Debater a legislação urbana levanta, via de regra, a questão da altura das edificações - ponto crucial para compreender e prever se o tecido urbano tem capacidade de comportar a multiplicação de pavimentos. No Brasil, o problema é fundamental, haja vista a ineficiência da rede urbana da maioria das cidades, entretanto, ainda há certo exagero em afirmar que, mesmo em nossos centros mais urbanizados, o eixo Z é excessivamente explorado.
Se compararmos, por exemplo, com os Estados Unidos, o número edifícios com mais de 150 metros de altura construídos no Brasil é, literalmente, uma fração. Há em solo brasileiro 34 edificações que podem ser consideradas arranha-céus [1], enquanto que nos EUA este número é, atualmente, 779. Leviana, por desconsiderar fatores históricos e econômicos, a comparação serve somente para ilustrar o desnivelamento quantitativo no número de edifícios em altura erguidos nestes dois países, sem, com isso, apontar desprestígio em haver menos arranha-céus aqui (geralmente, o contrário é que vale).
Espalhados pela cidades de João Pessoa, Salvador, Goiânia, Nova Lima, Rio de Janeiro, São Paulo, Praia Grande, Curitiba e Balneário Camboriú, estes 34 edifícios recebem, segundo dados da plataforma The Skyscraper Center, programas corporativos ou, predominantemente, residenciais - à diferença dos EUA, cujas torres abrigam usos mistos, com destaque para hotelaria e corporativo. De acordo com a mesma fonte, os dez maiores arranha-céus do Brasil são:
- Órion Business & Health Complex - Goiânia, GO (191m)
- Tour Genève - João Pessoa, PB (182m)
- Millenium Palace - Balneário Camboriú, SC (177m)
- Alameda Jardins Residence - Balneário Camboriú, SC (174m)
- Concordia Corporate - Nova Lima, MG (172m)
- Palácio W. Zarzur - São Paulo, SP (170m)
- Império das Ondas - Balneário Camboriú, SC (165m)
- Edifício Itália - São Paulo, SP (165m)
- Rio Sul Center - Rio de Janeiro, RJ (163m)
- Edifício Altino Arantes - São Paulo, SP (161m)
Com 44 pavimentos e 191 metros de altura, o edifício mais alto do Brasil, atualmente, é o Órion Business & Health Complex, uma exceção dentre os demais em termos de programa, combinando um hospital, um hotel e espaços corporativos no mesmo conjunto. Os três edifícios seguintes são dedicados a uso exclusivamente residencial, ao passo que o quinto, em Nova Lima, abriga escritórios.
Das cidades mencionadas acima, aquela com o maior número de arranha-céus é, sem surpresa, São Paulo, com 14 edifícios com mais de 150 metros, sendo o Palácio W. Zarzur, conhecido como Mirante do Vale, o mais alto deles, com 170 metros de altura. Todavia, este não é o ponto mais alto da cidade, sequer do centro. A implantação do edifício, na porção mais baixa do Vale do Anhangabaú, não lhe rende as vistas mais elevadas da região, ficando, neste critério, atrás do edifício Altino Arantes, com 161 metros de altura mas construído acima do vale.
Atrás de São Paulo, ocupando a segunda posição entre as cidades com mais arranha-céus construídos no Brasil está, curiosamente, Balneário Camboriú, em Santa Catarina, famoso ponto de veraneio de turistas de todo o país. Com oito edifícios de grande altura, o balneário catarinense, com população pouco acima dos 120 mil habitantes, apresenta, sem dúvida, a maior concentração de arranha-céus per capita do Brasil - todos voltados para uso residencial.
A grande concentração destas estruturas na cidade e as consequências deste adensamento - apenas na orla - vem, desde o início dos anos 2000, causando problemas aos moradores e turistas. Além de colocarem à prova a capacidade das redes de abastecimento, esgoto e viária todos os anos (Balneário Camboriú já registrou população superior aos 2 milhões de habitantes no verão), a presença destes grandes edifícios na orla ocasiona a canalização dos ventos e o sombreamento da areia da praia - desservindo o bem natural que, originalmente, atraiu as pessoas para a região.
Mais assombrosa que a quantidade de arranha-céus construídos na cidade é, porém, o número de estruturas em altura que estão por vir. De acordo com informações do Skyscraper Center, das 19 torres com mais de 150 metros atualmente em construção no Brasil, 15 se localizam em Balneário Camboriú. Até 2022, prevê-se que o balneário catarinense, cuja principal praia já carece de sol, terá 23 arranha-céus - seis dos quais com mais de 200 metros de altura.
Com uma rede urbana incapaz de sustentar o aumento sazonal da população e sua praia - principal e único espaço público da cidade - em constante penumbra, a bolha imobiliária de alto padrão, que se reflete no paliteiro que é hoje a cidade, é explicada por Heloísa Cristina Flores, em sua dissertação de mestrado, como fruto da nefasta combinação de um Plano Diretor impotente e as ambições do mercado imobiliário que, a partir dos anos 2000, com a escassez de terrenos próximos à orla, passou a investir em imóveis cada vez mais luxosos e mais altos para extrair maiores retornos do solo urbano. Diz a autora:
"O seu Plano Diretor não planeja, não controla, não direciona, apenas regulamenta os anseios do mercado imobiliário e institucionaliza o metabolismo do capital. Este metabolismo, baseado na acumulação pela acumulação e produção pela produção, no caso de Balneário Camboriú, é muito bem representado pela dinâmica do mercado imobiliário local, cuja produção desenfreada de torres de apartamentos está longe de atingir a necessidades sociais, tendo como propósito apenas atividades especulativas e consumidores altamente capitalizados, ao explorar economicamente a área mais valorizada da cidade, a orla da Praia Central, onde se localiza o seu maior e único espaço público." [2]
A autora segue, dizendo:
"Para manter a lucratividade do setor, as grandes construtoras necessitam da reprodução continuada de seus empreendimentos, a despeito dos limites geográficos e de infraestrutura da cidade e, a partir dos anos 2000, esta reprodução continuada deu início à escassez dos terrenos na Praia Central, fazendo com que o mercado imobiliário passasse a investir em imóveis de alto padrão que possibilitam a extração de maiores retornos econômicos dos poucos terrenos ainda disponíveis na orla e atingisse os limites geográficos desta praia, caracterizados pelas áreas ambientalmente sensíveis nas pontas norte e sul da baía." [3]
Em Balneário Camboriú, talvez de forma mais visível que em qualquer outra cidade brasileira, o capital tem falado mais alto, asfixiando qualquer noção de preservação ambiental, preocupação social ou bem estar urbano. Vice na lista das cidades com mais arranha-céus no Brasil, em poucos anos assumirá a liderança - lugar do qual não deveria se orgulhar, mas que, sem dúvida, reforça o vil apelido que já carrega: a Dubai brasileira.
Referências bibliográficas
1. Ambrose, Gavin; Harris, Paul; Stone, Sally (2008). The Visual Dictionary of Architecture. Switzerland: AVA Publishing SA. 233 páginas. ISBN 978-2-940373-54-3
2. Flores, Heloísa Cristina. A expansão dos imóveis de alto padrão ao sul e ao norte da orla de Balneário Camboriú/SC: uma crítica sobre a relação entre o estado e o mercado imobiliário na cidade. Orientadora: Margareth de Castro Afeche Pimenta. Florianópolis, SC, 2015. 241 p. Dissertação de Mestrado - Universidade Federal de Santa Catarina.
3. Idem.