Tombado como Patrimônio Cultural Mundial, o Centro Histórico de Salvador (BA), no coração do Pelourinho, é o endereço da Catedral Basílica da cidade, uma construção datada do século 17. Uma das mais importantes construções sacras do país, a basílica passou por um processo de restauração de três anos e oito meses que, mais do que trazer de volta ao público os itens de já faziam dela uma obra única, revelou espaços e peças cuja existência era até então desconhecida ou que se julgavam perdidas.
Quem for visitar a Catedral, reaberta ao público no dia 14 de setembro, poderá vislumbrar alguns destes segredos, agora revelados. De acordo com a arquiteta Laura Lima de Souza, que fez o acompanhamento técnico da restauração, o processo revelou, entre outras surpresas, uma escadaria que levava a uma antiga catacumba. “Nós restauramos todo o piso de mármore da igreja e ele contém muitas lápides. Ao remover os módulos e as pedras de lápide para fazer o restauro, descobrimos uma escada para o subterrâneo que levava a uma cripta que pertencia provavelmente a uma família rica de Salvador, que financiou a construção do altar-mor”.
Embora tenha sido fechado novamente por placas de mármore, já que, por questões de insalubridade, ela não poderia ser mantida aberta, o local da cripta é agora indicado aos visitantes.
No interior de uma das capelas que fazem parte da Catedral, a Santo Inácio de Loyola, foram também descobertas ossadas, incluindo 13 crânios humanos cujos donos não se sabe quem são. “É difícil precisar. Sabemos que a igreja foi construída no século 17, mas temos altares que datam dos séculos 18 e 19 e retábulos de todos os períodos desde então”, justifica a arquiteta.
A prospecção realizada no período inicial da obra mostrou também uma grande proporção de pinturas originais. “Encontramos pintura original em praticamente todos os elementos restaurados, na parede, nas telas, nos retábulos. Quando são feitas as prospecções, nós normalmente encontramos várias camadas de tinta. Neste caso, conseguimos definir as pinturas originais, que tinham qualidade muito superior às que vieram depois”, explica.
Nas paredes e peças sacras descobertas, estão quadros com imagens de santos jesuítas escurecidos pelo tempo. Na capela do Santíssimo foram recuperados diversos elementos com folhas de prata, que estavam encobertas por camadas de repintura. “Em obras do período barroco, especialmente nas igrejas, o revestimento normalmente é de ouro. Nesse caso específico do Santíssimo, ele estava repintado com camadas de tinta, em alguns lugares havia até purpurina imitando ouro. Quando começou o processo de restauração, é que descobrimos que a prata estava ali em bom estado de conservação, praticamente na capela toda”.
Os elementos dourados, utilizados em várias partes do templo, foram recuperados com folhas de ouro importadas de Florença, na Itália.
Além do que já estava na Catedral Basílica, 30 bustos relicários das Virgens e Santos Mártires que pertenciam a ela originalmente agora retornaram a seus lugares, depois de mais de 15 anos sob a guarda do Museu de Arte Sacra, que agora os devolveu restaurados.
Tudo isso poderá ser visto de perto agora, inclusive o altar-mor, que esteve fechado por anos devido a uma obra anterior inacabada. “Havia uma porta que estava emperrada há 50 anos e, com a restauração, conseguimos reabrir”, comemora a arquiteta.
Restauração milionária
Encabeçada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a intervenção custou R$17,8 milhões e incluiu a restauração das treze capelas, de toda a imaginária sacra, do átrio, de toda a fachada principal em cantaria e das torres de azulejos.
A obra também permitiu que a Basílica de Salvador fosse renovada, com a instalação de modernos equipamentos de sonorização, sistema de prevenção e combate a incêndio e segurança patrimonial. “Além da restauração artística, fizemos a revisão de todas as instalações, principalmente elétrica. Tudo foi completamente refeito: luminárias, tomadas, um moderno sistema de segurança, com câmeras, monitoramento, para-raios, prevenção e combate a incêndios. Temos mais de 100 sensores de incêndio, inclusive na cobertura, porque o telhado tem todo o madeiramento e, nos casos de incêndio, é lá que o fogo se propaga com mais tranquilidade”, detalha a arquiteta.
Executado com o apoio da Arquidiocese de São Salvador da Bahia, da Prefeitura Municipal de Salvador e do Governo do Estado da Bahia, o trabalho de restauro foi realizado por uma equipe multidisciplinar, formada por mais de 120 profissionais, que mesclou a utilização de técnicas e materiais tradicionais e contemporâneos.
Um tesouro do Brasil Colonial
Quarto templo construído pelos jesuítas na capital baiana, entre 1652 e 1672, a Catedral Basílica de Salvador é o último remanescente do conjunto arquitetônico do Colégio de Jesus. Com projeto arquitetônico do irmão Francisco Dias, possui 13 altares, sendo os dois primeiros construídos em estilo renascentista maneirista.
A fachada é toda em pedras de lioz, importadas de Portugal, e os nichos sob as portas representam Santo Inácio de Loyola, São Francisco Xavier e São Francisco de Borja. Com a saída dos jesuítas do país, a igreja foi abandonada e chegou a ser utilizada como hospital militar e a primeira Escola de Medicina do Brasil, instalada ali em 1833. Ainda em 1938, a igreja foi tombada individualmente pelo Iphan e a proteção inclui também todo o seu acervo, que inclui telas de diversos autores seiscentistas, móveis em jacarandá e diversos objetos sacros em ouro e prata.
Segundo o Iphan, a obra de restauração no local é parte de uma série de ações que vêm sendo realizados no Patrimônio Cultural baiano, totalizando recursos de mais de R$ 92 milhões de recursos do Governo Federal via Iphan. Cinco importantes obras já foram concluídas em Salvador, com as restaurações da Igreja da Ordem Terceira de São Domingos, da Igreja do Santíssimo Sacramento da Rua do Passo, da Igreja do Corpo Santo, do Forte de São Marcelo e do edifício anexo ao Plano Inclinado Gonçalves, onde foi instalada a Casa do Carnaval. Também estão em execução outras oito obras, incluindo ações nas cidades de Santo Amaro, Itaparica e Maragogipe.
Via Haus.