Você já se questionou como é pensado o projeto de uma exposição? Ou como ele articula-se na montagem do conteúdo exposto?
Historicamente, o que hoje conhecemos como Museu iniciou-se como um lugar para a reunião de peças e objetos organizados por tipologia, como nos é revelado ao observamos imagens dos chamados gabinetes de curiosidades ou quarto das maravilhas, onde se organizava uma multiplicidade de objetos e espécies raras (animal, vegetal e mineral) trazidas das grandes explorações ocorridas no século XVI e XVII.
Séculos mais tarde, tais coleções começaram a ganhar força e antigos palácios transformaram suas circulações em extensas e contínuas galerias, onde apenas seus hóspedes e moradores tinham acesso. Posteriormente, no século XIX, o surgimento de pavilhões dedicados essencialmente à exposição de artefatos trouxe proximidade à ideia mais próxima do que hoje são os museus. Costumamos publicar diversos projetos de museus. Mas além da arquitetura destes, você já observou como a expografia atua de modo importante? Listamos a seguir alguns dos conceitos-chave dos projetos expográficos.
De modo prático, discorreremos acerca do emprego dos conceitos e elementos que compõem uma exposição.
CURADORIA
Não há exposição sem o trabalho de curadoria e, da mesma forma, não há o conteúdo de um museu ou galeria sem o mesmo. A curadoria diz respeito à primeira etapa de uma exposição. É o trabalho da equipe curadora, a seleção do conteúdo a ser apresentado ao público – desde formular a plataforma expositiva (de longa, curta e média duração) até mesmo, definir o objetivo e público-alvo desta, sintetizando o caráter adequado à apresentação do conteúdo.
De acordo com o The International Council of Museums (ICOM), “há, no Brasil, diferentes concepções de curadoria e, consequentemente, de curador. Uma delas entende curadoria como pesquisa de coleção e curador como o pesquisador de coleção e, em consequência, aquele que define o conteúdo da exposição. Outra, mais recente, considera curadoria como o processo que integra todas as ações em torno da coleção ou do objeto museológico: aquisição, pesquisa, conservação, documentação, comunicação (exposição e educação).” [1]
TIPOLOGIAS
Ainda dentro do trabalho de curadoria, é papel da equipe de curadores a definição da tipologia expositiva. Isto é, quanto tempo durará a temporada. Essencialmente existem três tipologias expográficas: permanente, temporária e itinerante.
Com a definição do conteúdo a ser apresentado ao público definido pela equipe curadora do Museu ou instituição (galeria, centro cultural, etc.) sob os diferentes aspectos – tanto técnicos quanto filosóficos – é fundamental que os mesmos sintetizem parâmetros a organização do conteúdo, com posterior projeto arquitetônico.
Dentre as três tipologias, tomemos como exemplo o Museu do Louvre, em Paris. É notável que a obra de maior apreço e popularidade seja a tela da Monalisa, pintada no começo do século XVI por Leonardo Da Vinci. Evidentemente, se a obra que compõe a coleção permanente da instituição fosse apresentada em curtos períodos ou temporadas, ocasionaria uma série de problemas, tanto na privação artística, quanto na superlotação do museu que anualmente recebe um público médio de 8,1 milhões de visitantes, quase que integralmente em prol da visualização da obra em questão.
A exposição permanente é aquela cujo acervo museográfico é apresentado em constância durante toda a jornada da vida da instituição. Nesta, é comum ocorrer anualmente ou num tempo maior, a substituição de algumas das peças expostas por outras do acervo, também permanente. Isso ocorre por dois aspectos fundamentais, tanto pela quantidade de obras existente na coleção de um Museu – às vezes com milhares de peças; ou pela restauração da obra após longo período exposta ao público. É exemplo desta tipologia, as coleções do Louvre, Museu de Arte de São Paulo, Museu Calouste Gulbenkian, entre outros.
Já a exposição temporária é aquele de média duração, por dois motivos principais: pela recepção temporária de obras pertencentes à coleção de outros museus/galerias (nacionais ou internacionais); ou pelo ineditismo de uma obra com fragilidades físicas pela ação do tempo. Portanto, toda a expografia necessita ser pensada à rápida montagem e desmontagem, uma vez que a instituição terá parte de suas salas ou espaços inacessados temporariamente pelo público.
Por fim, as exposições itinerantes são aquelas de curta duração. É exemplo desta tipologia, o conteúdo pensado a pavilhões, por exemplo.
LAYOUT
Após a definição do conteúdo e tipologia a ser apresentado, a definição do layout é um dos principais quesitos a serem desenvolvidos. Se o layout tiver excelente projeção à apresentação da obra, obterá sucesso na relação ao expectador, caso contrário, incita o desastre na ordem de associação do conteúdo pelo expectador, ou ainda, pontos de desinteresse no espaço pela disposição das obras.
Toda obra será inserida num espaço. Posto isto, há intrínseca relação na tríade espaço-obra-expectador. Ou seja, ao definirmos o layout expográfico para disposição do conteúdo artístico é indispensável determos em mente que a expografia por si já estará realizando uma intervenção efêmera na arquitetura e que o desenho desta terá papel fundamental no modo como o expectador realizará a leitura visual do conjunto de obras.
Outro fator a ser considerado é o espaço a ser intervindo. Com as variações físicas espaciais dos museus ou galerias como, proporção, existência de janelas e luz natural, materialidades ou sistema se iluminação, por exemplo, notadamente haverá certas interferências e mudanças quanto a leitura das obras à cada museu.
À priori existem três principais disposições de layout frequentemente empregadas: enfilade, galeria e contínuo.
Enfilade é relativo à layouts onde há uma sequência de salas sucedidas pelas extremidades e circulação principal num eixo marcado, como por exemplo o Museu do Louvre. Esta disposição apresenta relação aos palácios do século XVI que foram adaptados à tipologia museográfica. Como fragilidade deste layout destaca-se a estrutura de circulação sempre muito marcada, dispondo certas interrupções espaciais e, sobretudo, psicológicas ao conteúdo apresentado, ora, quebrando a ideia de continuidade.
O segundo modelo é aquele cujo espaço é compartimentado de modo a criar uma sucessão de pequenas salas individuais, onde o expectador acede-as de modo continuo como, por exemplo, o edifício da Tate Britain.
Por fim, o layout contínuo é uma tipologia contemporânea de apresentação do conteúdo, frequentemente empregado nas Bienais, onde é disposto uma série de elementos – de painéis a paredes – buscando a fluidez na interação entre expectador e obra, sem hierarquizar o conteúdo.
SUPERFÍCIES
Pensar em como as obras de uma coleção ou ineditismo de determinadas peças serão dispostas pelo espaço é sempre trabalho árduo. Isso porque há uma gama de possibilidades a partir da combinação dos elementos expográficos e do modo como o publico realizará a leitura do conjunto.
O primeiro ponto a ser considerado no desenvolvimento do projeto de uma exposição é o exame das propriedades físicas do espaço a ser intervindo e em mesmo grau de importância, das obras. Dimensões; materialidade das superfícies; fragilidades; se há necessidade por alterar a temperatura ambiente, etc.
Definido isso, junto aos demais processos articulados no artigo anterior, avaliamos quais serão as melhores técnicas expositivas a cada uma das peças. Em linhas gerais há quatro superfícies principais: paredes, bancadas, pódios e cavaletes. Para cada um dos elementos, é importante destacar que é imprescindível avaliar como as peças se comportarão nestes e se o artista detém alguma consideração.
Suponhamos que fossemos expor uma coleção de moedas raras. Evidentemente pela dimensão e apreço destas, necessitaríamos de uma bancada desenhada especialmente a apresentação da coleção, tanto em noções de segurança quanto ergonômica.
No caso de telas, fotografias ou pôsteres, por exemplo, utilizamos painéis ou paredes. Contanto, nestes, é imprescindível um estudo de cor, materialidade e disposição das obras, de modo a não criar um elemento em desarmonia ou excesso de informações. É importante destacar que a dimensão das peças deve ser corretamente empregada, na altura média do olhar do expectador.
Maquetes, livros, esculturas, objetos, entre outros inúmeros exemplos de objetos com dimensões menores, se adequam melhor à bancadas, ora vedadas, ora abertas, de acordo com grau de importância da peça. Ainda vele salientar a necessidade do sistema de notas e legendas à cada uma devidamente posicionadas, de modo a não competir visualmente à peça.
Esculturas, ou peças como mobiliários, por exemplo, funcionam melhor se dispostos acima de pequenos pódios, isso porque a estrutura eleva a peça do chão, criando destaque, em mesma medida que detém segurança.
Também notamos com frequência a utilização de estantes lineares unindo objetos, materiais interativos e informações sobre a temática da exposição, de forma que a superfície conduz o expectador pelo espaço.
Sabemos também que nos últimos dez anos, um conjunto de novas mídias e ferramentas digitais foi incorporado ao cotidiano e têm sido inseridos na apresentação do conteúdo e da própria produção.
Há alguns anos, toda a produção era desenvolvida analogicamente e a maneira como esta se apresentava também. Hoje, há uma variedade do conteúdo e principalmente, a apropriação das mídias e camadas digitais presentes nas relações espaciais. Consequentemente, mudanças tiveram de ser adotadas na maneira como o conteúdo é apresentado. Videoinstalações, projeções, QR code e uso de fones de ouvido, são alguns dos exemplos.
Por fim, vale destacar que a materialidade das superfícies a receber cada uma das obras deverá ser pensada de modo que haja uma rápida montagem e desmontagem. Expografias de caráter temporário e itinerante são efêmeras, portanto precisam de facilidade e rapidez. Já a expografia permanente, por estar sujeita a uma longa vida útil, carece de materiais com durabilidade.
ESCALAS
Assim como pontuado anteriormente, atente-se às características físicas da obra. Neste sentido, também vale destacar a escala das peças dentro do espaço. Há peças muito pequenas, como uma coleção de botões à obras muito grandes, como uma escultura de Richard Serra, por exemplo. Portanto, determinadas obras carecem da construção de espaços e/ou salas menores, bem como painéis ou elementos que detenham um perímetro menor.
Quando falamos em escalas, também devemos ter em mente a tríade entre obra, expectador, e espaço. Sendo assim, é importante que ainda na fase projetual, simulações acerca da distancia entre observador e objeto sejam realizadas.
ILUMINAÇÃO
A iluminação é a “cereja do bolo” num projeto expográfico. É a responsável por fundamentar certos pontos de interesse numa superfície, por exemplo.
Sabemos que ao intervir numa arquitetura com a montagem de exposição devemos considerar o sistema de iluminação do mesmo. Contanto, sempre haverá a necessidade de sistemas de iluminação complementares. Mesmo que o espaço contenha trilhos eletrificados para correto posicionamento da luz na obra, certos espaços não obtém o mesmo e demandam o desenvolvimento de sistemas alternativos: bancadas iluminadas; luminárias desenhadas especialmente para fixação nas paredes, de modo que ilumine determinada tela; balizadores, etc.
Sempre adote lâmpadas coerentes à aplicação nos espaços expositivos, pois, certas lâmpadas tendem a deteriorar as obras pela ação do tempo exposta à mesma.
Luz difusa, pontual, ou de efeito são alguns dos exemplos a projeção da luz sobre as peças. Pense-as em cada caso.
Ainda é importante considerar se o espaço sofrerá a interferência da iluminação natural ou não. Sombras ou mesmo a temperatura solar podem ocasionar danos à determinadas obras.
Notas:
[1] (ICOM, p.33, 2007)
Referências Bibliográficas
DESVALLÉES, André; MAIRESSE, François. Conceitos-chave de museologia. ICOM. 2013