A transformação de aterros sanitários em parques

Hoje, estima-se que só no Brasil sejam depositados 30 milhões de toneladas de lixo anualmente em aterros sanitários, e que só em São Paulo sejam 14 mil toneladas de resíduos sólidos direcionados a estas áreas todos os dias. [1] Não é de se espantar que aterros sanitários ocupem enormes parcelas territoriais, que não param de crescer, e que são problemas críticos para quase todas as cidades. Mas o que pode ser feito quanto os aterros já não podem mais receber resíduos e são fechados? É possível dar uma nova vida a essas montanhas de lixo? Quais as possibilidades e cuidados?

Iniciativas têm modificado paisagens anteriormente degradadas, dando lugar ao estabelecimento de parques e praças. Neste processo é imprescindível a união de forças profissionais e da população, uma vez que há a necessidade por longas pesquisas no território – pré e pós transformação.

De acordo com pesquisa realizada em 2012 pela faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), “o projeto de implantação de parques públicos em áreas que abrigavam lixões ou aterros controlados deve ser feito somente após uma investigação detalhada dos riscos de contaminação.” [2], completando “o uso de antigos aterros para criar parques visa oferecer a população mais áreas verdes e de lazer, especialmente na periferia” [3], mas torna-se imprescindível o controle da área e “a implantação também pode servir de laboratório para identificar espécies vegetais mais adequadas para a cobertura do solo.” [4]

Aterro Sanitário Fresh Kills© via Wikimedia Licença Domínio Público
Cortesia de Department of Parks and Recreation - Draft Master Plan

Em 2001 o governo americano lançou um programa destinado à transformação do maior lixão a céu aberto do mundo, o aterro sanitário Fresh Kills, no distrito de Staten Island, em Nova Iorque. Ocupando 890 hectares desde 1947, a iniciativa mostrou a possibilidade de recuperação de áreas degradadas pelo depósito de resíduos. Na área, que corresponde a três vezes o Central Park, os moradores da região testemunham deste então a ideia de transformação da paisagem local que anteriormente chegou a receber 150 milhões de toneladas de lixo atingindo 50 metros de altura.

Pela dimensão, tornou-se fundamental o estabelecimento de uma rede norteadora à concretização da proposta, incluindo a implantação de uma rede canalizadora para a vazão dos gases emitidos, instalação de uma camada impermeável para extração do chorume e constante acompanhamento in loco para verificação da qualidade do solo e do ar pelos anos.

Outras cidades do mundo têm apostado na iniciativa e seguem os passos americano, requalificando áreas anteriormente degradadas, e ressignificando-as: Hiratsuka, Cairo e São Paulo, são três destes exemplos.

Em Hiratsuka, província de Kanagawa, Japão, um antigo lixão deu lugar a um belo e caminhável jardim há pouco mais de 20 anos. O projeto contou com a participação de moradores, em sua maioria, idosos, na busca pela transformação da paisagem local em parceria ao governo municipal, estadual e federal.

O Parque Al-Azhar, no centro histórico do Cairo, Egito, local que hoje abriga uma extensa superfície verde com 30 hectares, esconde um passado marcado pela degradação. Anteriormente, a área era um depósito de lixo com mais de 500 anos. Nesse contexto, o governo instituiu um projeto em meados de 2002 para a transformação, que após sete anos de obras e planejamento, deu lugar ao parque considerado dos mais belos da região e atraindo turistas de todo o mundo. Em meio às obras, foram descobertas ruínas de uma muralha datada do século XII. Na concretização da proposta o desenvolvimento do projeto paisagístico condizente foi fundamental e hoje conta com 655 mil espécies vegetais, entre plantas e árvores.

Al-Azhar Park © via Wikimedia Licença CC BY-SA 3.0

Outro interessante projeto a ser destacado é a Praça Victor Civita em Pinheiros, São Paulo. Entre 1949 e 1989, a área abrigava um antigo incinerador de lixo, desativado pelo desenvolvimento do bairro na década de 1990. Após o fechamento, cooperativas de reciclagem deram novo uso para o local. No entanto, o incinerador deixou profundas marcas no território: solo contaminado e impróprio para a permanência humana. No inicio dos anos 2000, a Prefeitura da cidade de São Paulo realizou um acordo com o Grupo editorial Abril, responsável por verbas e proposta de revitalização. O projeto desenvolvido pelo escritório Levisky Arquitetos e Anna Julia Dietzsch, transformou o grande desafio urbano, social e ambiental da área em degradação através de práticas sustentáveis. Afim de evitar o contato direto do público ao solo, um extenso deck de madeira certificada paira sobre o terreno a 1 metro sobre estrutura metálica, criando um percurso que conduz o visitante por toda o espaço, incentivando o uso e atividades variadas. O projeto ainda conta com laboratório de plantas com espécies em pesquisa para produção de biocombustíveis, hidroponia, renovação dos solos, fitoterapia e engenharia genética, reuso de águas pluviais, e uso de placas solares

Praça Victor Civita. Image © Nelson Kon
Praça Victor Civita. Image © Nelson Kon

Na cidade de São Paulo, outros parques foram erguidos sob antigos depósitos de lixo, como é o caso dos parque Villa Lobos, da Juventude e Raposo Tavares.

No processo de transformação de áreas contaminadas em áreas verdes e, sobretudo, parques, são muitas as frentes e forças pela materialização projetual. Arquitetos, urbanistas, engenheiros ambientais, agrônomos, biólogos, são alguns dos profissionais envolvidos.

Biblioteca Parque Villa-Lobos. Image © Reprodução BVL. Via Haus

São inúmeros os procedimentos para recuperação da área, no entanto, o primeiro passo é contatar as diferentes frentes profissionais responsáveis pela análise in loco e desenvolvimento de um plano de ações e projeto. Feito isso, é precisamente delineado as etapas ambientais subsequentes.

É convencional, num primeiro momento o isolamento do perímetro integral do terreno em questão, que passará por sondagem do solo, mapeando toda a extensão e definindo a espessura da camada de lixo na área degrada. Este processo pode levar meses para execução de todo o mapeamento, de acordo com a extensão.

Fresh Kills Park. Image Cortesia de NYC Department of Parks and Recreation

Finalizada esta etapa, é realizada a remoção de todo o lixo com espessura menor que um metro de altura, empilhando-o sobre a zona mais densa. Concluído, inicia-se a conformação de taludes laterais e platôs com as devidas inclinações e especificações técnicas. Prosseguindo, é realizada uma cobertura em argila por toda a área e nas laterais, uma escavação recuperando-a com nova terra juntamente a valetas retangulares na base do talude. No que diz respeito ao chorume, é importante a realização de poços para acúmulo do mesmo, que serão coletados pelas valetas. Também deve ser levado em consideração os gases emitidos pelo lixo, carecendo de um projeto especial a construção de poços verticais para drenagem.

Fresh Kills Park. Image © Mikeric

Por fim, é criada uma nova camada vegetal (sempre espessa) sobre a argila que receberá espécies vegetais de raízes curtas que ajudarão tratar a área e promover uma nova paisagem para uso público.

Em linhas gerais, os projetos aqui citados sintetizam uma pequena parcela dos espaços degradados que atualmente dão lugar a espaços de caráter público e que atendem grande número de usuários, requalificando não apenas o espaço, mas também, a vida de seu público.

Ciclistas em um antigo aterro © via Wikimedia Licença CC BY-SA 4.0

Notas:
[1] (Globo, 2017)
[2] (FAUUSP, 2012).
[3] Idem.
[4] Idem.

Referências Bibliográficas:
COSTA, Marcos. O lixão que virou parque em Nova York. GGN. Disponível em: <https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/o-lixao-que-virou-parque-em-ny>. Acesso em 07 Agosto 2018.

Ecodebate. Implantação de parques públicos em áreas que abrigavam lixões ou aterros exige análise de contaminação. 2012. Disponível em: <https://www.ecodebate.com.br/2012/10/23/implantacao-de-parques-publicos-em-areas-que-abrigavam-lixoes-ou-aterros-exige-analise-de-contaminacao/>. Acesso em 08 Agosto 2018.

GLOBO. Brasil tem quase 3 mil lixões ou aterros irregulares, diz levantamento. 2017. Disponível em: < http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/05/brasil-tem-quase-3-mil-lixoes-ou-aterros-irregulares-diz-levantamento.html>. Acesso em 07 Agosto 2018.

HAUS. Construída em antigo lixão, biblioteca brasileira concorre a prêmio de melhor do mundo. Archdaily Brasil. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/898207/construida-em-antigo-lixao-biblioteca-brasileira-concorre-a-premio-de-melhor-do-mundo>. Acesso em 07 Agosto 2018.

HELM, Joanna. Praça Victor Civita / Levisky Arquitetos e Anna Julia Dietzsch. Archdaily Brasil. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/01-10294/praca-victor-civita-levisky-arquitetos-e-anna-julia-dietzsch>. Acesso em 07 Agosto 2018.

NAKAMURA, Juliana. Aterros que viram lazer. Infraestrutura Urbana. Disponível em: <http://infraestruturaurbana17.pini.com.br/solucoes-tecnicas/1/artigo192207-2.aspx>. Acesso em 08 Agosto 2018.

PEREIRA, Matheus. Parque da Juventude: Paisagismo como ressignificador espacial. Archdaily Brasil. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/880975/parque-da-juventude-paisagismo-como-ressignificador-espacial>. Acesso em 07 Agosto 2018.

USP. Parque em aterro exige análise detalhada de contaminação, aponta pesquisa da FAU. 2012. Disponível em: <http://www5.usp.br/18176/parque-em-aterro-exige-analise-detalhada-de-contaminacao-aponta-pesquisa-da-fau/>. Acesso em 07 Agosto 2018.

Sobre este autor
Cita: Matheus Pereira. "A transformação de aterros sanitários em parques" 29 Out 2018. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/904840/a-transformacao-de-aterros-sanitarios-em-parques> ISSN 0719-8906

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