Direto do Blog da Fundación Arquia, o arquiteto Raúl García García, nos convida a conhecer um pouco mais sobre o processo criativo de Álvaro Siza através de seus esboços mais elementares, um dos arquitetos mais importantes de meados do século XX e início do século XXI.
Esta é uma analogia entre a livre associação de imagens, ideias e formas concebidas por Siza, arquiteto e desenhista compulsivo, e a interpretação dos sonhos segundo Freud.
‘Um arquiteto é um projetista de sonhos’. É assim, de forma tão poética, que Grace McGarvie define nossa profissão, referindo-se ao nosso potencial imagético na hora de projetar, aquilo que nos permite criar edifícios e espaços muito mais apropriados à um cenário de ficção científica.
Entretanto, esta definição se torna ainda mais apropriada quando estamos falando do processo criativo de Álvaro Siza, um dos grandes nomes da arquitetura contemporânea mundial dos séculos XX e XXI.
O ‘Maestro’ (como é chamado em seu país, tanto por seus alunos, garçons ou taxistas) é sem sombra de dúvidas um arquiteto muito singular. Sua metodologia artesanal e sua personalidade parecem impróprias para um ‘starchitect’ que ainda assim, coleciona prêmios e distintos reconhecimentos, mas que prefere deixar que sua obra fale por si.
Um dos aspectos mais importantes de seu processo criativo é o esboço.
Eduardo Souto de Moura (Prêmio Pritzker e antigo parceiro de Siza) o define da seguinte maneira: “O que ele deve à Arquitectura Contemporânea é um método próprio baseado no ‘desenho contínuo’ durante 14 horas por dia e inclusive durante a noite. Siza desenha como uma impressora, continuamente. (…) Desenha sem parar até encontrar a ideia que o permite concluir um pensamento. Após encontra-la, ele retoma o processo do projeto para que a convicção alcançada não se perca.
Quando Álvaro está desenhando, parece uma máquina. Parece entrar em transe, como um médium que decodifica mensagens de forma compulsiva no papel sem nenhuma lógica, até que de repente, ele encontra uma saída e tudo começa a se encaixar, tudo começa a fazer sentido.
Um problema nas pálpebras, que o gênio português vem enfrentando há anos, o qual faz com que seus olhos se fechem de forma involuntária, faz com que esta figura de ‘desenhista médium’ pareça ainda mais misteriosa. Paradoxalmente, uma das frases preferidas de Siza é ‘Os olhos que não veem”, também muito usada por Le Corbusier.
William J.R.Curtis, foi ainda mais longe ao estabelecer um interessante paralelismo entre ‘o projetista dos sonhos’ e a forma que a mente trabalha segundo Freud, pai da psicanálise, na hora de interpretar os nossos sonhos: “A livre associação de imagens, ideas e formas (do processo criativo de Siza) nos faz lembrar de como Freud interpreta os sonhos (…) É como se ele estivesse dedicado a submeter o material a um processo de compressão e concentração… um elemento onírico que pode corresponder a numerosos elementos da realidade.”
O elemento onírico (segundo Freud, o sonho antes de ser submetido a análise, tal como se apresenta ao sujeito) se materializa em Siza na forma de desenhos ‘inconscientes’, em transe, sem finalidade aparente que preenchem as páginas do seu caderno, guardanapos, envelopes e qualquer outro tipo de suporte ao alcance da mão.
Os elementos da realidade (o conjunto de significantes os quais conduzem a análise de uma produção do inconsciente) aparecem no processo criativo de Siza em um dado momento, sem muita espera, graças a uma lembrança de outro projeto, a uma influência inconsciente, (já que segundo o próprio, ‘os arquitetos não criam nada, somente transformam o que já existe’), e este é o elemento que faz com que tudo se encaixe e o projecto deslanche com um objetivo que até então parecia viajar a deriva pela mente do Arquiteto.
Seja como for, o que é importante para um arquiteto é nunca deixar de sonhar, já que - como diria Walt Whitman - “só nos sonhos, pode ser livre o homem”…
Este artigo foi originalmente publicado como 'El dibujante de sueños' no blog da Fundación Arquia e escrito por Raúl García García. Saiba mais sobre seus artigos aqui.