Pensemos numa folha de papel. Caso haja a tentativa de deixa-la em pé a partir de seu estado primário, a mesma não sustentará seu peso próprio. Contanto, se a curvarmos ou dobrarmos, a mesma atinge uma nova qualidade estrutural, suportando seu próprio peso. Da mesma forma, agem as cascas. “Não se pode imaginar uma forma que não necessite de uma estrutura, ou uma estrutura que não tenha uma forma. Toda forma tem uma estrutura e toda estrutura tem uma forma. Dessa maneira, não se pode conceber uma forma sem se conceber automaticamente uma estrutura e vice-versa.” [1] A importância do pensamento estrutural que culmina no objeto construído é então, tida pela relação entre forma e estrutura. A partir da associação do concreto e do aço, destacam-se as cascas, estruturas cujas superfícies curvas contínuas apresentam pequena espessura, se comparada às outras dimensões, frequentemente utilizadas em grandes coberturas e não permitindo esforços pontuais.
As cascas são estruturas muito utilizadas para coberturas de grandes vãos sem apoios intermediários. Em termos estruturais, são eficientes por resistirem muito bem a esforços de compressão, podendo, em pontos específicos de sua superfície, principalmente próximos aos apoios, absorverem pequenos momentos de flexão.
As atuais cascas têm seus primórdios nas civilizações egípcias, assírias e romanas, quando eram erigidas estruturas em arcos e estruturas abobadadas, utilizando alvenaria de pedra e tipos rudimentares de concreto como material de construção. O Panteão de Roma e a Basílica de Santa Sofia de Istambul são espetaculares exemplos que até hoje resistem. Não existia o cálculo estrutural como hoje conhecemos. O edifício era erguido utilizando conhecimentos práticos e empíricos adquiridos pelos profissionais através da observação e da repetição de procedimentos. Atualmente são utilizados modernos modelos computacionais, como o método dos elementos finitos, que auxiliam de sobremaneira o projeto destas estruturas. Após algum tempo sem avanços significativos nos métodos construtivos, as cascas tiveram grande evolução a partir do início do século XX, com o aperfeiçoamento do concreto armado - um material moldável e muito resistente à compressão, à flexão e, de certo modo, também à tração.
A introdução das modernas cascas deve-se a arquitetos e engenheiros como Eugène Freyssinet (1879-1962), Bernardo Laffaielle (1900-1955), Pier Luigi Nervi (1891-1979), Eduardo Tarroja (1899-1961), Félix Candela (1910-1997), entre outros, que introduziram inovadoras teorias de projeto e execução de obras, que permitiram a construção de estruturas de dupla curvatura até hoje admiradas, tais como o paraboloide hiperbólicos que cobre o restaurante da Cidade das Artes e Ciências em Valência, Espanha, projetado por Candela.
Com o projeto da Igreja da Pampulha, Oscar Niemeyer (1907-20120) é considerado como o precursor das cascas no Brasil, tendo sob suas responsabilidades diversas outras obras com o mesmo processo construtivo no País e no mundo.
É interessante notar que as cascas tem seu funcionamento estrutural muito semelhante às membranas, só que de modo invertido. Ou seja, enquanto que nas membranas os esforços são quase que exclusivamente de tração, ao serem invertidos, ou “virados de cabeça para baixo”, estes esforços passam a ser de compressão e daí o concreto é o material ideal para resisti-los. Antoni Gaudi (1852-1926) usava este processo para realizar seus arrojados projetos.
As cascas conseguem resistir a grandes cargas de compressão distribuídas uniformemente sobre sua superfície, no entanto, devido à sua pouca espessura, tem pouca resistência à tração e não devem receber cargas concentradas. A carga distribuída superficialmente é representada pelo peso próprio da estrutura, dos materiais de revestimento e da pressão do vento.
Resumindo, pode-se dizer que uma estrutura em casca é uma superfície curva contínua onde a espessura é bem menor que as outras dimensões. O comportamento estrutural da casca é dividido em duas parcelas: a teoria da membrana e a teoria da flexão. Na primeira é considerado o mecanismo resistente de membrana, que resulta em solicitações por forças normais e cisalhamento. Na segunda são consideradas as flexões, que resulta na casca curva em solicitações por momentos, esforços normais, cortante e cisalhamento longitudinal. No projeto das cascas deve-se ter uma especial atenção nas regiões dos apoios, pois nestas regiões podem ocorrer solicitações de flexão significativas. [2]
A construção de grandes cascas teve seu apogeu na década de 1960. Seu uso entrou em declínio devido aos altos custos de mão de obra, do concreto e das fôrmas e escoramento que dificilmente poderiam ser reaproveitados em outra obra similar. As cascas, por serem de pouca espessura, exigem constantes manutenções para evitar infiltrações e outras patologias construtivas. A partir dos anos 80 do século passado regressou a preferência por formas poligonais e por estruturas tensionadas para coberturas de grandes vãos.
Compilamos a seguir alguns dos icônicos projetos construídos utilizando cascas de concreto:
Clássicos da Arquitetura: Restaurante Los Manantiales / Félix Candela
Clásicos de Arquitectura: Hipódromo de la Zarzuela / Carlos Arniches + Martín Domínguez + Eduardo Torroja
Clássicos da Arquitetura: Igreja da Pampulha / Oscar Niemeyer
Capela Bosjes / Steyn Studio
Notas:
[1] (REBELLO, 2000, p. 26).
[2] (MEDRANO; MEIRELLES, 2005)
Referências Bibliográficas
REBELLO, Y. A Concepção Estrutural e a Arquitetura. 9. ed. São Paulo: Zigurate, 2000.
REBELLO, Y. Bases para Projeto Estrutural na Arquitetura. 4.ed. São Paulo: Zigurate, 2007.
MEDRANO, R. H.; MEIRELLES, C. R. M.: 2005, Estruturas Espaciais em Cascas: Estudo de Casos Latino-Americano, In: XXI Conferência Latinoamericana de Escuelas y Facultades de Arquitectura – CLEFA, Loja.
TEIXEIRA, Pedro Wellington G. N.; DE HANAI, João Bento. Projeto e execução de coberturas em casca de concreto com forma de membrana pênsil invertida e seção tipo sanduíche. Cadernos de Engenharia de Estruturas, São Carlos, n. 19, p.101-131, 2002.