No desenho urbano contemporâneo, a ordenação espacial, mobilidade, demanda a novas conexões e ainda os limites assumido entre os espaços público e privado, têm apresentado cada vez mais enfoque nas discussões ligadas ao futuro das cidades mundiais, e em mesma proporção, no território brasileiro. Neste modelo, em decorrência do crescimento exacerbado, certas estruturas construídas têm provocado barreiras urbanas, evidenciando obstáculos.
Quando falamos de barreiras urbanas, sintetizamos todo elemento que estabelece limites na malha urbana – físicos (linhas férreas, eixos viários, transposições inadequadas, muros e grades) ou geográficos (cursos d’água e topografia), debilitando deslocamentos pelo tecido da cidade.
Dentro do conjunto de elementos que atuam na segregação, os muros têm assumido significante contribuição às barreiras físicas e sociais, em decorrência da ideia de proteção configurada.
Em clássicos exemplos, como o Muro de Berlim, Muralha da China, o muro que separa a fronteira entre Estados Unidos e México e ainda o muro que separa Coréia do Norte e Coréia do Sul, são alguns dos inúmeros casos que demonstram tal segregação. Se em 1989, houve a queda do Muro de Berlim, na Alemanha, ainda há inúmeros muros – sociais e materializados, á serem destruídos.
Parece que cada vez mais, construir um muro ou materializar grades é a solução “ideal” à resolução de problemas urbanos – conflitos culturais, segurança, diferença entre classes, problemas ambientais, entre outros.
No Brasil, por exemplo, num recorte geográfico à cidade de São Paulo, em cinco diferentes casos e variações entre escalas (eixo ferroviário metropolitano, proteção ambiental, Museu Brasileiro da escultura – MuBE, o complexo Parque Cidade Jardim e Edifício Penthouse) nota-se consideravelmente a conjuntura.
O quadro crônico do eixo ferroviário na cidade demonstra que os muros tendem a ser a solução à garantia de segurança da população. Contudo, a deficiência pontua outros problemas, conflagrando barreiras visuais, necessidade à transposições e ainda, em muitos casos, a fragmentação regional. À proteção ambiental, especialmente aos rios, instituir muros e grades também parece a “melhor” opção, em vez de limpá-los, reeducando a população a protegê-los.
No Museu Brasileiro da Escultura (MuBE), o conceito utilizado por Paulo Mendes da Rocha foi muito próximo ao de Lina Bo Bardi no projeto do MASP, “soltando” o edifício do solo, criando um vão, permitindo a quebra entre o espaço público e privado e consequentemente, presenteando a cidade com o espaço livre ao uso dos pedestres. Contudo, a intervenção de portões e grades no perímetro do terreno conflagra a ideia oposta, estabelecendo um edifício cultural com taxas de visitantes muito baixas, se comparado a outros museus da cidade.
Entre os cinco casos, talvez os mais lamentáveis em relação à fortificação sejam o Parque Cidade Jardim e Edifício Penthouse. No primeiro deles, o luxuoso complexo imobiliário composto por treze edifícios – hibridados entre torres residencial e comercial, junto a um shopping Center, com grifes internacionais – frequentado pelo alto escalão paulistano e acesso restrito realizado apenas por automóveis, à beira da Marginal Pinheiros, demarca um gigantesco complexo, autossuficiente, que age como fortaleza “protegida” por altos muros.
O que chama atenção, além da exorbitância, é sua implantação, que inserida ao lado da favela Jardim Panorama, dispõe um extenso perímetro murado, parecendo tentar proteger-se da feérica cidade e da realidade social que mora, definitivamente, ao lado. Em 2006, na inauguração oficial, após ataques dos moradores, em matéria ao jornal Folha de S.Paulo, o crítico de arquitetura, Guilherme Wisnik, pontuou no título “Cidade Jardim ou Anticidade?”, referindo-se ao “abismo social crescente na cidade”.
No artigo, Wisnik ainda pontuou “será possível fingir que esses dois mundos não se tocam e pretender um futuro tranquilo sem qualquer resgate de um projeto comum de integração social?”, fazendo refletir-nos sobre as barreiras físicas e sociais que ainda perduram pela sociedade.
Ao último caso, o Edifício Penthouse, ladeado ao bairro favelizado Paraisópolis, no bairro do Morumbi, desponta de apartamentos de alto padrão, exibidos no conjunto de terraços em desenho helicoidal, serpenteando a fachada do edifício tridimensionalmente, com piscinas privativas e visadas ao skyline paulistano. Já foi chamado de “reflexo da desigualdade”, em decorrência do extenso muro que cerca a “fortaleza” – de um lado a favela de Paraisópolis, do outro, a torre de luxo.
Mas será mesmo que modelos como estes se aproximam à fortificação requerida? Ou apenas retrata o aprisionamento social? O fato é que muros, grades, cercas elétricas e quaisquer outros sistemas que criem tais barreiras, não despontam apenas de limites físicos, mas, urbanos e sociais.
Em 2002, a exposição Happyland, organizada pelos arquitetos Isay Weinfeld e Márcio Kogan à 25ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo, foi responsável pela representação de uma cidade distópica, cujo objetivo foi retratar uma cidade utópica à realidade social e segurança das megalópoles. Dois anos após a primeira exposição, apresentaram no museu da Casa Brasileira, a temática à uma outra escala, intitulada como Happyland Vol. II.
Se a priori, a ideia foi apresentar o utópico ponto de vista urbano à realidade alarmante pela violência, nesta segunda, os autores buscaram retratar os elementos que compunham esta megalópole. O conjunto de doze obras tinha por objetivo chamar a atenção à cruel vida urbana, marcada pela violência. Surpreendendo, uma das obras dispostas vai de encontro à temática deste artigo: um conjunto de diferentes muros, em tijolos, aço e ainda grades, que aumentavam gradativamente pelo nível de violência, aludindo à superproteção requerida pelas megalópoles.
Mas, o que a exposição apresentada há mais de uma década emerge à como os elementos arquitetônicos são dispostos? Tudo! As cidades têm buscado “aninhar-se”, se protegendo da realidade externa, onde a Rua parece ter se tornado símbolo da violência. Porém, como já afirmou Paulo Mendes da Rocha, “a cidade é o monumento supremo da Arquitetura. Arquitetura não é para ser vista, é para ser vivida”.
Cabe, então, a cada um de nós, arquitetos, urbanistas e, sobretudo, cidadãos, pensar alternativas que saibam lidar com a situação, implodindo os muros sociais que perduram na arquitetura.
Referencias bibliográficas
Edifício Penthouse – Que prédio é esse?. Disponível em: <https://live.apto.vc/edificio-penthouse-que-predio-e-esse/>. Acesso em 28 Outubro 2017.
GALVÃO, Vinicius Queiroz. Sem entrada de pedestres, shopping para classe A vira atração para classe D. Jornal Folha de S.Paulo (2008). Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0308200824.htm>. Acesso em 28 Outubro 2017.
Happyland. Disponível em: http://isayweinfeld.com/projects/happyland/ Acesso em 26 Outubro 2017.
Happyland Vol. 2. Disponível em: <http://isayweinfeld.com/projects/happyland-vol-2/>. Acesso em 26 Outubro 2017.
WISNIK, Guilherme. Cidade ou Anticidade?. Jornal Folha de S.Paulo (2006). Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0506200608.htm>. Acesso em 28 Outubro 2017