Dias após a tragédia do incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no centro de São Paulo, que deixou vítimas fatais e centenas de desabrigados, é impossível não se perguntar sobre os rumos da habitação social no Brasil.
Até este ponto da história, a maioria dos programas de habitação social vão em direção à construção de novas unidades habitacionais. Mas segundo a especialista em planejamento urbano e habitação, Elisabete França, esse raciocínio muitas vezes é prejudicial para o desenvolvimento social de cidadãos de baixa e média renda.
“A ideia de se adquirir uma propriedade vem sendo imposta culturalmente no Brasil com mais força desde a década de 1960, obrigando famílias a passarem 30 anos ou mais pagando prestações. Mas em várias cidades e países, existem outras opções de habitação com viés social, em que a pessoa não precisa ser proprietária de sua casa”, analisa a arquiteta e urbanista, que trabalhou por dez anos na Secretaria de Planejamento e de Habitação e Desenvolvimento da cidade de São Paulo.
Paris e Nova Iorque
Em Paris, por exemplo, o governo construiu um parque de habitação social para locação, destaca França. “É lógico que o modelo também traz problemas, pelo manejo de um grande parque de habitação, a necessidade de gerenciar a estrutura, cobrar aluguel e lidar com inadimplência, não é algo fácil. Mas é possível. Já em Nova Iorque, a iniciativa privada se compromete a destinar 20% do empreendimento para habitação de baixa renda, nos mesmos moldes dos demais apartamentos ou unidades, caso queira um coeficiente maior no potencial construtivo daquela área”, ressalta.
Esse modelo que mescla habitação social em empreendimentos privados, gerenciados pelos proprietários da iniciativa, tem sido usado com sucesso na última década, inclusive na capital paulista. “São Paulo tem cerca de dez empreendimentos do tipo na região central, mas todos públicos ou de associações como a Fundo Fica“, afirma a especialista, lembrando que o panorama histórico de projetos de habitação social também é favorável aos investimentos.
Outro bom exemplo brasileiro, segundo França, é o Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, conhecido como Pedregulho, de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, projetado pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy em 1947, para abrigar funcionários públicos do então Distrito Federal.
Modelo de quase 100 anos
O modelo internacional mais icônico é o conjunto habitacional projetado pelos alemães Britz-Hof e Weissenhof Estate, e pelo austríaco Karl-Marx-Hof. “Apesar de serem obras arquitetônicas antigas, continuam sendo exemplos de moradia contemporânea, pois o senso comum ainda é o de criar novas formas de habitação para os pobres em todo o mundo que, além de mal planejados, não levam em conta os ensinamentos que deram certo no passado”, critica a urbanista.
Erguido no final da década de 1920 como parte de um programa estatal de habitação social para melhorar as condições de moradia dos trabalhadores em Viena, na Áustria, o Karl-Marx-Hof possuía apartamentos pequenos, mas equipados com um banheiro, água e energia, além de varanda em muitas unidades. Ao todo, mais de 66 mil apartamentos em 390 conjuntos habitacionais foram construídos até 1934, chegando a abrigar cerca de 10% da população vienense.
A característica mais importante dos conjuntos era a infraestrutura coletiva, que contava com lavanderias, piscinas, creches, instituições de saúde, bibliotecas, áreas verdes e de lazer. A distribuição dos apartamentos ocorria de acordo com um sistema de pontuação e o aluguel era de cerca de 4% da renda de um trabalhador da época.
E o aluguel social?
Em vias de implantação pelo Ministério das Cidades, o aluguel socialé uma proposta ainda pouco difundida nas grandes metrópoles do país. E costuma levantar dúvidas como, por exemplo, as diferenças com programas habitacionais como o Minha Casa, Minha Vida.
“Enquanto os programas estimulam a comercialização e a transferência de propriedade para alguém, o aluguel social tem outro propósito: quem constrói é a iniciativa privada e o município dá a garantia de locação por um período de tempo. Ou seja, é algo planejável, tendo ou não moradores. É um tipo de imóvel que cumpre uma função social, com direito de uso e não de posse, sem ter que pagar por aquilo”, explica o arquiteto urbanista Orlando Ribeiro.
Entre os públicos-alvo de ocupar espaços com aluguel social estão desde estudantes, trabalhadores da construção até pessoas em busca de emprego e requalificação profissional, passando por cidadãos inabilitados ao trabalho por questões de saúde. Em contrapartida, os moradores acabam tomando conta da manutenção dos espaços. “Geralmente é combinado um rodízio da limpeza do edifício, das áreas comuns, serviços de jardinagem. Os moradores pagam com o trabalho“, afirma Ribeiro.