Ao sair pelas ruas de Zurique, após participar de uma conferência sobre qualidade de vida, me deparei com o exemplo vivo do que havia acabado de escutar. Virei a esquina e me senti dentro de uma renderização arquitetônica: as árvores estavam podadas e verdes, não havia fios elétricos por todos os lados e os meios-fios subiam e desciam conformando rampas. Ciclistas trafegavam elegantemente pelas ciclovias, o bonde se deslocava silencioso e pontual e banhistas desfrutavam o verão nos rios e lagos no centro da cidade. Para minha surpresa, caminhei sob um viaduto e percebi que até locais como esse podem ser qualificados e seguros. Em seguida, tomei um café sabendo que quem me atendeu recebe um salário justo e não precisa se desdobrar em três empregos para pagar as contas (é claro que o café não saiu barato…). São essas pequenas constatações, quase mundanas para alguns, que juntas proporcionam um bem-estar difícil de mensurar.
A cidade suíça foi a escolhida pela Monocle Magazine para sediar a edição deste ano da Quality of Life Conference. A conferência acontece anualmente, em diferentes cidades do mundo, com o intuito de debater o que afeta a qualidade de vida nos ambientes urbanos. Os painéis reuniram economistas, empresários, arquitetos, jornalistas, designers, entre outros. Mas falar sobre qualidade de vida não é algo simples. Além da segurança, espaços verdes e obras de infraestrutura, há muitas outras variáveis que contribuem para o resultado final - como preço dos imóveis, oportunidades para empreendedores e oferta de espaços culturais. Além disso, há pessoas que consideram sua vida boa mesmo em ambientes adversos, enquanto outras não se vêem satisfeitas com tudo do melhor à disposição. Individualidades à parte, ficou claro durante a conferência que o ambiente urbano tem influência determinante na felicidade de seus habitantes- e é nele que se desenrolam outros temas também abordados no evento, como ações contra o terrorismo,o futuro do trabalho moderno, inovações na mobilidade urbana, tendências para o varejo e dicas para começar uma coleção de arte.
Participei da conferência como representante do ArchDaily e, mesmo morando em uma região considerada bem desenvolvida no Brasil, a realidade não poderia ser mais contrastante. No ranking anual que a Monocle Magazine faz das melhores cidades do mundo, Zurique aparece em quarto lugar, atrás de Munique, Tóquio e Viena. Ainda que seja quase irresponsável comparar o contexto econômico - e o passado histórico - entre a Suíça e a América Latina, algumas questões me levam a acreditar que estamos muito longe de uma qualidade de vida adequada. E, pior, que estamos indo em direções opostas em diversos aspectos. Enquanto por aqui precisamos nos esforçar para mostrar a importância do transporte público, os suíços se empenham para melhorar a qualidade dos seus (impecáveis) trams. Enquanto no Brasil há leis que querem flexibilizar o uso de agrotóxicos nas lavouras, um dos palestrantes da conferência representava uma empresa focada em entregar comida saudável e de qualidade nos escritórios de Zurique. Enquanto por aqui a democracia vem sendo ameaçada frequentemente, os suíços votam dezenas de vezes por ano para definir assuntos diversos, como horário de trabalho e outras questões relevantes para o país.
Mas é interessante notar que eles também podem aprender com bons exemplos nossos. O Minhocão, em São Paulo, foi citado mais de uma vez durante a conferência, dentre diversos outros exemplos de transformação urbana. De fato, representa um experimento interessante: uma via de passagem rápida, hostil ao pedestre, que de uma hora para outra, passa a ser um local de convívio intenso, adotado e adorado pelos paulistanos. Ou mesmo a reforma que possibilitou o Sesc 24 de maio construir uma piscina pública na sua cobertura, em meio à dura paisagem urbana da cidade de São Paulo, que se utilizou de dois antigos edifícios para conformar um marco urbano e local de encontro na cidade. Ambos os exemplos demonstram como é possível buscar soluções adequadas mesmo sem tantos recursos e como gentilezas urbanas, desde as mais simples às mais elaboradas, têm o poder de transformar. Na Suíça, tais gentilezas parecem mais a norma que a exceção. Por mais clichê que possa parecer, e como teóricos como Jane Jacobs e Jan Gehl defendem, quando as cidades são pensadas na escala das pessoas, elas tornam-se mais humanas, agradáveis, amigáveis e tendem a uma melhor qualidade de vida. Em um mundo onde mais da metade da população vive em cidades, com esse número aumentando, esse parece um debate um tanto quanto pertinente.
Para ler sobre esse tema em diversas outras cidades do mundo, e saber mais sobre a próxima Monocle’s Quality of Life Conference, assine a Monocle Magazine.