A maioria das pessoas vivem hoje em cidades, que estão crescendo rapidamente. Estamos vivendo na era da urbanização, uma era que começou no início do século 19, quando grandes massas de pessoas decidiram estar mais perto umas das outras em vez de perto da terra. Não existe dúvida de que mais cedo ou mais tarde a grande maioria de nós, humanos, estaremos vivendo em cidades.
Ainda assim, podem haver exageros sobre até que ponto já chegamos nesse caminho e isso tem implicações importantes.
Manchetes recentes, citando novos números lançados pela Comissão Europeia, informaram que "tudo que você ouviu sobre urbanização global estava errado". Os pesquisadores, ao usar imagens de satélites mais avançadas e dados populacionais globais, afirmaram que 84% da população mundial mora em áreas urbanas, em vez dos 55% estimados pela Divisão de População das Nações Unidas em 2018.
Em um novo estudo para o Instituto de Gestão Urbana da Universidade de Nova York nós apresentamos argumentos amparados por amplas evidências, afirmando que os números da Comissão Europeia não são plausíveis se quisermos que a palavra "urbano" mantenha qualquer significado já conhecido.
O argumento divide-se em três pontos principais:
Primeiro, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho, 27% da força de trabalho global foi empregada na agricultura em 2015. Isso, somado à estimativa de acréscimo no emprego em vilas não-agrícolas (30%) e com o tamanho das famílias nas áreas rurais sendo 15% maior do que nas áreas urbanas, sugere que não mais do que 60% da população mundial vivia em cidades em 2015.
Segundo, a regularidade na dimensão das populações urbanas, conhecida como Lei Zipf, permite que estimemos a população das cidades com mais de 5 mil pessoas com bastante precisão. Seguindo esse modelo, estimamos que 3,6 bilhões de pessoas viviam em cidades em 2010, aproximadamente 52% da população mundial.
Terceiro, o baixo "limiar da densidade urbana" adotado pela Comissão Europeia resulta na inclusão de regiões inteiras de terras de cultivo assim como áreas de periferia mais levemente povoadas das cidades como sendo urbanas.
A Comissão classifica uma densidade de 300 pessoas por quilômetro quadrado como seu limiar da densidade urbana. Pode parecer um número plausível, mas, após uma avaliação mais profunda, acaba sugerindo que, em média, a área de um único terreno residencial na periferia de cidades ricas e pobres teria aproximadamente o tamanho de dois campos de futebol.
O resultado disso é um registro superestimado das cidades, exagerando seus tamanhos. Um limiar tão baixo também classifica erroneamente muitas regiões agrícolas densamente povoadas como urbanas. Em Java, na Indonésia, por exemplo, 96% da população vivendo em terras de plantio são classificadas como urbanas.
Globalmente, de acordo com a Comissão Europeia, cidades ocupavam 2,27 milhões de quilômetros quadrados em 2015 e cobriam 7,6% da área terrestre do nosso planeta (ainda que isso já pareça estranho: dividindo 2,27 milhões de quilômetros quadrados pela área terrestre global correta leva a um total de 1,5% de área urbana, de acordo com a nossa matemática¹).
Se alguém pretende acreditar nas estimativas da Comissão Europeia, então essa pessoa pode concluir com segurança que as cidades precisam parar de crescer agora mesmo e que tudo deve ser feito para contê-las. Se o mundo já é 84% urbano, então essa pessoa deve também concluir que a era da urbanização – a incansável migração de pessoas de aldeias para cidades – chegou basicamente ao seu fim.
Da nossa parte, acreditamos que essa tendência não está de forma alguma no fim, e que ainda temos uma oportunidade para preparar as cidades de países menos desenvolvidos para absorver os mais 2,5 bilhões de novos habitantes até 2050, muitos dos quais ainda moram em áreas rurais atualmente. De acordo com os últimos dados da ONU, para cada pessoa a mais nas cidades em países mais desenvolvidos, 18 mudam-se para cidades em países menos desenvolvidos.
Além de reequipar e possivelmente densificar as cidades existentes – o que, se quisermos acreditar na Comissão Europeia, é o que nos resta fazer – acreditamos que preparar cidades para a expansão inevitável e maciça nas próximas décadas, enquanto fazemos cidades mais produtivas, mais inclusivas, mais sustentáveis e mais resilientes ao clima, é o principal desafio que enfrentamos.
Nota:
1. A Comissão Europeia percebeu que seu cálculo inicial de área terrestre foi um erro e será corrigido na edição de 2018 do Atlas do Planeta Humano.
Esse artigo foi escrito por Shlomo Angel, Patrick Lamson-Hall, Bibiana Guerra, Nicolás Galarza e Alejandro M. Blei e publicado originalmente em TheCityFix.
Via WRI Brasil.
Shlomo (Solly) Angel é professor de Planejamento Urbano no Instituto Marron da Universidade de Nova York e lidera o Programa de Expansão Urbana da NYU e o Projeto Stern de Urbanização da NYU.
Patrick Lamson-Hall é um pesquisador; Bibiana Guerra é economista e profissional de gestão e desenvolvimento urbano; Yang Liu é um pesquisador; Nicolás Galarza é pesquisador acadêmico; e Alejandro M. Blei é pesquisador do Programa de Expansão Urbana da NYU.