Este artigo foi originalmente publicado pela Metropolis Magazine como "Can’t Be Bothered: The Chic Indifference of Post-Digital Drawing."
No universo da arquitetura, o termo “pós-digital” pode ser usado com diferentes significados. Alguns o utilizam para referir-se a um estilo de renderização que se tornou popular entre estudantes, e cada vez mais, também entre os escritórios de arquitetura. Outros emprestam o seu significado para definir objetos arquitetônicos construídos, assim como tudo aquilo que tange a onipresença da esfera “digital” em nossa vida contemporânea.
Em ambos os casos, pós-digital simboliza a consciência e o juízo; uma indiferença letárgica e arrebatadora que vimos florescer em contrapartida à chamada "era digital". Basta estar vivo para perceber que a "virada digital" foi, e ainda é, apenas uma grande desilusão. Ter acreditado que o ceticismo da era digital pudesse favorecer o nascimento de uma nova sensibilidade projetual não deixa de ser admirável - uma vez que muitas das recentes experimentações artísticas são resultado direto da utilização das novas ferramentas digitais. No entanto, o termo “pós-digital”, aplicado à nosso universo arquitetônico, acabou desprovido de seu potencial crítico e subversivo para apenas ser aplicado no rearranjo de métodos disciplinares que respondessem a esta suposta nova era pós-digital. Isso significa que, de maneira simplista, pós-digital tornou-se meramente a descrição de um estilo de representação.
A definição do termo “desenho pós-digital” foi cunhada pelo arquiteto e escritor Sam Jacob em um ensaio publicado pela e-flux. Em suas próprias palavras, esta categoria de desenho “acentua a qualidade representacional da imagem, evitando um realismo preestabelecido para evidenciar a importância do desenho como um instrumento de criação”. Jacob faz uso da expressão “realismo predefinido” para se referir às renderizações fotorrealistas amplamente utilizadas nos dias de hoje, as quais combinam a utilização de diferentes softwares de renderização com pós-produção em Photoshop. Apesar da espantosa diversidade arquitetônica apresentada por estas imagens, este “realismo” pode parecer estático e até mesmo torpe devido ao repetitivo uso de elementos homogeneizantes. Salvo poucas exceções, estas imagens são um acúmulo exagerado de elementos e ferramentas digitais.
Esse recurso, por mais expressivo que possa ser, é apenas mais um truque simples onde substitui-se a imagem base, aplicando um conjunto sequencial de processos e filtros. Afinal de contas, o que seria este “realismo pré-definido”, senão uma forma recorrente de “desenhar e ver” que constrói ativa e meticulosamente um mundo representativo?
Por outro lado, o chamado desenho pós-digital procura representar o espaço de uma maneira pictórica, remetendo às paisagens de Magritte, Sheeler, Hockney e Hopper. Estes panoramas pitorescos são como fotografias de grande formato que lembram até mesmo os primeiras renderizações utilizadas por Rem Koolhaas nos primórdios do OMA. As infinitas referências utilizadas permitem ao desenho pós-digital criar um universo de novas realidades, recusando-se energicamente a trabalhar com o brilho, a definição, a fidelidade e a perspectiva. Aqui, as ferramentas digitais do fotorrealismo são completamente substituídas por outros elementos de representação: proporção mais quadrada, frontalidade inflexível, distância focal quase infinita, ausência de perspectiva, profusão de “ruído”, sobreposições de texturas, colagem digital ou montagem, dessaturação e paleta de cores restritas, utilização de fragmentos de pinturas icônicas, mobiliário idiossincrático, plantas suculentas e tantos outros elementos domésticos e efêmeros. Ao valorizar o banal e representar de modo a simular o passado, o desenho pós-digital é uma manifestação tardia da estética da frustração millennial, que deu seus primeiros sinais mais de uma década atrás.
Em meados dos anos 2000, os críticos culturais britânicos Mark Fisher e Simon Reynolds ressuscitaram o termo Derridiano “hauntologia” para referir-se ao trabalho de um grupo emergente de músicos, a maioria deles ligados à Ghost Box Records. A música, caracterizada por um impulso retro-consciente, misturava processos digitais e analógicos para produzir um som eletrônico aparentemente impreciso, falho, arranhado e antiquado. A estética refletia a letargia cultural de seu tempo; o onze de setembro, a guerra do Iraque e o caos do capitalismo financeiro. Sua sonoridade sombria denunciava este anseio por um passado idealizado pré-thatcherista, entre o estado do bem estar social e a utopia modernista. Esta atmosfera anômala foi então traduzida e eternizada em uma série de samples musicais e capas de álbuns.
Durante este período, o mundo da arquitetura vivia seu próprio momento “hauntológico”. O surgimento das primeiras propostas do DOGMA explicitam claramente esta conjuntura. Outros tantos arquitetos do leste da Europa avançavam vigorosamente nesta direção, contestando o avanço desenfreado da urbanização típica do novo liberalismo-econômico, oscilando entre a nostalgia do Estado de bem-estar social e a possibilidade de um futuro utópico. Projetos como o Stop City (2007) e A Simple Heart (2011), do DOGMA, faziam referência a este passado recente, através de enormes elementos formais representados de maneira austera em colagens pictóricas e montagens toscas. Esses projetos procuravam explorar a formalidade arquitetônica da alucinante especulação neoliberal, imbuindo-a com a humanidade de uma coletividade igualitária. Somando-se a isso, as colagens construíam paisagens sublimes e idealizadas, fundamentando os projetos na onipresença da banal vista aérea fornecida pelo Google Earth; um despertar bronco de um devaneio fugaz.
Nos anos que se seguiram ao surgimento do provocativo trabalho do DOGMA, o estilo pós-digital de representação internalizou esse repertório criativo, porém, reduzindo-o a um simples filtro estético letárgico obcecado pelo analógico e rudimentar. A aparência dissimulada e predefinida do "realismo" foi substituída então por um efeito "retro-fetichista" indiferente quanto à materialidade, escala e programa. O conteúdo arquitetônico das imagens "pós-digitais" é desmantelado pela semiótica de uma modéstia chique, à medida que a indiferença ao realismo encobre uma ansiosa resignação ao empobrecimento do presente. O idealismo de uma arquitetura baseada na sustentabilidade e nas relações sociais é dizimado, assim como o impulso político radical daqueles primeiros projetos hauntológicos. O que se manteve, ao invés disso, é a aparência pitoresca pastel que torna a forma arquitetônica inerte a ponto de perder seu significado. Mas talvez, seja exatamente esse o ponto.