Ainda que todos sejamos pedestres, muitas vezes quem está atrás do volante não respeita o espaço, o tempo ou a prioridade de quem anda a pé. Esse é um dos motivos que faz de qualquer caminhada nas cidades um desafio. Além das questões de segurança pública, a hierarquia e o consequente desenho urbano que configuram as vias urbanas brasileiras dificultam o atendimento dos direitos básicos dos pedestres.
Para marcar mais este 8 de agosto, Dia do Pedestre, listamos os Direitos dos Pedestres de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB - Lei 9.503/97) e como o desenho urbano seguro pode contribuir para o exercício desses direitos.
Calçada é território de quem caminha
Art. 68. É assegurada ao pedestre a utilização dos passeios ou passagens apropriadas das vias urbanas e dos acostamentos das vias rurais para circulação, podendo a autoridade competente permitir a utilização de parte da calçada para outros fins, desde que não seja prejudicial ao fluxo de pedestres.
A infraestrutura das calçadas é um dos principais elementos que influenciam na mobilidade a pé. Ela atua no conforto percebido durante a caminhada e pode determinar a disposição que as pessoas têm de usar o caminhar como meio de transporte em seus deslocamentos diários.
Em uma cidade, a calçada nada mais é do que parte do espaço público. Portanto, deve ser capaz de atender democraticamente todos seus usuários. Faz parte de uma boa infraestrutura não apenas o pavimento de qualidade, mas também a dimensão adequada, iluminação, acessibilidade universal, fachadas ativas, arborização e mobiliário urbano.
A utilização da calçada para outros fins – que não o de passagem – deve depender do dimensionamento adequado. Elas devem ser compostas por uma faixa livre, onde não há nada que interfere no trânsito dos pedestres, uma faixa de serviço, que pode acomodar postes de iluminação, sinalização, paradas de ônibus, lixeiras, canteiros, mobiliário urbano etc, e uma faixa de transição, que acomoda elementos de acesso às edificações.
Infelizmente, em muitos casos, algumas calçadas não atendem a nenhum desses princípios, tornando inviável o direito de utilização dos pedestres.
Compartilhadas, desde que com segurança
No caso – não raro – de ausência da calçada, o parágrafo 2 do artigo 68 prevê que:
§ 2º Nas áreas urbanas, quando não houver passeios ou quando não for possível a utilização destes, a circulação de pedestres na pista de rolamento será feita com prioridade sobre os veículos, pelos bordos da pista, em fila única, exceto em locais proibidos pela sinalização e nas situações em que a segurança ficar comprometida.
“Nas ruas onde não existe calçada, o espaço é compartilhado entre veículos e pessoas caminhando. Mas nem todas as ruas apresentam as características necessárias para que esse compartilhamento aconteça de forma segura. Nesses casos, a velocidade dos veículos deve ser compatível com a situação, levando em consideração a fragilidade dos pedestres em caso de colisão, o que significa adotar velocidades máximas de cerca de 15 km/h. O Código deve ser mais claro para definir prioridade dos pedestres sobre os veículos”, explica Paula Santos, gerente de Mobilidade Ativa do WRI Brasil.
Em caso da ausência de calçadas, quem transita a pé acaba em uma situação de maior risco ao disputar o espaço com os veículos. Estudos comprovam que a incidência de atropelamentos é maior em vias sem calçadas. Sendo o usuário mais vulnerável, o pedestre precisa de prioridade na via e, portanto, a velocidade permitida do tráfego deve ser reduzida drasticamente. "No caso de vias urbanas sem passeios, o código falha ao estabelecer regras somente para os pedestres, que devem circular nos bordos e em fila única, sem estabelecer regras para a circulação de veículos. Esses devem transitar em baixas velocidades para garantir a segurança dos pedestres", explica Marta Obelheiro, coordenadora de Segurança Viária do WRI Brasil.
É fundamental que as vias urbanas tenham calçadas, especialmente nos locais em que o compartilhamento não proporciona condições seguras para os pedestres e/ou é difícil garantir que os veículos circulem em baixas velocidades. Calçadas podem ser criadas ou ampliadas com o uso de materiais de baixo custo e fácil implementação, como pintura e balizadores, o que se configura como uma resposta rápida, ainda que não definitiva, ao problema.
Planejamento para proteger os mais vulneráveis
Art. 70. Os pedestres que estiverem atravessando a via sobre as faixas delimitadas para esse fim terão prioridade de passagem, exceto nos locais com sinalização semafórica, onde deverão ser respeitadas as disposições deste Código. Parágrafo único. Nos locais em que houver sinalização semafórica de controle de passagem será dada preferência aos pedestres que não tenham concluído a travessia, mesmo em caso de mudança do semáforo liberando a passagem dos veículos.
A atitude de quem utiliza um veículo motorizado é determinante para a segurança dos pedestres. Porém, o desenho urbano pode garantir muito mais proteção para quem transita a pé. As faixas de travessia podem minimizar a exposição dos pedestres se instaladas seguindo princípios seguros.
Elas podem ser construídas no nível da rua, associadas a rebaixamentos das calçadas, ou elevadas, permitindo a travessia em nível; também podem ser acompanhadas de extensão do meio-fio para reduzir a distância de travessia e melhorar as condições de visibilidade, instaladas em interseções ou em meios de quadra, acompanhadas ou não de semáforo.
O controle semafórico do tráfego ajuda a aumentar a segurança do pedestre, desde que o tempo de espera para as travessias a pé seja adequado. Estudos demonstram que os pedestres tendem a desrespeitar a sinalização semafórica se o tempo de espera for muito elevado – e isso precisa ser levado em conta ao programar os semáforos de uma cidade. Além disso, é importante que o intervalo de tempo para a travessia seja calculado com base na velocidade de caminhada dos idosos, de 1,0 m/s, ou o tempo pode não ser suficiente para eles ou mesmo crianças e pessoas com mobilidade reduzida.
É preciso também garantir a boa visibilidade dos pedestres através de sinalização e iluminação adequadas nas faixas. Os semáforos podem ser acompanhados por sinais sonoros ou vibratórios para garantir acessibilidade das pessoas com deficiência visual.
O CTB é um documento em vigor há 20 anos, que vem sofrendo alterações ao longo dos anos, mas que necessita de uma revisão mais ampla. A Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU – Lei nº 12.587), instrumento que orienta as cidades na qualificação de seus sistemas de transporte sustentável, instituída em janeiro de 2012, não está presente no Código – o projeto de novo Código prevê sua inclusão com algumas alterações. Ela determina a priorização dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado, indicação que já gera mudanças na configuração das cidades e seus sistemas viários. Porém, o Código continua o mesmo, carecendo de novas determinações.
Todas as recomendações de desenho viário estão presentes nas publicações do WRI Brasil: 8 Princípios da Calçada, O Desenho de Cidades Seguras e Acessos Seguros. Para conhecer mais boas práticas, acesse os documentos.
Via WRI Brasil.