Quantas crianças vemos diariamente brincando nas ruas, se relacionando com elementos dos espaços urbanos, correndo em parques ou praças, andando de bicicleta? Essas cenas podem dizer muito em relação a uma cidade. Não apenas sobre como ela está cuidando das novas gerações, mas qual a qualidade de vida que ela oferece para as famílias, ou seja, para todos.
“Não é mais suficiente oferecer serviços às crianças, é preciso devolver-lhes as cidades.” Romano Prodi, ex-primeiro-ministro italiano e antigo líder da Comissão Europeia
Tomar decisões de planejamento urbano que respeitam a saúde, o espaço e as necessidades das crianças será determinante para resolver os desafios atuais de desenvolvimento e guiar as cidades para um futuro sustentável.
Espaços verdes de baixa qualidade, distribuição desigual dos espaços públicos, falta de acessos seguros e até a escassez de atividades familiares gratuitas podem exacerbar a desigualdade social em toda a cidade. É importante aproximar as crianças de opções de lazer e áreas verdes através de boas ciclovias e calçadas, para que elas reconheçam o transporte ativo como a melhor forma de mobilidade. Garantir acessos seguros e uma rede de transporte coletivo de qualidade também pode ser importante para a formação de adultos mais conscientes em relação aos meios mais sustentáveis de locomoção, em vez de apenas perpetuar a cultura carrocêntrica.
Um relatório da Arup, empresa que fornece serviços e consultoria sobre ambientes construídos com sede em Londres, entitulado "Cities Alive: Designing for urban childhoods", lista 14 recomendações de maneiras como as cidades podem se tornar mais amigáveis para as crianças.
1. Mapear bairros a partir do olhar das crianças
Ao observar o espaço urbano, poucas pessoas vão enxergar mais detalhes do que as próprias crianças. Problemas e oportunidades podem ser mapeados de forma mais ampla e criativa quando se ouve mães, pais e crianças. Mapear e monitorar elementos que interessam às crianças em suas jornadas diárias ajuda a tornar seus caminhos mais acessíveis.
2. Espaços culturais e tradicionais
Elementos que remetem e incentivam a educação cultural e as tradições locais tornam-se ativos para a vida urbana inclusiva e lúdica. Diferentes formas de intervenções nas cidades podem alterar áreas construídas ou espaços públicos com o objetivo de preservar a cultura e o patrimônio da área. O planejamento sensível ao contexto local incentiva a criança a se relacionar afetivamente com a sua cidade ou bairro.
3. Espaços multigeracionais
Elementos que tornam os locais adequados para qualquer geração podem elevar a interação e a troca entre crianças e idosos. Isso pode ser feito através de espaços de permanência, com atividades mais interativas ou contemplativas. Opções que fomentam o intercâmbio entre as diversas gerações, como jardinagem, por exemplo, podem ajudar a reduzir o isolamento entre os idosos e estimular sentimentos de compaixão e empatia nos mais jovens.
4. Infraestrutura verde funcional
As cidades precisam desenvolver a capacidade de resposta às mudanças climáticas, adaptando seu desenho urbano. Uma rede de intervenções de infraestrutura verde pode transformar as áreas urbanas existentes em espaços multifuncionais que armazenam e desviam o excesso de água durante chuvas fortes. Espaços verdes são importantes para diversos usos e propósitos. Até mesmo os terrenos de escolas podem ajudar a superar problemas de alagamentos, de qualidade do ar e ilhas de calor. Intervenções pequenas podem ganhar escala e serem aplicadas em toda a cidade, construindo uma rede de resiliência.
5. Jardins comunitários
Pequenos jardins ou hortas comunitárias oferecem oportunidades para atividades intergeracionais, socialização, desenvolvimento de habilidades e atividades ao ar livre. Intervenções lúdicas podem ser um meio de promover a regeneração urbana e de criar locais vibrantes e divertidos.
6. Medidas de segurança viária
O domínio dos carros nas cidades é considerado uma das principais barreiras aos ambientes voltados para as crianças e um fator decisivo para que os pais impeçam seus filhos de serem mais independentes na questão da mobilidade. O desenho urbano deve priorizar a segurança de todas as pessoas, especialmente as crianças. Medidas como travessias coloridas e bem sinalizadas ou espaços compartilhados redefinem o uso das vias, ajudam na conscientização dos pedestres e incentivam atividades de rua.
7. Pedestres em primeiro lugar
A priorização aos pedestres, que estão entre os usuários mais vulneráveis das vias, pode ser garantida através da adoção de limites mais baixos de velocidade e outras opções de moderação de tráfego. Áreas com menos trânsito de veículos ou as chamadas áreas calmas criam ambientes mais seguros para as crianças conseguirem espaço para brincar e socializar.
8. Ruas abertas
Fechar a circulação de veículos temporariamente para o uso das pessoas permite que comunidades se relacionem de forma mais próxima e segura com as cidades. Ruas abertas vêm sendo apontadas pelas Nações Unidas como a solução para crescentes problemas de poluição no entorno de escolas. Abrir ruas, mesmo que temporariamente, pode ser visto como mais um passo na construção de cidades mais humanas e que buscam oportunidades para as crianças aproveitarem atividades ao ar livre.
9. Espaços lúdicos
É preciso enxergar o desenho urbano por uma ótica que vai além do básico, pensar em soluções para atender às necessidades e vontades de famílias, que permitam o melhor aproveitamento do espaço. Cada intervenção pode ser transformada em uma chance para o aprendizado ou a criatividade infantil.
10. Oportunidades de aprendizados
As cidades, em geral, são a representação do mundo para as crianças. Tudo o que elas veem nas suas rotinas é o que elas reconhecem como seu universo. Tudo, portanto, pode virar um aprendizado. Até mesmo canteiros de obras podem se tornar lugares atraentes e educacionais para a comunidade local, por exemplo, ao ensinar lições de trabalho em equipe, planejamento e noções de desenho.
11. Sentimento de apropriação
A maneira como espaços públicos são criados podem influenciar na relação que a população e os mais jovens terão com o local. A participação social em projetos locais tende a desenvolver um sentimento de apropriação do local, diminui atos de vandalismo e, consequentemente, os custos de manutenção.
12. Arte na rua
Elementos lúdicos, como arte pública ou projetos criativos em ônibus ou estações de transporte, por exemplo, estimulam a criatividade como parte dos deslocamentos e atividades.
13. Espaços comunitários multiuso
Transformar ambientes institucionais, como o entorno de escolas e outras instalações comunitárias, transforma áreas em espaços de relacionamento da comunidade e pode incentivar a prática de esportes e recreação.
14. Áreas verdes
Parques e espaços arborizados e verdes são áreas dinâmicas e adaptáveis, que reativam terrenos vazios ou subutilizados e trazem a natureza de volta à comunidade. Cidades devem ter por objetivo melhorar a relação das crianças com a natureza através de ambientes verdes e saudáveis.
O relatório ainda apresenta 40 estudos de caso de intervenções globais e sugere ações para líderes urbanos. Para saber mais, acesse o documento.
Via WRI Brasil. Publicado originalmente no ArchDaily Brasil em 21 de outubro de 2018, atualizado em 10 de outubro de 2019.