobilidade, equipamentos sociais e meio ambiente.
No entanto, como o Prêmio possibilita a inscrição de obras concluídas nos últimos 10 anos e finalizadas até o início de 2017 – iniciativas que normalmente têm um longo período de maturação entre a decisão de empreender, o projeto, a aprovação, o licenciamento e a execução –, a grande maioria das obras inscritas foi concebida e projetada exatamente na melhor década da construção civil do país desde o regime militar, ou seja, o período de 2006 a 2015.
Tempos de boom do mercado imobiliário e de crescimento econômico que permitiram aos governos implementarem programas de grande magnitude, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV).
Em especial, o programa habitacional, destinado à população de baixa renda, sob responsabilidade das prefeituras e estados, e de classe média, promovido pelo setor imobiliário privado, contratou em 6 anos (2009-2014) nada menos que 3,6 milhões de unidades, em todo o país e em diferentes categorias de cidades. Dessas, mais de dois terços estavam finalizadas em 2017. Seria um campo excepcional de trabalho para os jovens arquitetos, que formam hoje a imensa maioria dos profissionais em atuação no país.
Isso, porém, não ocorreu. O programa está praticamente ausente do universo de projetos inscritos no Prêmio, assim como é relativamente pequena a presença de outros programas de natureza pública e social. Mais de 60% dos projetos e obras inscritos no prêmio são do tradicional programa de casas individuais para a classe abastada, com grande predomínio do estado de São Paulo, o mais rico do país.
Nada contra os arquitetos que por opção ou, talvez, por falta de oportunidades de atuar em outros tipos de empreendimentos, atendam esse mercado. Muitos desses projetos têm indiscutível qualidade, seguindo a tradição da boa arquitetura moderna brasileira. Mas em um país com tantas carências e em um período de bonança, seria de se esperar que houvesse mais obras de qualidade arquitetônica nos programas voltados para as prementes necessidades do país.
A ausência da habitação social revela o desprezo pela qualidade, assim como a despreocupação do poder público em valorizar a contribuição dos arquitetos e urbanistas, que caracterizou o PMCMV. Foi uma oportunidade perdida para que se pudesse gerar um ciclo de projetos habitacionais inovadores, que combinasse produção em larga escala com bons projetos, corretamente inseridos nas cidades.
Feita essa ressalva geral, é justo ressaltar que dentre os quase duzentos projetos inscritos, alguns se destacam pelo programa e pela sua solução arquitetônica ou urbanística. É o caso dos dois primeiros colocados, Moradas Infantis e Mirante 9 de Julho.
Moradas Infantis trata de um assunto fundamental para o desenvolvimento social e econômico do Brasil: enfrentamento da questão do acolhimento, educação e convivência de adolescentes e jovens. Promovido por uma organização do terceiro setor com apoio empresarial, o projeto dialoga com a realidade do interior profundo do Brasil, onde a presença de projetos de qualidade ainda é escassa ou pouco conhecida.
A obra se localiza em Formoso do Araguaia, no estado do Tocantins, próximo ao rio Araguaia e à Ilha do Bananal. A solução arquitetônica resultou de um processo de colaboração aberta e intensa com a comunidade local, incluindo professores, administração e, especialmente, os usuários do edifício – as crianças e os adolescentes, na faixa dos 13 aos 18 anos.
A metodologia utilizada para a realização do projeto incluiu pesquisa, imersão e colaboração com todos os envolvidos, buscando, por meio de workshops, um entendimento comum do problema e das possíveis soluções advindas do diálogo entre a técnica contemporânea e o rico conhecimento vernacular. A solução construtiva, apropriada para a realidade do cerrado brasileiro, buscou garantir sustentabilidade, com a utilização de materiais locais, combinada com tecnologias contemporâneas e integração ao meio ambiente.
O segundo colocado, o Mirante 9 de Julho, aborda outra problemática, em uma realidade totalmente diferente, na principal metrópole brasileira. Mas ele também mostra que nem sempre são necessários grandes investimentos para criar (ou recriar) espaços com qualidade arquitetônica e urbanística, gerando forte impacto público e social.
Trata-se de uma construção coberta, mas não segregada do espaço público, que compõe o monumental conjunto arquitetônico e urbanístico do Túnel Nove de Julho, projetado nos anos 1930. Localizado atrás do Museu de Arte de São Paulo (MASP), na Avenida Paulista, em São Paulo, ponto nobre da cidade, o Mirante estava deteriorado e abandonado há décadas.
Sua reocupação, com um projeto simples e barato, realizado por iniciativa da prefeitura com participação de um empreendedor privado, transformou o local em ponto de encontro e em referência urbana da cidade. Ele se enquadra em amplo conjunto de intervenções realizadas em São Paulo nos últimos anos, que vem revertendo a tradicional apatia dos paulistanos em se relacionar outdoors, valorizando o espaço público e aberto.
O Mirante se articula com um projeto estrutural realizado em São Paulo no mesmo período (2015), também selecionado entre os dez principais destaques do Prêmio: a Ciclovia da Avenida Paulista. A ciclovia resolve bem um problema difícil de ser equacionado: a implantação, com segurança, de uma via segregada para bicicletas no canteiro central da principal avenida da maior cidade brasileira, sem reduzir suas largas calçadas nem as vias de circulação de veículos – lembrando que essa avenida foi o triste palco da morte, por atropelamento, de vários ciclistas nos anos que antecederam a intervenção.
Mas seu mérito não se limita ao correto design, que equaciona os conflitos de circulação entre pedestres, bicicletas, automóveis e ônibus. Ela se destaca por fazer parte de uma nova proposta de ocupação da cidade que articula espaço público, convivência e cultura, em detrimento da tão consolidada (anti)cultura do automóvel.
A ciclovia foi o ponto de partida para a criação do Programa Ruas Abertas, que transformou o domingo na Avenida Paulista em uma espécie de praia dos paulistanos, relacionando cultura, lazer e convivência. A Paulista aberta aos cidadãos e fechada aos automóveis tornou-se o eixo de integração de espaços públicos e culturais de qualidade, como o Mirante 9 de Julho.
A importância do Prêmio de Arquitetura Instituto Tomie Ohtake AkzoNobel está exatamente nessa possibilidade de revelar lacunas e novas tendências na arquitetura e urbanismo brasileiros. Esperamos que, com mais engajamento profissional, com maior consciência dos gestores públicos e com outras iniciativas como essas que foram premiadas ou mereceram destaque, os arquitetos possam contribuir mais e melhor no enfrentamento dos grandes problemas urbanos do país.
Nota do editor: Este texto foi escrito pelo arquiteto e urbanista Nabil Bonduki para o catálogo do 4° Prêmio de Arquitetura Instituto Tomie Ohtake AkzoNobel, realizado em 2017, e refere-se àquela edição da premiação. O texto original não apresentava título, que, nesta versão, foi atribuído pela equipe editorial do ArchDaily. A 5° edição do prêmio está com inscrições abertas; para mais informações, clique aqui.