Le Corbusier declarou em seu texto seminal, Towards a New Architecture, que “... o homem olha para a criação da arquitetura com seus olhos, que estão a 1,70 metros do chão”. Códigos lógicos e racionais como esse configuram os padrões para grande parte da produção arquitetônica - mas, é claro, essas "normas" são tão construídas quanto a própria arquitetura. Esse padrão em particular é especialmente irrelevante ao projetar para crianças, em que as premissas arquitetônicas centradas em adultos não se aplicam e nem devem ser aplicadas.
A partir de 2018, as crianças (ou seja, pessoas com 15 anos ou menos) passarão a representar 26% da população global, uma estatística que devemos apreciar, uma vez que os 100% foram, evidentemente, crianças em algum momento da vida. Embora haja uma infinidade de fatores que moldam o tipo de adultos que nos tornamos, a arquitetura que nos deparamos quando crianças - seja nas estantes de uma biblioteca onde brincávamos de esconde-esconde ou na maçaneta da porta em que ficávamos na ponta dos pés para alcançá-la - pode ter um grande impacto na nossa perspectiva do mundo. Ao projetar a arquitetura especificamente para crianças, estamos moldando essas perspectivas futuras e, portanto, torna-se vital tratarmos o processo com rigor e empatia.
“Memórias como essas contêm a experiência arquitetônica mais profunda que conheço. Elas são os depósitos das atmosferas arquitetônicas e imagens que eu exploro no meu trabalho como arquiteto ”
- Peter Zumthor, falando de suas memórias de infância na Suíça.
Talvez seja prático primeiramente considerar o ponto de vista literal: os olhos de uma criança pequena estão, em média, a cerca de 90 centímetros do solo. O mau projeto para as crianças é relativamente simples de perceber, pois normalmente ignora esse fato (e muitas vezes continua a falhar a partir daí).
Como muitos órgãos governamentais de arquitetura (como AIA e RIBA) incentivam padrões mais focados para o projeto de escolas, particularmente aqueles que objetivam promover segurança e ambientes saudáveis de aprendizado, os arquitetos ainda devem considerar fatores como: quais espaços incentivarão o aprendizado? Que plantas promoverão a brincadeira? Como podemos criar o nível correto de interação social entre as idades?
De modo geral, não há regras universais para um bom projeto. Mas, graças a décadas de pesquisas sobre o desenvolvimento sociológico e psicológico de crianças em universidades de todo o mundo, há dados para minimamente sugerir uma série de princípios fundamentais: o incentivo à interação social, a promoção da aprendizagem lúdica e o envolvimento com a natureza. No modo como essas coisas são realizadas, os princípios podem variar imensamente.
Em seu discurso para um congresso, o novo arquiteto da Escola Sandy Hook, Jay Brotman, referenciou como o projeto para as crianças, em particular as escolas, depende muito da comunidade e do contexto. Isso, com a individualidade acrescida do arquiteto, cria um processo de projeto personalizado e orgânico desde o início. Certas propostas promovem certas características, e alguns projetos apoiam-se fortemente em determinadas técnicas para conseguir um espaço bem-sucedido às crianças, que se adaptem melhor à função. Ao investigar o que torna um projeto centrado na criança bem-sucedido, podemos começar a observar os atributos chave compartilhados por grandes esquemas.
“Temos uma capacidade inata de lembrar e imaginar lugares.”
- Juhani Pallasmaa, the Eyes of the Skin
Segurança
Embora muitas vezes não seja a mais atraente das influências do projeto, a segurança é, de longe, a característica mais importante de qualquer projeto para crianças. Isso não precisa, no entanto, referir-se à abordagem da "bolha" de segurança, que preguiçosamente muitas vezes resulta em bordas suaves com materiais macios. Uma compreensão mais básica da segurança para as crianças é a noção de que, como um adulto, você é capaz de ver a criança em qualquer lugar do espaço.
Escolas e creches são os principais defensores do uso de plantas para proteger seus filhos. VERSTAS Architects demonstra isso em sua proposta Saunalahti School, onde uma fachada linear e predominantemente de tijolos cria uma fronteira para o público, e a área fechada usa a tipologia do local para agrupar os estudantes, sem a sensação de fechamento completo.
Brincar
O artigo 31 da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança afirma que “toda criança tem o direito de relaxar, brincar e participar de uma ampla gama de atividades culturais e artísticas”. Os arquitetos têm a responsabilidade de projetar espaços que possibilitem a essência natural, criatividade, liberdade de brincar, e alimentar-se. Isto pode ser conseguido de várias maneiras, mas pode ser resumido em brincadeiras estruturadas e abstratos.
O projeto coletivo vencedor do Turner Prize com sede no Reino Unido Assemble criou uma exposição que resumiu os temas dos jogos abstratos em 2015. O Brutalist Playground se apropriou da arquitetura de propriedade social produzida nos anos de 1950 a 1960 às áreas de diversão, promovendo a capacidade de suas formas sólidas e não descritas para criar um espaço que incentiva as crianças a preencher as lacunas com sua imaginação. Segundo a pesquisa, esses espaços deram às crianças autonomia para fazer o que quisessem, aprendendo e crescendo ao longo do percurso. O ASPECT Studio aplicou muitos dos mesmos princípios em seu colorido parque Wantou & Vanke Paradise Art Wonderland em Heifei, na China.
Contrastando com essa abordagem aberta, o trabalho dos arquitetos franceses NP2F demonstra o mesmo sucesso por uma abordagem mais estruturada. Utilizando os métodos tradicionais associados a espaços urbano de esportes e áreas de recreação, NP2F orientou o desenvolvimento de seu projeto Evolution Ground Alfortville de modo a “promover a descompartimentação de espaços esportivos”, mantendo um método conhecido de interação para as crianças. O projeto, com suas áreas de “gentileza urbana” cria um espaço adaptável, destacando essa abordagem no espaço multiuso. “A importância dada aos detalhes (terreno, morfologia e fronteiras) nos permite oferecer aos jovens do ZAC, além de um simples campo de futebol, um espaço 'configurado' de encontros e trocas”, explicam os arquitetos na descrição do projeto.
Liberação
Em um mundo projetado para adultos, às vezes uma das características mais importantes da arquitetura centrada às crianças sejam os recursos dedicados somente a elas. Permitir que as crianças interajam ou naveguem pela arquitetura de uma maneira que seja única para a sua circunstância pode ser essencial para a ideia de brincar, permitindo que as crianças sejam verdadeiramente independentes e auto-suficientes através da natureza do projeto.
Five Fields Play Structure da Matter Design + FR|SCH mostra como múltiplos níveis de espaço podem ser justapostos em um ambiente divertido e condensado, permitindo que adultos acessem cada parte, mas em um ritmo dificultado e livre para as crianças. “Dedicado à imaginação” e “resistindo a leituras literais e singulares”, a estrutura é projetada tendo em mente a natureza ágil de seus usuários. Situado em um contexto verde e inclinado, Five Fields usa uma planta cuidadosamente imaginada para criar várias áreas onde as crianças possam interagir com a arquitetura da sua forma, “liberando as crianças para voar através dos espaços”.
Adaptabilidade / Abertura
A única coisa universal sobre as crianças é que nenhuma criança é a mesma. Por extensão, nenhuma interação com uma criança é a mesma, e os modos do dia-a-dia em que uma criança usa o espaço podem diferir significativamente. Isto é, em parte, a razão pela qual a sala de aula tradicional, quadrada e isolada, tem se mostrado ineficiente no ensino e desenvolvimento de jovens. Os espaços devem ser maleáveis e devem se adaptar a qualquer situação. Eles também devem ser abertos e ter acesso à natureza, já que as crianças não devem ficar restritas aos confins de nossos preconceitos adultos do espaço.
Um dos maiores exemplos dessa adaptabilidade e abertura é o premiado Fuji Kindergarten de Tezuka Architects. A planta de forma oval, que apresenta um grande espaço verde no centro e um generoso terraço de madeira em todo o redor promove o movimento natural das crianças através do espaço. As crianças que usam o espaço, como consequência desta planta, têm uma das maiores habilidades atléticas na área, deslocando-se em média 4 km por dia. As salas de aula em si não têm paredes, já que o plano contínuo significa que as crianças nunca podem se perder ou vagar muito longe, e essa arquitetura aberta é resumida por Takaharu Tezuka quando ele diz:
Este jardim de infância é completamente aberto na maior parte do ano. E não há limite entre o lado de dentro e o de fora. Isso significa que basicamente essa arquitetura é uma cobertura. Também não há limite entre as salas de aula. Então, não há barreira acústica. Quando coloca-se muitas crianças em uma caixa silenciosa, algumas delas ficam realmente nervosas. Mas neste jardim de infância, não há razão para ficarem nervosos. Porque não há limite.
Essa abertura e envolvimento da natureza é algo que o escritório dinamarquês Dorte Mandrup mostra consistentemente em seu trabalho, desde o Råå Day Care Center até o Centro de Creche Kanderborggade, mais urbano.
Entendimento
Em muitos projetos recentes, pesquisa e projeto são fundidos para criar espaços especializados para certos grupos de pessoas mais jovens. O projeto de pesquisa Social Sensory Architectures usa seu trabalho para criar espaços que sejam reconfortantes e úteis para crianças com autismo, enquanto as plataformas ondulantes e abstratas de Spencer Luckey "formam uma tela em branco para que as crianças estabeleçam suas próprias narrativas" em um playground neutro em termos de gênero.
Catalytic Action cria estruturas para brincadeiras dentro de comunidades de refugiados, permitindo que as crianças se apropriem do projeto para fornecer alívio e independência a uma comunidade de crianças que, muitas vezes, têm que crescer mais rápido do que outras.
Proporcionar espaços para aconselhamento e apoio dentro das escolas é uma questão fundamental. A arquiteta Karina Ruiz enfatiza a importância de localizar esses espaços em áreas-chave, a fim de evitar a privação de direitos ou a sensação de isolamento. “Coisas simples como mover uma ala de aconselhamentopara onde os alunos estão localizados - próximas de áreas comuns, perto de bibliotecas - e depois torná-las transparentes.”