Este artigo foi originalmente publicado na Metropolis Magazine como "How a Small Mexico City Exhibition Fueled a Debate About Preservation and Power."
É um dia cinza no bairro de Narvarte na Cidade do México e as rajadas de vento anunciam a chuva iminente. A presença do Centro SCOP, um gigantesco complexo modernista abandonado, faz com que este cenário pareça ainda mais sombrio. O edifício é uma obra prima - inclusive intimidante - do modernismo mexicano: um enorme conjunto de edifícios em concreto aparente projetado pelo arquiteto Carlos Lazo, os quais cobrem uma área de mais de um hectare com suas dezenas de murais coloridos e vibrantes.
Em seu auge, o edifício chegou a abrigar mais de 3.000 trabalhadores da Secretaria de Comunicações e Transportes (SCT). Hoje, salvo o solitário segurança na guarita, o conjunto encontra-se completamente vazio.
A tragédia bateu à porta do SCOP em duas ocasiões - primeiramente em 1985, no dia 19 de setembro, quando um terremoto de magnitude 8,0 devastou a Cidade do México e destruiu partes do complexo. O edifício e seus murais foram rapidamente reconstruídos, mas infelizmente, o destino do complexo seria novamente posto à prova exatos trinta e dois anos depois - no fatídico dia 19 de setembro de 2017- quando mais um terremoto deu o golpe de misericórdia no histórico edifício da capital.
Devido a danos estruturais irreversíveis, o edifício foi fechado e provavelmente será demolido. O destino de seus 15 murais de importantes artistas mexicanos como Juan O’Gorman e José Chavéz Morado permanece incerto.
Uma pequena porém notável exposição realizada na galeria de arquitetura e design chamada Archivo de Diseño y Arquitectura, procurou chamar à atenção para o valor do Centro SCOP e para a incerteza de seu futuro através de uma série de obras de arte e instalações especialmente desenvolvidas para o evento. A exposição, realizada em homenagem ao edifício, questiona a proposta de realocação dos murais do Centro SCOP para um dos projetos urbanos mais ambicioso e controversos dos últimos anos - o projeto para o novo aeroporto da Cidade do México, uma obra que custará cerca de 13 milhões de dólares.
“Depois do terremoto, procuramos reorientar nossa programação e pensar mais sobre a arquitetura da reconstrução de nossa cidade", explica o diretor do Archivo director, Mario Ballesteros, “então optamos por uma abordagem histórica, colocando em pauta uma questão extremamente urgente e atual, o futuro do Centro SCOP”.
A exposição, encerrada em abril, foi ao mesmo tempo uma espécie de vigília e provocação e esteve aberta durante três meses. A mostra contava com diferentes artefatos do Centro SCOP, incluindo uma escrivaninha da década de 50 além da maquete original do projeto de reforma de 1986. O fotógrafo Isaurio Huizar foi o responsável pela obra Pictorial Absence, uma série de imagens onde partes do edifício são "apagadas" com a aplicação de tinta branca. O coletivo de arquitetura Tercerunquinto construiu um “mural” com os paralelepípedos soltos depois do terremoto. O artista Pedro Reyes, um dos principais responsáveis pela exposição, desenvolveu um mosaico de um metro quadrado utilizando as mesmas técnicas dos muralistas originais do Centro SCOP ilustrando um punho erguido em vermelho.
Todos esses trabalhos se somam à peça chave da exposição - uma maquete em acrílico na 1: 300 do projeto do novo aeroporto da Cidade do México concebido por Foster + Partners e FR-EE (que não por acaso é gerido pelo também co-fundador do Archiivo, Fernando Romero). Neste modelo estão representadas minúsculas versões dos murais do Centro SCOP, os quais seriam transladados e instalados dentro do átrio central do novo aeroporto.
"Esta é definitivamente uma postura ousada e controversa, porque não deixa de ser uma proposta de projeto", diz Ballestero sobre o conceito da FR-EE. "Isso poderia realmente impulsionar novas respostas e mudanças em nossa cidade".
Mais além da exposição no Archivo, a proposta gerou muita polêmica. Em meados de março, o atual chefe do SCT Gerardo Ruiz Esparza disse em um comunicado que com a ajuda do Ministério da Cultura, os murais seriam de fato transferidos para o aeroporto, para que pudéssemos seguir vendo-os no futuro, daqui a dois ou três anos".
Entretanto, semanas após o pronunciamento de Esparza, membros do Instituto de Investigaciones Estéticas da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) enviaram uma carta à SCT e demais autoridades locais, argumentando que remover os murais de seu contexto alteraria fundamentalmente a natureza do trabalho. O grupo da UNAM solicitou uma revisão mais completa e de cunho cívico.
Ainda existem outras idéias sendo defendidas para o Centro SCOP. Mais recentemente, a Comissão de Cultura e Cinematografia propôs que os murais permanecessem onde sempre estiveram, e que toda a estrutura fosse transformada em um parque - o "pulmão" do bairro de Narvarte.
A iminente eleição presidencial mexicana complica ainda mais a questão: o líder populista Andres Manuel López Obrador (que atende por suas iniciais, AMLO) promete suspender completamente as obras do aeroporto, um projeto ilegítimo segundo suas próprias palavras.
Ballesteros duvida que qualquer pequena parte da obra comece antes das eleições. Independentemente do que venha à acontecer, ele vê paralelos importantes entre a época do Centro SCOP e aquela que estamos vivendo atualmente.
"Esses edifícios versam sobre o poder, sobre política, sobre identidade, sobre imagem e expectativas", diz ele. "No final, a arquitetura é simplesmente - e especialmente em um país como o México - uma ferramenta de auto promoção. A maioria dos problemas que enfrentamos nos anos 50 ainda são aqueles que combatemos hoje em dia.