Museus hiperconectados: Como os museus vêm se moldando à tecnologia?

Nas últimas duas décadas as tecnologias digitais vêm mudando a maneira como utilizamos e nos relacionamos com os espaços, sobretudo os públicos, potencialmente mediados por redes e dispositivos que permitem colocar-nos em novas posições. Em maio deste ano, durante a semana mundial de eventos do Museum Day, promovida pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM) foi adotada a temática Hyperconnected museums: New approaches, new publics como mote para o ciclo de debates da edição 2018, que se propôs a discutir o relacionamento dos museus enquanto instituição à sociedade a partir da conectividade digital, tanto no que diz respeito à organização do espaço físico quanto à interação com o público.

No desdobramento do ciclo de debates que ocorreu em museus de todo o mundo, o que se percebeu foi que as instituições estão cada vez mais focadas em criar uma rede junto a seu público, o que é possível através da tecnologia. O fato é que imaginar uma exposição, bem como o museu enquanto objeto no ambiente urbano, é também imaginar as possibilidades de interação do público, tornando-se inevitável efetuar comparações à maneira como os expectadores relacionavam-se com as obras antigamente e como isso tem se modificado na chamada “Era da selfie”.

Multidões em torno da Mona Lisa de Da Vinci no Louvre, Paris. Image © Guine Besana

De que maneira a tecnologia aproxima os museus de seu público? As plataformas digitais são essenciais ou têm ultrapassado a linha tênue existente? Há limites?

Não é surpreendente que instituições de todo o mundo tenham adotado ferramentas tecnológicas, tais como QR codes, áudio guias, hashtags oficiais, lives, etc.,  que buscam atrair e entreter o público. Contanto, o envolvimento entre os espaços museográficos e dispositivos digitais ainda gera dubiedade. Isso porque se por um lado provocam uma rede de compartilhamentos nas mídias e consequentemente, ampliam o número de expectadores e filas na porta de exposições, por outro, também provocam certa dispersão ao conteúdo e ao que este se propõe enquanto reflexão crítica. É dentro deste cenário que artistas têm cada vez mais incorporado as mídias no desenvolvimento das obras: vídeo instalações, obras participativas por meio de aplicativos desenvolvidos especialmente a determinada mostra, entre outros inúmeros exemplos, evidenciando um novo comportamento por parte das instituições, artistas e público.

Instalação I am - Estúdio Guto requena. Image © Fernanda Ligabue e Rafael Frasão

Dentro deste contexto, convém destacarmos o Museum of Ice Cream, um espaço sem coleções ou programação pré-estabelecida, que conta apenas com uma sucessão de cenários à selfies. Posto isso, uma onda de discussões parecem manifestar-se acerca do verdadeiro significado do Museu quanto espaço e seu papel social. O museu do sorvete, enquanto caso, evidencia apenas o que tem se tornado estes espaços ou pode ser visto como um espaço crítico? Eis a questão! Em recente entrevista a Even Magazine numa matéria intitulada "The Price of Shares", Rob Horning declarou sobre a urgência no entendimento de como as mídias sociais vêm moldando e impactando os espaços museográficos. Segundo ele:

"Mesmo supondo que os visitantes do museu realmente quisessem ser participantes e não consumidores de arte, as mídias sociais agora oferecem uma “moeda de troca” em uma escala que faz as ambições da estética relacional parecerem banais. Os telefones não só podem fornecer informações - e a maioria dos museus está ansiosa para ter seus aplicativos personalizados instalados nos dispositivos dos visitantes -, mas seu recurso de câmera também oferece uma maneira segura de "participar" da arte. Museus não são mais espaços para se experimentar arte, mas sim espaços para se realizar experiências de arte. Assim, as escolhas curatoriais agora são voltadas para incentivar os visitantes a promover sua visita. Os museus, à medida que se conectam às mídias sociais para impulsionar suas métricas, tornaram-se um apêndice do telefone e de suas plataformas, seus modos de envolver os usuários, seus algoritmos para gratificar os consumidores." [1]

© Imagen Subliminal

Ainda nas discussões do Museum Day, nos mais variados discursos e discussões, também se destaca a indispensável menção ao engajamento destas instituições na constante busca por atingir aqueles com dificuldade no acesso aos ambientes físicos museográficos, especialmente aqueles que vivem em áreas periféricas ou rurais. As chamadas “visitas virtuais” disponibilizadas por alguma instituições têm crescido e sido desenvolvidas em seus respectivos sites com o intuito da democratização da arte e possibilidade de acessos de públicos diversos. Convém destacar que o projeto Google Arts & Culture também corrobora com a ideia e hoje a plataforma oferece a possibilidade de explorar mais de 2.500 museus.

Conectar-se ao público já estabelecido é necessário no que diz respeito ao viés publicitário, estabelecendo redes conectivas. Mas, apostar em iniciativas para novos públicos é fundamental. A pergunta-chave buscada pelos órgãos fundamentados no departamento de Museus dos diferentes países e das instituições de modo individual é "quem é este público". O fato é que independentemente dos quesitos ocasionalmente analisados, tais como gênero e faixa etária, essa noção expandiu-se e um dos principais pontos agora analisados é onde está esse público dentro do ambiente digital.

Segundo o ICOM, “é impossível entender o papel dos museus sem levar em conta todas as conexões que eles fazem. Eles são uma parte inerente de suas comunidades locais, sua paisagem cultural e seu ambiente natural. Graças à tecnologia, os museus agora podem ir além de seu público principal e encontrar novos públicos ao abordar suas coleções de uma maneira diferente: pode ser a digitalização de suas coleções, adicionar elementos multimídia à exposição ou algo tão simples quanto uma hashtags que permita visitantes para compartilhar sua experiência em mídias sociais.” [2]

Em linhas gerais, verifica-se a incorporação das mídias digitais como ferramenta natural nos diferentes departamentos dos museus – curatorial, expográfico e publicitário. Estudos apontam tal cenário como é o caso do livro Digital Technologies and the Museum Experience de Loic Tallon – responsável pelo departamento de mídias digitais do Metropolitan Museum de Nova Iorque – e Kevin Walker.

Atualmente é indispensável pensarmos o museu enquanto espaço e reunião de conteúdo contemplando as transformações na maneira como utilizamos os espaços e nos relacionamos com o conteúdo exposto. É também importante estabelecer certos parâmetros e limites mediadores no tripé "espaço, obra e expectador", aproximando o público à arte por meio da tecnologia enquanto dispositivo e não deixando-a tomar novos rumos de maneira prejudicial.

Notas

[1] HORNING, 2018.
[2] ICOM, 2018.

Referências Bibliográficas
HORNING, Rob. The Price of Shares. Even Magazine. Disponível em: <http://evenmagazine.com/the-price-of-shares/?mc_cid=990b3bc3db&mc_eid=e36685346f>. Acesso em 27 Julho 2018.
ICOM. Boletim ICOM Portugal. Série III Fevereiro 2018 N.º 11. Disponível em <http://icom-portugal.org/wp-content/uploads/2018/02/Boletim_ICOMPT_11_Fev_2018_site.pdf>. Acesso em 11 Julho 2018.
ICOM. International Musuem Day. Disponível em: <http://network.icom.museum/international-museum-day/imd-2017/the-theme/>. Acesso em 11 Julho 2018.

Sobre este autor
Cita: Matheus Pereira. "Museus hiperconectados: Como os museus vêm se moldando à tecnologia?" 27 Jul 2018. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/898720/museus-hiperconectados-como-os-museus-vem-se-moldando-a-tecnologia> ISSN 0719-8906

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