Durante o processo de concepção de uma edificação, profissionais de projeto de diversas especialidades são convidados a propor soluções que garantam o atendimento de requisitos e expectativas do seu cliente.
As decisões de projeto, que até a década de 1980, muitas vezes não eram fundamentadas em critérios objetivos, passam, gradualmente, a ser tomadas de modo embasado, com vistas a reduzir eventuais erros de projeto ou execução, desperdício de materiais e ineficiência na execução de serviços bem como devido ao reconhecimento sistêmico das boas práticas.
No entanto, no Brasil, as decisões que envolvem o desempenho de edificações frequentemente ficam limitadas à avaliação da qualidade dos sistemas envolvidos e dos processos construtivos, de modo independente e segmentado, sem levar em consideração o seu desempenho efetivo e integrado (Figura 1), nem o atendimento às expectativas dos usuários e, por conseguinte, em detrimento do resultado final.
Para atenuar esses problemas, uma importante contribuição, no sentido de formalizar e integrar os requisitos necessários ao desempenho de ambientes construídos no Brasil é a norma NBR 15.575:2013 (ABNT, 2013), que determina o desempenho requerido ao conjunto arquitetônico, não se restringindo à análise das características de componentes ou sistema construtivo separadamente.
A NBR 15575 estabelece requisitos e critérios sob os aspectos de habitabilidade, salubridade, sustentabilidade e segurança, a serem observados de forma obrigatória desde 2013 para edificações habitacionais. Embora a aplicação desta norma seja direcionada ao uso habitacional, sua abordagem conceitual é também pertinente a ambientes construídos em geral, podendo ser adotada em outras tipologias de uso, tais como edifícios corporativos (escritórios) e institucionais (escolas, hospitais, museus, etc.). Para tanto, há a necessidade de se estabelecer critérios de desempenho a serem atendidos em função das características de uso de cada tipo de ocupação. Para algumas delas, já existem parâmetros e critérios estabelecidos em leis, normas e guias de boas práticas nacionais ou internacionais.
A partir da adoção e aplicação destes requisitos de desempenho, as condições da edificação devem ser aferidas ao longo de sua vida útil, mediante seus critérios pré-estabelecidos. E cabe aos especialistas avaliar o ambiente construído em uso, identificar eventuais aspectos críticos, bem como avaliar as suas causas e consequências, de modo a elaborar um plano adequado para a requalificação do ambiente construído e colaborar com o desenvolvimento de um plano de gestão de riscos, sempre que necessário.
Nesse sentido, a aplicação da Avaliação Pós-Ocupação (APO), durante o uso de uma edificação, torna-se um recurso muito útil, uma vez que pressupõe a verificação do atendimento aos requisitos e critérios de desempenho; observação a normas técnicas pertinentes; identificação de aspectos críticos; e a proposição de ações para a solução destes, sempre com vistas à satisfação dos usuários.
Além disso, uma vez que as expectativas e formas de uso de edificações são aspectos dinâmicos, os edifícios precisam ser concebidos de modo a permitir a atualização constante das instalações oferecidas aos usuários, uma vez que o projeto e o uso do ambiente modificam-se de forma contínua, acompanhando as transformações tecnológicas, sociais e culturais.
Portanto, é fundamental que ocorram verificações periódicas e que sejam feitas adequações pertinentes, o que inclusive pode contribuir para prolongar a vida útil e reduzir os riscos associados ao uso do edifício, uma vez que a qualidade e a durabilidade de equipamentos, sistemas construtivos e seus componentes apresentam uma relação direta com os procedimentos adotados para sua manutenção e operação.
Muitas vezes, modificações simples podem trazer melhorias significativas em relação a um determinado aspecto. Porém, é importante que seja feita uma avaliação cuidadosa, considerando o custo-benefício de intervenções e, inclusive, eventuais efeitos indiretos das ações implantadas.
Para que esse processo de verificação, diagnóstico e tomada de decisões seja eficiente, de modo a embasar a revisão do ambiente construído continuamente, é necessário que seja formalizado um processo único, que abrange todas as etapas de seu ciclo de vida, a saber: planejamento, projeto, produção, uso e desconstrução. E isso só será viável caso as informações sejam coletadas e organizadas de modo sistemático e de modo que não ocorra perda de sua confiabilidade, durante as etapas de operação e manutenção da edificação, para que estejam acessíveis e atualizadas quando forem necessárias aos tomadores de decisão.
Dentre os métodos e técnicas que podem ser adotados para uma APO, estão: análises de plantas e memoriais técnicos, walkthrough e medições físicas e de conforto ambiental, conduzidas a partir de um check-list de requisitos a serem avaliados (Figuras 3 e 4) como, por exemplo, a: eficiência energética, eficiência no consumo de água, qualidade do ar no interior da edificação, a iluminação natural e a ergonomia no mobiliário.
Para que se tenha uma compreensão mais ampla sobre os impactos de eventuais de aspectos críticos, cabe considerar a aplicação de questionários, entrevistas e atividades de grupo focal, dentre outros instrumentos para coletar informações quanto à percepção dos usuários dos ambientes avaliados (Figuras 5 e 6). A adoção de multimétodos pode elevar os índices de confiabilidade dos resultados, assim como minimizar discrepâncias e particularidades da modalidade avaliada.
Uma vez que os aspectos críticos (e os assertivos) foram diagnosticados e classificados conforme prioridade, viabilidade e respectivos níveis de risco, devem ser realizadas reuniões, junto aos responsáveis pela gestão da edificação, para comunicação e esclarecimento dos resultados, bem como a elaboração de um eventual plano de ação para sua correção.
Portanto, embora muitas vezes a APO seja compreendida como um processo “hermético”, a ser conduzido pontualmente, durante a fase de uso do ambiente construído, o apresentado pelos autores mostra que, longe de ser uma simples tarefa a ser conduzida de modo isolado, na fase posterior à etapa de construção, ela consiste em um processo que permeia todas as fases do ciclo de vida de uma edificação, seja com vistas à coleta de dados, seja como fonte de informação para os processos decisórios de diferentes atores.
A partir da sistematização dos resultados obtidos, é possível incorporar mecanismos realimentadores de gestão de qualidade ao processo projetual. Deste modo, as diretrizes elaboradas a partir dos diagnósticos de APO podem ser aplicadas tanto em novas edificações (projetos futuros), como em projetos de intervenção naquelas já existentes (reformas e retrofits).
Referências Bibliográficas
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