Poucas cidades do planeta tiveram a coragem de taxar a circulação de veículos – mesmo que os exemplos existentes tenham sido, até aqui, positivos. Coube a Buenos Aires o papel de lançar a primeira política desse tipo na América Latina. A partir de agora, a prefeitura cobrará pelo ganho de tempo dos que insistem em usar o carro no centro histórico (chamado Microcentro) da capital portenha e no bairro de Retiro entre 11h e 16h. A capital portenha soma-se à lista que tem como principais nomes Cingapura, Londres, Estocolmo e Milão.
A prefeitura de Buenos Aires espera reduzir o trânsito de veículos em 50%, o que significa 35 mil carros na área de 70 quadras e dois quilômetros quadrados que conta com importantes marcos da cidade como a Casa Rosada, a Praça e a Avenida de Mayo, a catedral e a Calle Florida, importante área comercial e turística. A região agrega muitos empregos, especialmente do setor público, e é bem atendida pelos serviços de transporte coletivo: são cinco linhas de metrô, dezenas de linhas de ônibus e duas de Bus Rapid Transit (BRT), além do EcoBici, sistema de bicicletas compartilhadas.
As metas da cidade não encerram aí. Até outubro deste ano, a zona de cobrança será dobrada, para 142 quadras. Em 2019, planeja-se ampliar o horário de cobrança para começar às 9h e encerrar às 18h. Serão 80 câmeras espalhadas para realizar a fiscalização. Os motoristas interessados devem comprovar a disponibilidade de uma garagem para estacionar seus carros e pagarão cerca de US$ 77 por ano. A multa para quem violar as regras será de US$ 65.
Veículos e motos usados para entregas, veículos de emergência e de transporte escolar não precisam pagar. Mediante comprovação, também são autorizados moradores da região, pais com filhos que estudam em escolas do perímetro, motoristas com deficiência física ou mobilidade reduzida, veículos e motos de entregas, funerários, de distribuição de jornais e revistas e carros-fortes. Vans de turismo e hotéis com estacionamento também são obrigados a pagar pela permissão. Assim, turistas hospedados serão considerados residentes.
Além de servir para incentivar meios mais sustentáveis de transporte, a taxação do congestionamento é uma maneira de equilibrar, a partir da questão financeira, o uso das vias da cidade – um espaço público limitado e de alto valor. Vivemos até aqui tempos em que os veículos tiveram prioridade, cada vez ganhando mais espaço, mas é por meio de medidas como essa que o paradigma pode mudar. Buenos Aires tem um exemplo claro da prioridade dada aos veículos particulares, que é a Avenida 9 de Julho.
No caso de Londres, a renda extra trazida pela cobrança de pedágio urbano é revertida para melhorias no transporte coletivo. Além dos ganhos de velocidade média no trânsito, pesquisas mostraram uma importante redução no número de acidentes, que caíram 40% entre 2003 e 2014 na megalópole britânica.
Existem diversas alternativas para gerar receitas adicionais capazes de contribuir para a melhoria do transporte coletivo – taxar o uso do espaço é apenas uma delas. Não há clareza sobre como Buenos Aires usará a receita adicional, mas transformar o comportamento de quem se desloca diariamente pela região central da cidade é um começo importante.
É claro que medidas como essas soam radicais, principalmente se não há o devido trabalho de governança e participação da população. A população de Estocolmo, por exemplo, começou contrária à medida, com pesquisa revelando que 80% da população se opunha à proposta de pagar para usar o carro em determinados horários. Mas, em referendo realizado após a fase experimental, a preferência da maioria da população foi por continuar a iniciativa.
O exemplo de Buenos Aires é importante para o contexto latino-americano. Durante o processo de adaptação, será importante a cidade medir os efeitos, mudar algumas regras se necessário, para que os benefícios sejam mais facilmente percebidos pelos argentinos. Haverá protestos, mas o bem da maioria e o incentivo a uma visão mais humana de cidade devem sempre prevalecer.